Foto:
Marcos D'Paula/AE
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Testado antes em blog, chega às lojas o CD zii e zie,
cheio de 'transambas e transrocks', como brinca o compositor
Roberta Pennafort, RIO
zii e zie, novo CD de Caetano Veloso, tem dois
subtítulos: Transambas e Transrock. Os fãs sabem o porquê dessas
escolhas, pois, há dez meses, têm a chance de acompanhar o processo de
gestação do disco no blog do compositor, www.obraemprogresso.com.br, no
qual todas as letras foram publicadas. E, no ano passado, numa série de
shows, puderam conhecer as músicas, em parte já com os arranjos do CD.
A sonoridade foi desenvolvida em parceria com a banda Cê: o guitarrista
Pedro Sá (diretor do projeto, com Moreno Veloso, filho do compositor), o
baixista e tecladista Ricardo Dias Gomes e o baterista Marcelo Callado,
jovens que se juntaram a Caetano para a realização de Cê (2006), álbum
que ficou conhecido como o "disco de rock" do baiano.
Antes disso, quando ainda preparava A Foreign Sound (2004), Caetano
sonhava com um disco de sambas à vera, "do pagode baiano até a bossa
nova mais refinada, passando por formas bem tradicionais de samba
carioca, voltando à coisa de samba de roda, chula do Recôncavo, de uma
maneira mais pura", como ele explica. Mas o encontro com os "meninos"
mudou o rumo do que se seguiria.
zii e zie (que significa 'tios e tias', em italiano) não é um "disco de
samba", tampouco é "dominado pelo samba" - forma como Caetano descreveu
o CD novo de Mariana Aydar, cantora a qual admira e para a qual fez
carinhoso texto de apresentação.
"É um disco de 'transambas'. É claro que a palavra é uma brincadeira,
mas de fato é uma abordagem muito simplificadora do samba a minha, e ao
mesmo tempo muito experimentalista do ponto de vista timbrístico. Então,
eu não considero que seja dominado pelo samba, como é o da Mariana
Aydar, da Roberta Sá, da Maria Rita", afirma ele.
No lugar do cavaquinho, pandeiro, tamborim e companhia, o trio guitarra
(por vezes, distorcida)-baixo-bateria, além do violão de Caetano. Dez
das 13 faixas saíram de seu instrumento e foram trabalhadas com os
músicos depois - o que acontecia em Cê. Não se trata de mera
continuação, mas de um "aprofundamento" da experiência anterior - "zii e
zie não quer ir mais fundo no que há no Cê, mas ir a lugares aonde o Cê
não foi", ele escreveu no blog.
Duas faixas-chave para compreender esse "caminho" são regravações:
Incompatibilidade de Gênios, de João Bosco e Aldir Blanc, e Ingenuidade,
do sambista carioca Serafim Adriano, curiosamente também regravada por
Bosco (entrará em CD a ser lançado em breve). Ambas são de Clementina de
Jesus - Convidado Especial: Carlos Cachaça, disco de 1976, e estavam
vivas na memória de Caetano.
Perdeu, Sem Cais, Por Quem?, Lobão Tem Razão, A Cor Amarela, A Base de
Guantánamo, Falso Leblon, Tarado Ni Você, Lapa e Diferentemente são
canções testadas - e, em geral, aprovadas - nos shows da série Obra em
Progresso.
As apresentações lotaram o Vivo Rio e o Teatro do Leblon e deram o que
falar, assim como o blog, que chegou a reunir comentários de mais de 500
pessoas num só post. Para Caetano, a divulgação prévia não diminuiu o
interesse pelo CD - ao contrário, provocou curiosidade sobre ele.
(©
Estadão)
''Eu tenho saudade de São Paulo''
Caetano conta que o título zii e zie
vem desse sentimento pela cidade paulistana
Roberta Pennafort, RIO
Morador do Rio há mais de 40 anos, Caetano
Veloso volta a falar da cidade em zii e zie. Na bonita Lapa, reverencia
a região boêmia que "renasce" desde os anos 90, a qual ele frequenta e
define como "Pelourinho vezes Rio". A Barra, a Gávea e o Arpoador
aparecem em Sem Cais (parceria com Pedro Sá), um dos pontos altos do CD;
o Cristo Redentor, em Lobão Tem Razão, através da qual o compositor
responde à frase do roqueiro provocador sobre ele: "Chega de Verdade". O
bairro inspirador de Falso Leblon está na capa do CD - uma imagem
melancólica da praia, possivelmente ao anoitecer.
A singela Menina da Ria, referência à laguna portuguesa do município de
Aveiro, surge 30 anos depois de Menino do Rio. É a única faixa que ainda
não havia sido apresentada em público. Diferentemente, que menciona
Madonna, Osama Bin Laden e Condoleezza Rice, por outro lado, ele já
tocava no show de A Foreign Sound, em meio aos standards
norte-americanos do CD.
