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Divulgação
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GUITARRA, BAIXO E BATERIA
Pedro Sá, Caetano Veloso, Marcelo
Callado e Ricardo Gomes: banda afiada, ele é o elo frágil |
Em Zii e Zie, de Caetano
Veloso, a ideia de dar ao samba um acento rock é boa, mas todo o resto falha
Na
última nota, Caetano Veloso estraga uma das melhores músicas de seu novo
disco, Zii e Zie. Até ali, sua recriação de
Incompatibilidade de Gênios, um samba já clássico de João Bosco e Aldir
Blanc, é antológica e ilustra à perfeição o método do disco: transpor as
batidas do samba para a guitarra elétrica, acompanhada, à moda roqueira, por
baixo e bateria. Enquanto os três instrumentos dão um toque arrevesado ao
samba – a guitarra, a certa altura, se distorce –, Caetano vai cantando de
maneira grave a letra sobre um sujeito maltratado por sua mulher ("Um cisco
no olho, ela em vez de assoprar/Sem dó/Falou que por ela eu podia cegar").
Mas, no instante final, em vez de trazer a melodia para baixo, como fazia
até ali, ele afina a voz, sobe o tom e quase dá para imaginá-lo num pulinho
com as mãos na cintura quando canta: "Quero me separar". Isso é Caetano
fazendo graça, acrescentando uma ironia extra à canção. Não funciona. E esse
é o problema do disco: ele tem uma ideia musical clara – "tratar levadas de
samba com um timbre elétrico forte", como já disse o cantor –, bem executada
pelos jovens músicos Pedro Sá, Marcelo Callado e Ricardo Dias Gomes, mas o
que há em volta, das letras ao canto, é fraco. Estranhamente, Caetano é o
elo frágil em seu próprio disco.
Caetano Veloso nunca transbordou emoção. Sempre foi, vá lá, uma figura
"cerebral" na música popular. Quando faz a diferença – quer para aqueles que
o idolatram, quer para aqueles que o acham insuportável –, é por causa das
letras superelaboradas, da busca da polêmica. Zii e Zie (Tios e Tias,
em italiano) deixa a dever nos dois quesitos. Descontadas bobagens como
Tarado Ni Você, até as letras mais ambiciosas têm uns poeticismos meio
duvidosos, na linha "a explosão de eu saber quem eu sou".
O
comentário político de Guantánamo é canhestro ("O fato de os
americanos desrespeitarem os direitos humanos em solo cubano é por demais
forte simbolicamente para eu não me abalar"). E, ao contrário de um CD como
Noites do Norte, que falava de negros e escravidão, falta ao disco um
tema central. Duas músicas, Perdeu e Falso Leblon, chegam a
desenhar um comentário sobre as drogas no Rio de Janeiro, do ponto de vista
do morro e da Zona Sul, mas isso não basta. Da primeira, a melhor letra do
disco, vem uma frase que define o impacto de Zii e Zie na discografia
de Caetano Veloso: "O sol se pôs depois nasceu e nada aconteceu".
(©
VEJA)
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