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Transcaetano

15/04/2009

 

 

Foto: Marcos D'Paula/AE
 
Testado antes em blog, chega às lojas o CD zii e zie, cheio de 'transambas e transrocks', como brinca o compositor

Roberta Pennafort, RIO

zii e zie, novo CD de Caetano Veloso, tem dois subtítulos: Transambas e Transrock. Os fãs sabem o porquê dessas escolhas, pois, há dez meses, têm a chance de acompanhar o processo de gestação do disco no blog do compositor, www.obraemprogresso.com.br, no qual todas as letras foram publicadas. E, no ano passado, numa série de shows, puderam conhecer as músicas, em parte já com os arranjos do CD.

A sonoridade foi desenvolvida em parceria com a banda Cê: o guitarrista Pedro Sá (diretor do projeto, com Moreno Veloso, filho do compositor), o baixista e tecladista Ricardo Dias Gomes e o baterista Marcelo Callado, jovens que se juntaram a Caetano para a realização de Cê (2006), álbum que ficou conhecido como o "disco de rock" do baiano.

Antes disso, quando ainda preparava A Foreign Sound (2004), Caetano sonhava com um disco de sambas à vera, "do pagode baiano até a bossa nova mais refinada, passando por formas bem tradicionais de samba carioca, voltando à coisa de samba de roda, chula do Recôncavo, de uma maneira mais pura", como ele explica. Mas o encontro com os "meninos" mudou o rumo do que se seguiria.

zii e zie (que significa 'tios e tias', em italiano) não é um "disco de samba", tampouco é "dominado pelo samba" - forma como Caetano descreveu o CD novo de Mariana Aydar, cantora a qual admira e para a qual fez carinhoso texto de apresentação.

"É um disco de 'transambas'. É claro que a palavra é uma brincadeira, mas de fato é uma abordagem muito simplificadora do samba a minha, e ao mesmo tempo muito experimentalista do ponto de vista timbrístico. Então, eu não considero que seja dominado pelo samba, como é o da Mariana Aydar, da Roberta Sá, da Maria Rita", afirma ele.

No lugar do cavaquinho, pandeiro, tamborim e companhia, o trio guitarra (por vezes, distorcida)-baixo-bateria, além do violão de Caetano. Dez das 13 faixas saíram de seu instrumento e foram trabalhadas com os músicos depois - o que acontecia em Cê. Não se trata de mera continuação, mas de um "aprofundamento" da experiência anterior - "zii e zie não quer ir mais fundo no que há no Cê, mas ir a lugares aonde o Cê não foi", ele escreveu no blog.

Duas faixas-chave para compreender esse "caminho" são regravações: Incompatibilidade de Gênios, de João Bosco e Aldir Blanc, e Ingenuidade, do sambista carioca Serafim Adriano, curiosamente também regravada por Bosco (entrará em CD a ser lançado em breve). Ambas são de Clementina de Jesus - Convidado Especial: Carlos Cachaça, disco de 1976, e estavam vivas na memória de Caetano.

Perdeu, Sem Cais, Por Quem?, Lobão Tem Razão, A Cor Amarela, A Base de Guantánamo, Falso Leblon, Tarado Ni Você, Lapa e Diferentemente são canções testadas - e, em geral, aprovadas - nos shows da série Obra em Progresso.

As apresentações lotaram o Vivo Rio e o Teatro do Leblon e deram o que falar, assim como o blog, que chegou a reunir comentários de mais de 500 pessoas num só post. Para Caetano, a divulgação prévia não diminuiu o interesse pelo CD - ao contrário, provocou curiosidade sobre ele.

(© Estadão)


''Eu tenho saudade de São Paulo''

Caetano conta que o título zii e zie vem desse sentimento pela cidade paulistana

Roberta Pennafort, RIO

Morador do Rio há mais de 40 anos, Caetano Veloso volta a falar da cidade em zii e zie. Na bonita Lapa, reverencia a região boêmia que "renasce" desde os anos 90, a qual ele frequenta e define como "Pelourinho vezes Rio". A Barra, a Gávea e o Arpoador aparecem em Sem Cais (parceria com Pedro Sá), um dos pontos altos do CD; o Cristo Redentor, em Lobão Tem Razão, através da qual o compositor responde à frase do roqueiro provocador sobre ele: "Chega de Verdade". O bairro inspirador de Falso Leblon está na capa do CD - uma imagem melancólica da praia, possivelmente ao anoitecer.

A singela Menina da Ria, referência à laguna portuguesa do município de Aveiro, surge 30 anos depois de Menino do Rio. É a única faixa que ainda não havia sido apresentada em público. Diferentemente, que menciona Madonna, Osama Bin Laden e Condoleezza Rice, por outro lado, ele já tocava no show de A Foreign Sound, em meio aos standards norte-americanos do CD.

