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Virtuose amador

20/04/2009

 

 

Foto: Marco Borggreve/Divulgação
O violoncelista pernambucano Antonio Meneses
 
O violoncelista Antonio Meneses aventura-se no repertório barroco e grava com Rosana Lanzelotte disco dedicado a autores que reinventaram o instrumento

João Luiz Sampaio, RIO

O cravo chegou com a chuva que caiu no Rio no fim da tarde de segunda-feira. Precisou ser levado às pressas para o corredor que dá acesso ao estúdio... A porta é pequena demais. De pé, de lado, deitado, na transversal. Nada. "É por isso que eu toco violoncelo", brinca Antonio Meneses, enquanto Rosana Lanzelotte estuda, preocupada, a melhor maneira de resolver o problema. Talvez, saindo do corredor e voltando em outra posição... Pronto, o cravo entrou. Será colocado onde? Um dos apoios parece firme; o outro, meio bambo. Rosana hesita. "Quanto pesa?", pergunta Meneses. Algo em torno de cem quilos. Ele pensa um pouco. "E se a gente tentasse?" A resposta: "O problema de tentar é que, se não der certo, o cravo já era", diz Rosana. Um outro apoio é providenciado. Agora, sim. O afinador entra em cena. Os músicos vão lanchar.

Enquanto eles lancham, a gente volta um dia no tempo. Nossa história poderia começar na tarde de domingo, na Igreja Nossa Senhora do Bonsucesso, onde Meneses e Rosana, acompanhados do violoncelista Alberto Kanji, interpretaram debaixo de um calor desumano uma seleção de sonatas de Bocherini, Haydn, Graziani e Bréval, o mesmo repertório que eles gravaram no início desta semana para o selo Biscoito Fino. Parte da série Música nas Igrejas, criada há 16 anos por Rosana no Rio, o recital promoveu a reunião do violoncelista com a cravista, duas figuras de proa da música brasileira.

E nossa história poderia então começar 16 anos atrás, quando eles trabalharam juntos pela primeira vez. "Gravamos no início dos anos 90 um disco com as sonatas de Graziani", conta Meneses. "Nos últimos anos, com a dedicação ao Trio Beaux Arts, não tinha tempo para me dedicar ao repertório barroco. Agora, ficou mais fácil. E é bom ter a Rosana ao meu lado, essa é a sua praia, aprendo muito com ela", completa. "Gosto muito da maneira como ele se aproxima dessa música, de um jeito todo dele, inspirado, caloroso", diz Rosana.

E que repertório é esse? Nossa história poderia então começar na segunda metade do século 18, quando Bocherini, Graziani e Bréval, todos violoncelistas, começaram a tratar o instrumento como solista, tirando ele do mero acompanhamento a que se reduzia anteriormente. Haydn já vem um pouco depois, mas entrou no programa com uma sonata raríssima, escrita originalmente para violino e viola, que está sendo gravada pela primeira vez. Em comum, as peças exigem grande apuro técnico. Antes do concerto, no domingo, Rosana explicou que essas são obras pouco executadas simplesmente porque são muito difíceis. Daí o nome do concerto: Violoncelo Virtuose. "Nunca estudei especificamente as técnicas barrocas de execução. E perto deste time (que tem, além de Rosana e Alberto, o flautista e especialista em música barroca Ricardo Kanji, como produtor), eu me sinto como um amador, sempre aprendendo um pouco mais", diz Meneses. E como Rosana sente que ele mudou ao longo dos últimos 16 anos de parceria? O próprio Meneses responde: "Fiquei mais bonito, charmoso, simpático." Ricardo Kanji entra na roda: "A única coisa que o afastava da perfeição era o orgulho. Mas, agora que ele ficou modesto, não há mais o que mudar." O riso é geral. E Kanji completa. "Você às vezes pega um violoncelista moderno e ele transforma os barrocos em românticos. O Antonio não, tem uma intuição especial para essa música, empresta a ela sua paixão, sua intensidade, e faz isso sem ir contra o estilo."

De volta à tarde de segunda-feira, o afinador segue trabalhando no cravo, enquanto a equipe técnica começa a posicionar os microfones no estúdio. Meneses, então, fala um pouco mais da maneira como encara a música barroca. "O que acontece entre nós é que o diálogo musical é sempre estimulante. As pessoas esquecem que de certa forma o barroco é como o jazz, você tem uma linha melódica estabelecida, mas ela não exclui a improvisação. Nesse sentido, trabalhar com a Rosana é sensacional, ela tem sempre ideias musicais interessantes. E vamos trocando nossas experiências." Eles preferem tocar ao vivo antes de gravar, como ocorreu desta vez, ou o contrário seria o ideal? "O importante é tocarmos o maior número de vezes possível antes de gravar", diz Meneses. E por falar em gravar, o cravo já está afinado. Os músicos voltam ao estúdio. Showtime.


Frases

"As pessoas esquecem que de certa forma o barroco é como o jazz, você tem uma linha melódica estabelecida, mas ela não exclui a improvisação."


ANTONIO MENESES


"O Antonio tem uma intuição especial para essa música, empresta a ela sua paixão, sua intensidade, e faz isso sem ir contra o estilo."

RICARDO KANJI
PRODUTOR
 

(© Estadão)


SITE

Antonio Meneses

ÁUDIO

Antonio Meneses - Prelúdio - 1ª Suíte para Violoncelo Solo, J.S. Bach

VÍDEO

Richard Strauss-Don Quixote - Antonio Meneses - Karajan (1986)

 

 

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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