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Uma festa-feira em alta voltagem

19/04/2009

 

 

Ariano Suassuna e seu livro A Farsa da Boa Preguiça

Montagem de João das Neves integra com fluidez a cultura regional à linguagem cênica

Macksen Luiz

Na tradição medieval, intermediada por autores ibéricos do século 16, Ariano Suassuna estrutura a sua Farsa da boa preguiça, em cartaz no Sesc Ginástico, no Centro, através do fabulário nordestino, recorrendo aos elementos clássicos do gênero, introduzindo bonecos e o imaginário regional. A "sabedoria" preguiçosa e a riqueza avara são manipuladas por forças encantatórias, divindades do bem e do mal que assistem, participando, ao destino de mortais tão cheios de virtudes e defeitos na sua humanidade.

O cordelista-cantador Joaquim Simão, cobiçado pela fogosa Clarabela, mulher do passivo traído Aderaldo Catacão, que deseja Nevinha, a enamorada esposa de Simão, tem sua vida contada pelo trio Manuel Carpinteiro, aliás Jesus, Simão Pedro, o detentor das chaves do céu, e Miguel Arcanjo, o anjo anunciador. Na contramão da história, três demônios atuantes – Cancahorra, Cão Coxo e Cão Caolho – se desdobram em vilanias para tentar estimular as fraquezas individuais. Neste texto de 1960, Suassuna mantém a característica da farsa com seu sentido moralizante e contornos populares. Em versos, utilizando os recursos cômicos da tradição, o autor construiu texto com inegáveis atrativos de comunicabilidade, através das artimanhas ingênuas e a esperteza da sobrevivência de tipos que se parecem a brincantes de suas próprias vidas.

Em Farsa da boa preguiça, Suassuna expande essas origens e meios até ao esgotamento da trama, provocando relativo esgarçamento da ação, que por algumas cenas recorrentes, quebram a estabilidade do ritmo narrativo. Mas a solidez com que domina o universo farsesco, e os efeitos cômicos que o envolvem, mantêm o texto como bom exemplar da obra de Ariano Suassuna.

Os cuidados com a montagem, que usa música original de Alexandre Elias, explorando ritmos nordestinos com oportunidade sonora e perfeita integração na cena, se estendem à cenografia de Ney Madeira e aos figurinos de Rodrigo Cohen. Com painéis de tecido, reproduzindo o colorido das festas sertanejas e gravuras da literatura de cordel, o cenário empresta ambientação de feira, com um teatrinho de bonecos no fundo do palco. As roupas, muito bem executadas, além de reforçarem o aspecto festivo, traçam leve tom crítico, como no chapéu campestre de Clarabela e no anel chocalhante de Andressa.

A iluminação de Paulo César Medeiros completa o quadro de festa-feira. João das Neves coordenou o pano de fundo desta montagem atraente, cheia de colorido nordestino sem folclorismos, integrando com fluidez a cultura regional à linguagem cênica. Mesmo quando o texto cai de ritmo, o diretor mantém a voltagem do espetáculo, recorrendo à boa disponibilidade do elenco para sustentar o espírito ameno da encenação.

Francisco Salgado, Leandro Castilho e Flávio Pardal compõem em seus papéis duplos e, na função de músicos, o bom trio que conduz a história. Vilma Melo se destaca pelo uso de diferentes vozes para cada um dos tipos que interpreta, como também pelos sinuosos movimentos corporais, destacando-se pela ótima figura da cabra. Daniela Fontan empresta mais brejeirice do que sensualidade à Nevinha. Ernani Moraes traduz bem a truculência mansa de Aderaldo. Guilherme Piva, em que pese a tentativa de traduzir em gestos e corpo maneiroso a figura de Joaquim Simão, parece-se mais com um Jeca Tatu, na versão de Mazarropi, do que um sertanejo nordestino de Suassuna. Bianca Byington, divertida e bela presença, transmite com humor e pinceladas de crítica o furor da mulher do coronel e o seu interesse por variadas manifestações das artes populares.

(© JB Online)


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