O título em italiano vem de uma saudade grande de São Paulo. Era na cidade, mais especificamente no Studio SP, espaço "alternativo", que ele queria lançar zii e zie. Mas "questões da produção" acabaram fazendo com que os shows começassem pelo Rio, no tradicional Canecão - "a casa de show real do Brasil", como está no blog. Quem tinha ido conferir a obra em progresso agora vai ver novidades, garante. "Serão shows diferentes, porque os arranjos das canções ainda estavam amadurecendo."

Ele acha "primária" a observação feita por um crítico durante a temporada, de que, sem as guitarras, as músicas dariam um disco de bossa nova. "Se você tirar as guitarras dos Beatles, do Nirvana, também dá... Isso você faz com qualquer coisa. O João Gilberto cantando Me Chama, do Lobão, é uma obra-prima da história da bossa nova."

Aos 66 anos, Caetano sente que está ficando velho - precisa de óculos, o cabelo está "quase mais branco do que preto", o gosto por parar e ouvir música já não é mais aquele. Mas a forma vocal vai bem, e ele canta em falsete sem medo.

Ele adorou ser dono de um blog, mas o abandonou ontem, já que seu objetivo primeiro era tratar do CD agora lançado. Virtualmente, conheceu pessoas interessantes, se afeiçoou a elas, as convidou para o camarim das apresentações. Muitos foram os que se surpreenderam com a disposição de um artista de seu peso para discutir, responder, explicar intenções. Muitas foram as declarações de fãs: "Se os posts de Caetano virarem um libreto, a história agradece", escreveu um internauta no último sábado.

Fã do Radiohead (ficou encantado com o show da banda), ele acha viável um artista brasileiro disponibilizar um álbum para download na internet, como foi feito com In Rainbows (baixado por ele de graça e depois comprado na loja). Quer se informar mais sobre como lidar com a questão.

No mais: ainda tem vontade de gravar uma antologia de axé music; poderá vir a lançar o DVD a partir dos shows de 2008, que não deverá "brigar" com um possível de zii e zie, no entanto; ainda não leu Leite Derramado, o novo livro de Chico Buarque, mas quer muito fazê-lo. Ao contrário de Chico, continua achando curtição dar entrevistas. A ressalva: "Em geral, não gosto de as ler depois."

"Acordo é fraco"

Em meio à finalização de zii e zie, Caetano ainda não tinha prestado atenção no acordo ortográfico da língua portuguesa, em vigor desde janeiro. Recentemente, parou para lê-lo. "Achei fraco. É bom que haja o desejo de se fazer uma unificação da língua portuguesa escrita no mundo, em princípio, porque pode significar seu fortalecimento", diz o autor de Língua. "O acordo propriamente me deixou muito insatisfeito. Tem muita coisa que é facultativa e não justifica a existência do acordo. Eu posso escrever, mas não estou acostumado e nem sempre acho que é bom."

Ele se refere, por exemplo, ao desaparecimento dos acentos diferenciais em palavras como "pára" (verbo), em contraposição a "para" (preposição). Outro problema, para o compositor (e escritor), foi que a reforma não tratou de diferenças do português daqui e de Portugal como as grafias distintas de "por que" (junto, separado, com circunflexo) e de palavras como "caminhão" - lá, "camião".

(© Estadão)


Remete a Velô, mas é obra ''sem'' progresso

Faltam canções com a força de O Quereres, do LP de 1984

Lauro Lisboa Garcia

Experimentar canções no palco antes de gravá-las, como fez com zii e zie, não é novidade na carreira de Caetano Veloso. Quando realizou Velô, em 1984, ele fez mais do que furar o esquema viciado das gravadoras, ao estrear o show sem ter lançado o disco. O impacto de canções como Língua, O Quereres, Shy Moon, Podres Poderes foi grande. A Banda Nova, que o acompanhava, tinha um approach com o pop-rock brasileiro do período, mesclava samba com reggae e rap, até o ídolo Ritchie participava do disco, que também reabilitava Elza Soares. A sonoridade ficou datada, mas as canções sobreviveram.

Vinte e cinco anos depois, dá para traçar um paralelo com Velô. De novo Caetano aproxima gêneros e levadas, como samba e rock, com convicção e o apoio dos jovens e talentosos instrumentistas da Banda Cê - Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclado) e Marcelo Callado (bateria) -, os mesmos do álbum anterior, mais Moreno Veloso, que coproduziu o CD com Sá.

Caetano batizou a nova experiência com o power trio de "transamba" ou "transrock" - é quase um ou outro. Como "velô", os neologismos indicam ação, inquietação. A expressão mais viva desse movimento é a retomada de um clássico de João Bosco e Aldir Blanc, Incompatibilidade de Gênios (com melhor resultado ao vivo do que no monótono CD), e de outro samba antigo, Ingenuidade (Serafin Adriano), ambos do repertório e do mesmo disco de Clementina de Jesus, lançado em 1976.

As novas canções autorais de Caetano não correspondem ao empenho criativo no conceito sonoro nem à força de Língua e O Quereres, para se fixar só na remissão a Velô. A forma é interessante, tem o sangue novo dos meninos, o conteúdo nem tanto. Vale mais pela provocação do que pela música em si.