O título em italiano vem de uma saudade grande de São Paulo. Era na
cidade, mais especificamente no Studio SP, espaço "alternativo", que ele
queria lançar zii e zie. Mas "questões da produção" acabaram fazendo com
que os shows começassem pelo Rio, no tradicional Canecão - "a casa de
show real do Brasil", como está no blog. Quem tinha ido conferir a obra
em progresso agora vai ver novidades, garante. "Serão shows diferentes,
porque os arranjos das canções ainda estavam amadurecendo."
Ele acha "primária" a observação feita por um crítico durante a
temporada, de que, sem as guitarras, as músicas dariam um disco de bossa
nova. "Se você tirar as guitarras dos Beatles, do Nirvana, também dá...
Isso você faz com qualquer coisa. O João Gilberto cantando Me Chama, do
Lobão, é uma obra-prima da história da bossa nova."
Aos 66 anos, Caetano sente que está ficando velho - precisa de óculos, o
cabelo está "quase mais branco do que preto", o gosto por parar e ouvir
música já não é mais aquele. Mas a forma vocal vai bem, e ele canta em
falsete sem medo.
Ele adorou ser dono de um blog, mas o abandonou ontem, já que seu
objetivo primeiro era tratar do CD agora lançado. Virtualmente, conheceu
pessoas interessantes, se afeiçoou a elas, as convidou para o camarim
das apresentações. Muitos foram os que se surpreenderam com a disposição
de um artista de seu peso para discutir, responder, explicar intenções.
Muitas foram as declarações de fãs: "Se os posts de Caetano virarem um
libreto, a história agradece", escreveu um internauta no último sábado.
Fã do Radiohead (ficou encantado com o show da banda), ele acha viável
um artista brasileiro disponibilizar um álbum para download na internet,
como foi feito com In Rainbows (baixado por ele de graça e depois
comprado na loja). Quer se informar mais sobre como lidar com a questão.
No mais: ainda tem vontade de gravar uma antologia de axé music; poderá
vir a lançar o DVD a partir dos shows de 2008, que não deverá "brigar"
com um possível de zii e zie, no entanto; ainda não leu Leite Derramado,
o novo livro de Chico Buarque, mas quer muito fazê-lo. Ao contrário de
Chico, continua achando curtição dar entrevistas. A ressalva: "Em geral,
não gosto de as ler depois."
"Acordo é fraco"
Em meio à finalização de zii e zie, Caetano ainda não tinha prestado
atenção no acordo ortográfico da língua portuguesa, em vigor desde
janeiro. Recentemente, parou para lê-lo. "Achei fraco. É bom que haja o
desejo de se fazer uma unificação da língua portuguesa escrita no mundo,
em princípio, porque pode significar seu fortalecimento", diz o autor de
Língua. "O acordo propriamente me deixou muito insatisfeito. Tem muita
coisa que é facultativa e não justifica a existência do acordo. Eu posso
escrever, mas não estou acostumado e nem sempre acho que é bom."
Ele se refere, por exemplo, ao desaparecimento dos acentos diferenciais
em palavras como "pára" (verbo), em contraposição a "para" (preposição).
Outro problema, para o compositor (e escritor), foi que a reforma não
tratou de diferenças do português daqui e de Portugal como as grafias
distintas de "por que" (junto, separado, com circunflexo) e de palavras
como "caminhão" - lá, "camião".
(©
Estadão)
Faltam canções com a força de O
Quereres, do LP de 1984
Lauro Lisboa Garcia
Experimentar
canções no palco antes de gravá-las, como fez com zii e zie, não é
novidade na carreira de Caetano Veloso. Quando realizou Velô, em 1984,
ele fez mais do que furar o esquema viciado das gravadoras, ao estrear o
show sem ter lançado o disco. O impacto de canções como Língua, O
Quereres, Shy Moon, Podres Poderes foi grande. A Banda Nova, que o
acompanhava, tinha um approach com o pop-rock brasileiro do período,
mesclava samba com reggae e rap, até o ídolo Ritchie participava do
disco, que também reabilitava Elza Soares. A sonoridade ficou datada,
mas as canções sobreviveram.
Vinte e cinco anos depois, dá para traçar um paralelo com Velô. De novo
Caetano aproxima gêneros e levadas, como samba e rock, com convicção e o
apoio dos jovens e talentosos instrumentistas da Banda Cê - Pedro Sá
(guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclado) e Marcelo Callado
(bateria) -, os mesmos do álbum anterior, mais Moreno Veloso, que
coproduziu o CD com Sá.
Caetano batizou a nova experiência
com o power trio de "transamba" ou "transrock" - é quase um ou outro.
Como "velô", os neologismos indicam ação, inquietação. A expressão mais
viva desse movimento é a retomada de um clássico de João Bosco e Aldir
Blanc, Incompatibilidade de Gênios (com melhor resultado ao vivo do que
no monótono CD), e de outro samba antigo, Ingenuidade (Serafin Adriano),
ambos do repertório e do mesmo disco de Clementina de Jesus, lançado em
1976.
As novas canções autorais de Caetano não correspondem ao empenho
criativo no conceito sonoro nem à força de Língua e O Quereres, para se
fixar só na remissão a Velô. A forma é interessante, tem o sangue novo
dos meninos, o conteúdo nem tanto. Vale mais pela provocação do que pela
música em si.
