Cerca de 600 cartas redigidas por dom Helder Camara, entre 1962 a 1965,
foram reunidas em seis livros Margarida Azevedo
mazevedo@jc.com.br
Quase diariamente, durante suas vigílias nas madrugadas de outubro de
1962 a setembro de 1965, dom Helder Camara, como bispo auxiliar do Rio de
Janeiro e depois como arcebispo de Olinda e Recife, escreveu cartas para um
grupo de amigos que ele carinhosamente chamava de família. Os textos trazem
relatos preciosos e inéditos dos bastidores do Concílio Vaticano II (1962 a
1965), realizado em Roma, Itália, no importante encontro de líderes
religiosos que mudou os rumos da Igreja Católica no século passado. Também
contam o dia a dia e as impressões do sacerdote no primeiro ano que chegou à
capital pernambucana. As cerca de 600 cartas deste período foram reunidas em
seis livros.
A publicação das Obras completas de Dom Helder Camara faz parte das
comemorações do centenário do arcebispo, celebrado este ano. Mais que
descrições do que estava vivendo, as cartas do Dom da Paz são um rico
documento para historiadores, membros da Igreja Católica, admiradores e
leitores interessados em aprender e se aprofundar no pensamento de um dos
mais importantes líderes religiosos do século 20. “A publicação dessas obras
é um acontecimento literário, cultural, nacional, mundial e religioso. Sou
daqueles que têm a convicção de que os escritos de dom Helder ainda serão
fonte de inspiração na América Latina daqui a mil anos”, ressaltou, no
prefácio de um dos livros, o padre e teólogo José Comblin.
As missivas foram agrupadas em dois volumes, cada um com três tomos. No
primeiro estão as circulares conciliares, redigidas durante a realização do
Concílio Vaticano II. A organização ficou a cargo de Luiz Carlos Luz Marques
e Roberto de Araújo Faria. O segundo volume compreende as circulares
interconciliares, escritas por dom Helder nos intervalos entre as quatro
sessões do concílio. Coube a Zildo Rocha organizá-las.
Nos textos conciliares, o leitor vai encontrar detalhes de como foram as
reuniões em Roma. Longe de ser uma leitura enfadonha, as cartas descrevem os
acontecimentos das reuniões e trazem reflexões pessoais de dom Helder, que
também comenta livros que está lendo, escreve poesias e meditações.
Questionado se haveria cartas mais significativas, o historiador Luiz Carlos
Marques responde que não. “Como as circulares falam de tudo, desde os
momentos de alta espiritualidade de dom Helder, sua piedade pessoal, sua
preocupação pelos pobres, sua atenção com amigos, seus estudos, sua visão
político-social e sua visão da Igreja, cada leitor encontrará páginas
memoráveis em relação aos mais diversos temas”, observa.
Nas cartas interconciliares, dom Helder fala mais sobre o Recife e as
cidades da Região Metropolitana e seu trabalho pastoral. “As cartas narram
os primeiros contatos do novo arcebispo com a realidade eclesiástica e
sócio-política de sua arquidiocese, trazem consigo um mundo bem mais próximo
e familiar. É a vida mesma da cidade em seus diversos estratos e aspectos
religioso, econômico, político, social, cultural”, destaca Zildo Rocha.
Os livros foram editados pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), com
os originais cedidos pelo Instituto Dom Helder Camara (IdHec). A boa notícia
é que cinco professores da Universidade Católica de Pernambuco começaram a
trabalhar nas cartas pós-conciliares (são mais 600 textos, aproximadamente),
escritas pelo Dom depois de 1965. A presidente da Cepe, Leda Alves, garante
que há interesse da companhia em publicá-las. Resta ao público torcer para
que novas palavras de dom Helder cheguem logo às livrarias.
Cartas não vinham pelos
CorreiosOs amigos do Rio
de Janeiro que recebiam as cartas enviadas por dom Helder Camara, de Roma,
na Itália, enquanto participava do Concílio Vaticano II, formavam um grupo
restrito, a maioria mulheres. O então bispo auxiliar chamava-o de Família do
São Joaquim. Ao vir para o Recife, em abril de 1964, o arcebispo manteve a
correspondência com os colaboradores cariocas. Mas o grupo passou a ter um
novo nome, Família Mecejanense, numa referência à cidade cearense de
Mecejana (dom Helder era cearense). O grupo cresceu, uma vez que foram
incluídos os amigos da capital pernambucana.
As circulares
eram escritas à mão. “As cartas eram trazidas por pessoas conhecidas do Dom.
Em Roma, ele ia muitas vezes para o aeroporto à procura de gente de
confiança para trazê-las”, conta Marina Bandeira, 84 anos, uma das
integrantes da Família do São Joaquim. Aglaia Peixoto, também do grupo, era
encarregada de ir buscá-las com o portador. Como não havia xerox na época, a
carta era datilografada e copiada com folhas intercaladas de carbono e
depois distribuída para os amigos.
Os originais
das circulares ficaram por mais de 20 anos guardados na casa de Maria Luiza
Amarante, 93, outra fiel amiga do Dom, que teve o cuidado de preservá-los
até que fossem doados ao Centro de Documentação Helder Camara. “Sabemos da
importância que essas cartas têm para a história da Igreja Católica”,
observa Maria Luiza.
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JC Online)
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