Há uma abundância de citações pop/contemporâneas nas letras, como Kassin, Madonna, o próprio Pedro Sá, Lula, Osama, Condoleeza, FH, big brother, Seu Jorge, Los Hermanos, a Fundição Progresso da Lapa rejuvenescida e outras referências ao Rio - que é o tema de várias letras, como Perdeu e Falso Leblon. Os versos de faixas mais elaboradas como estas, muito embora as melodias emperrem a realização da peça como canção, contrapõem-se a outras como Tarado ni Você, o momento mais constrangedor do CD, daqueles que a gente tem vergonha pelo outro.

Base de Guantánamo diz o seguinte: "O fato de os americanos desrespeitarem os direitos humanos em solo cubano é por demais forte simbolicamente para eu não me abalar". E daí? A nova "transa" de Caetano é abusar de falsetes em faixas como em Por Quem?. Pode parecer emulação de Thom Yorke, mas é só um chiado choroso.

Nas sessões de gravação do DVD durante o show Obra em Progresso, Caetano leu trechos de uma entrevista de Lobão, ressaltando o fato de que mais uma vez as ideias de ambos conflitavam. Na canção dedicada a ele, Lobão Tem Razão, o leonino diz que o rock acertou, remetendo a "o rock errou" do referido lupino. Quem leva quem a sério?

Na época de Velô, quem ia ver o show mal podia esperar o lançamento do LP. Agora Caetano criou um blog para, a princípio, abrigar comentários sobre a progressão da tal obra. Acabou excedendo, fazendo do site uma espécie de Caras culta e verborrágica, um Big Brother do Eu (como a maioria dos blogs), abrindo sua casa-cabeça para quem dispusesse de tempo e paciência para perscrutá-la.

zii e zie ficou explícito ali antes de acabado, mas já era isso mesmo. Expectativa para o lançamento do CD físico? Pouca. No entanto, se as canções se sustentassem, isto seria o de menos. Por tudo de genial que Caetano já fez, esta é uma obra sem progresso. Cê era melhor.

(© Estadão)


Caetano lança novo CD após divulgar músicas em shows

AE - Agencia Estado

SÃO PAULO - ''Zii e Zie'', novo CD de Caetano Veloso, tem dois subtítulos: Transambas e Transrock. Os fãs sabem o porquê dessas escolhas. Há dez meses, eles acompanham a gestação do disco no blog do compositor, www.obraemprogresso.com.br. E, no ano passado, em uma série de shows, puderam conhecer as músicas, em parte já com os arranjos do CD.

A sonoridade foi desenvolvida com a banda Cê: o guitarrista Pedro Sá (diretor do projeto, com Moreno Veloso, filho do compositor), o baixista e tecladista Ricardo Dias Gomes e o baterista Marcelo Callado, jovens que se juntaram para o CD ''Cê'' (2006), o que ficou conhecido como o 'disco de rock' do baiano.

Antes disso, quando ainda preparava ''A Foreign Sound'' (2004), Caetano sonhava com um CD de sambas, 'do pagode baiano até a bossa nova mais refinada, passando por formas bem tradicionais de samba carioca, voltando à coisa de samba de roda, chula do Recôncavo, de uma maneira mais pura', como ele explica. Mas o encontro com os 'meninos' mudou o rumo do que se seguiria.

''Zii e Zie'' (tios e tias, em italiano) não é um 'disco de samba', tampouco é 'dominado pelo samba'. No lugar do cavaquinho, pandeiro, tamborim e companhia, o trio guitarra-baixo-bateria, além do violão de Caetano. Dez das 13 faixas saíram de seu instrumento e foram trabalhadas com os músicos depois - o que acontecia em ''Cê''. Não se trata de mera continuação, mas de um 'aprofundamento' da experiência anterior - 'Zii e Zie não será ir mais fundo no que há no Cê, mas ir a lugares aonde o Cê não foi', ele escreveu no blog.

Duas faixas-chave para compreender esse caminho são regravações: Incompatibilidade de Gênios, de João Bosco e Aldir Blanc, e Ingenuidade, do sambista carioca Serafim Adriano, curiosamente também regravada por Bosco (entrará no seu CD a ser lançado em breve). Ambas são de ''Clementina de Jesus - Convidado Especial: Carlos Cachaça'', de 1976, e estavam vivas na memória de Caetano.

Perdeu, Sem Cais, Por Quem?, Lobão Tem Razão, A Cor Amarela, A Base de Guantánamo, Falso Leblon, Tarado Ni Você, Lapa e Diferentemente são canções testadas nos shows da série Obra em Progresso. As apresentações lotaram o Vivo Rio e o Teatro do Leblon e deram o que falar, assim como o blog, que chegou a reunir comentários de mais de 500 pessoas num só post. Para Caetano, a divulgação prévia não diminuiu o interesse pelo CD.

(© Estadão)


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