Entre as restrições da velhice e as vastas possibilidades da
internet, Caetano Veloso não faz escolhas. No início da noite desta
terça-feira, o compositor arrebanhou seu "power trio" particular e
partiu para a entrevista coletiva sobre seu novo disco, "Zii e zie"
(Universal). Como uma banda de rock típica, o quarteto adentrou o
agradável Bar D'Hotel, no Leblon, onde jornalistas de 25 veículos
(de sites, jornais e TVs) de diversos estados esperavam já há uma
hora. Fez, então, uma observação "de idoso":
- 'Tá' um frio horrível aqui, dá para diminuir este ar-condicionado? -
pediu.
Ao lado de Ricardo Dias Gomes (baixo, 28 anos), Pedro Sá (guitarra, 35
anos) e Marcelo Callado (bateria, 29 anos), o músico de 66 anos falou por
uma hora sobre o novo disco, noturno e melancólico, e da mudança radical em
seu relacionamento com o público causado pelo blog "Obra em progresso",
criado justamente para registrar o passo-a-passo de composição de "Zii e
Zie" - e que encerrou suas atividades justamente nesta terça-feira (14/04),
data em que o CD chegou às lojas.
- Apresentar músicas, escrever no blog, ler os comentários, isso muda o
ânimo da gente, o que sai daí vem contaminado dessa convivência. Nesse
diálogo permanente, tive notícias de reações ao que faço de que não tinha
ideia - afirmou Caetano, caetanamente.
Na internet, Caetano recebeu elogios e críticas abertamente ("Quem fazia
a moderação era o Hermano Vianna. Não sei se alguém escreveu coisas
horríveis e ele não publicou. Alguns chegavam agredindo, mas os próprios
comentaristas reagiam", contou). O artista, porém, não pretende dar
prosseguimento ao blog:
- Blog? Não, agora eu tenho que ensaiar com esses caras que estão aqui
para fazer os shows.
A turnê de "Zii e zie", sucessor estético de "Cê" (2006), começa dia 8 de
maio pelo Canecão. Apesar disso, e de seu disco ter o Rio como fonte
inspiradora, o baiano sonha acordado com São Paulo.
- "Tô" com muita vontade de ficar mais em São Paulo. Os assuntos do disco
são todos ligados ao Rio e isso é coerente com a minha biografia, assim como
a saudade de São Paulo.
Caetano admitiu que a capa - uma foto do Leblon numa tarde de chuva,
feita por Pedro Sá - lembra obras anteriores de seu "cordial desafeto"
Lobão, radicado há algum tempo em São Paulo e homenageado no disco com
"Lobão tem razão".
- Lobão é um dinossauro e estou seguindo seus passos - brincou - Troquei
todas as musas do "Cê" por ele.
Ricardo Calazans
No texto de apresentação de "Zii e Zie", Caetano
Veloso escreveu: "entro na velhice". Na coletiva, o tema foi mencionado
diversas vezes. Questionado, o músico não se esquivou:
- "Entro na velhice" quer dizer exatamente isso. É uma
constatação: tenho 66 anos. Meu cabelo, em sua maioria, é branco -
disse, bem-humorado.
A diferença de idade, porém, não impediu o perfeito
entrosamento com a agora nomeada bandaCê. Caetano, inclusive, deu uma
divertida explicação para sua amizade com Pedro Sá, com quem divide
muitas afinidades musicais.
- Pedro Sá conheço desde pequenininho. E desde menino
ele era meu amigo. Depois, ele cresceu e continuou meu amigo. E é amigo
de meu filho Moreno, que também é muito meu amigo.
Ricardo Dias Gomes e Marcelo Callado também eram
amigos de Pedro Sá. Hoje, todos amigos, saíram em defesa da juventude do
membro mais velho da banda
- Caetano é velho, mas não tem nada de senil nisso. A
gente se diverte muito tocando. E ele nunca pediu pra gente abaixar o
volume da guitarra - contou Dias Gomes.
- Ao contrário. Às vezes ele pede para aumentar -
completou Pedro Sá.
- E sabe muito mais de bandas de hoje em dia do que eu
- constatou Callado.
- É verdade - sorriu Caetano, orgulhoso - Eu digo:
Animal Collective (banda americana)...
- ... E eu não conheço - admitiu Callado.
Sobre o tom melancólico do disco, Caetano usou a idade
para defender a tristeza de letras como "Perdeu" ou "Sem cais":
- Eu, como sou velho, lembro que o Brasil se
considerava um país triste. A tradição da música brasileira é de músicas
tristes, 99,9% fala de amores fracassados. Nos carnavais dos anos 40, 50
e 60 a gente cantava marchinhas assim: "tenha pena de mim / não posso
mais...". Nem os Los Hermanos fazem letras tão tristes quanto as daquela
época.
(©
O Globo)
Caetano diz que queria 'título absurdo' para
novo CD
Ricardo Calazans
O nome "Zii e Zie" (tio e tia em italiano) é mais uma
indicação da postura "roqueira" de Caetano Veloso no novo CD - ou
"transrock", como ele prefere.
- Queria um título meio absurdo, que não explicasse
nada aparentemente, como nos discos de rock. Mas hoje não somos todos
tios e tias dos meninos que fazem malabares nos sinais e nos chamam
assim?
A tiragem inicial de "Zii e Zie" é de 10 mil cópias. O
número, modesto, não impressionou o compositor.
- Hoje as companhias de disco não sentem-se seguras
quanto às tiragens. Pensam que vão sempre vender pouco. A música caminha
na internet, e tem a pirataria. Eu nunca fui grande vendedor de discos,
a não ser esporadicamente. Minha média sempre foi de 150 mil, 200 mil. E
agora que ninguém vende muito não sei se 10 mil é muito, pouco ou está
na média - assumiu a dúvida.
(©
O Globo)