Há uma abundância de citações pop/contemporâneas nas letras, como
Kassin, Madonna, o próprio Pedro Sá, Lula, Osama, Condoleeza, FH, big
brother, Seu Jorge, Los Hermanos, a Fundição Progresso da Lapa
rejuvenescida e outras referências ao Rio - que é o tema de várias
letras, como Perdeu e Falso Leblon. Os versos de faixas mais elaboradas
como estas, muito embora as melodias emperrem a realização da peça como
canção, contrapõem-se a outras como Tarado ni Você, o momento mais
constrangedor do CD, daqueles que a gente tem vergonha pelo outro.
Base de Guantánamo diz o seguinte: "O fato de os americanos
desrespeitarem os direitos humanos em solo cubano é por demais forte
simbolicamente para eu não me abalar". E daí? A nova "transa" de Caetano
é abusar de falsetes em faixas como em Por Quem?. Pode parecer emulação
de Thom Yorke, mas é só um chiado choroso.
Nas sessões de gravação do DVD durante o show Obra em Progresso, Caetano
leu trechos de uma entrevista de Lobão, ressaltando o fato de que mais
uma vez as ideias de ambos conflitavam. Na canção dedicada a ele, Lobão
Tem Razão, o leonino diz que o rock acertou, remetendo a "o rock errou"
do referido lupino. Quem leva quem a sério?
Na época de Velô, quem ia ver o show mal podia esperar o lançamento do
LP. Agora Caetano criou um blog para, a princípio, abrigar comentários
sobre a progressão da tal obra. Acabou excedendo, fazendo do site uma
espécie de Caras culta e verborrágica, um Big Brother do Eu (como a
maioria dos blogs), abrindo sua casa-cabeça para quem dispusesse de
tempo e paciência para perscrutá-la.
zii e zie ficou explícito ali antes de acabado, mas já era isso mesmo.
Expectativa para o lançamento do CD físico? Pouca. No entanto, se as
canções se sustentassem, isto seria o de menos. Por tudo de genial que
Caetano já fez, esta é uma obra sem progresso. Cê era melhor.
(©
Estadão)
Caetano lança novo CD após divulgar músicas em shows
SÃO PAULO - ''Zii e Zie'', novo CD de
Caetano Veloso, tem dois subtítulos: Transambas e Transrock. Os fãs
sabem o porquê dessas escolhas. Há dez meses, eles acompanham a
gestação do disco no blog do compositor, www.obraemprogresso.com.br.
E, no ano passado, em uma série de shows, puderam conhecer as
músicas, em parte já com os arranjos do CD.
A sonoridade foi desenvolvida com a banda Cê: o guitarrista Pedro Sá
(diretor do projeto, com Moreno Veloso, filho do compositor), o
baixista e tecladista Ricardo Dias Gomes e o baterista Marcelo
Callado, jovens que se juntaram para o CD ''Cê'' (2006), o que ficou
conhecido como o 'disco de rock' do baiano.
Antes disso, quando ainda preparava ''A Foreign Sound'' (2004),
Caetano sonhava com um CD de sambas, 'do pagode baiano até a bossa
nova mais refinada, passando por formas bem tradicionais de samba
carioca, voltando à coisa de samba de roda, chula do Recôncavo, de
uma maneira mais pura', como ele explica. Mas o encontro com os
'meninos' mudou o rumo do que se seguiria.
''Zii e Zie'' (tios e tias, em italiano) não é um 'disco de samba',
tampouco é 'dominado pelo samba'. No lugar do cavaquinho, pandeiro,
tamborim e companhia, o trio guitarra-baixo-bateria, além do violão
de Caetano. Dez das 13 faixas saíram de seu instrumento e foram
trabalhadas com os músicos depois - o que acontecia em ''Cê''. Não
se trata de mera continuação, mas de um 'aprofundamento' da
experiência anterior - 'Zii e Zie não será ir mais fundo no que há
no Cê, mas ir a lugares aonde o Cê não foi', ele escreveu no blog.
Duas faixas-chave para compreender esse caminho são regravações:
Incompatibilidade de Gênios, de João Bosco e Aldir Blanc, e
Ingenuidade, do sambista carioca Serafim Adriano, curiosamente
também regravada por Bosco (entrará no seu CD a ser lançado em
breve). Ambas são de ''Clementina de Jesus - Convidado Especial:
Carlos Cachaça'', de 1976, e estavam vivas na memória de Caetano.
Perdeu, Sem Cais, Por Quem?, Lobão Tem Razão,
A Cor Amarela, A Base de Guantánamo, Falso Leblon,
Tarado Ni Você, Lapa e Diferentemente são
canções testadas nos shows da série Obra em Progresso. As
apresentações lotaram o Vivo Rio e o Teatro do Leblon e deram o que
falar, assim como o blog, que chegou a reunir comentários de mais de
500 pessoas num só post. Para Caetano, a divulgação prévia não
diminuiu o interesse pelo CD.
(©
Estadão)
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