O contexto poético musical da Zona da Mata pernambucana e do baixo São
Francisco alagoano é o território cultural dominado pela cantora,
compositora e rabequeira Renata Rosa.
Em Manto dos sonhos, Renata também faz
referência a outros ritmos, como o coco, cavalo-marinho e música
ibérica. Foto: Stephane Rodier /Divulgação
Mas a primeira de todas as brincadeiras que ela realizou
foi na aldeia Kariri-xoco, localizada no município de Porto Real do
Colégio, em Alagoas, aonde Renata ia passar férias desde os dezesseis
anos. Uma sociedade, segundo conta, onde o canto está diretamente
relacionado ao cotidiano e aos ritos. Renata e as índias criaram até um
grupo para cantar os rojões (considerados cantos de trabalho), torés e
as músicas próprias, que iam surgindo daquele experimento sobre o
cancioneiro oral e tradicional da tribo. Até hoje o grupo se reúne. Foi
para lá que Renata voltou quando estava na fase de pré-produção do seu
segundo disco, Manto dos sonhos.
"Meu trabalho é caracterizado pelo cruzamento de elementos do coco, do
cavalo-marinho, da ciranda, dos xangôs, de ritmos indígenas, damúsica
moura, cigana e ibérica, não necessariamente modernizados ou tornados
mais eruditos, mas desenvolvidos e desdobrados a partir de suas
estruturas essenciais", explica Renata Rosa. O patrocínio da Petrobras
para o disco incluiu algumas idas à aldeia alagoana. A interação com
índias cantoras foi tão produtiva nos ensaios que ficou decidido que
elas cantariam em todas as músicas que tivessem coro, e não somente
naquelas inicialmente programadas: os dois torés do disco, sem
acompanhamento instrumental.
Ao mesmo tempo em que Manto dos sonhos era finalizado, o produtor de
Renata Rosa no exterior, Marc Regnier (o mesmo que cuida da carreira
estrangeira de Silvério Pessoa), começava a preparar a turnê da artista
na França. A articulação começou no final de 2004 e vai ser realizada
entre novembro e dezembro deste ano, incluindo uma apresentação no
Theatre de la Ville de Paris, um dos mais importantes da Europa, que
recebe artistas do mundo inteiro. A expectativa é de que Manto dos
sonhos alcance uma repercussãoigual ou maior ao primeiro disco de
Renata, Zunido da mata (2003), que ganhou prêmios na França e teve show
gravado para um especial da BBC inglesa.
Desde 2003, Renata estreitou seus laços com a cultura occitana (assim
como Silvério, que primeiro divulgou a conexão entre a música occitana e
nordestina). No caso de Renata, o intercâmbio se dará através do grupo
Le Cor de la Plana, de Marselha, que trabalha com polifonia e percussão.
Aproveitando a programação do Ano da França no Brasil, Renata Rosa irá
desenvolver uma residência de criação em maio, com o Le Cor, em
Marselha. Em seguida, eles vêm fazer o mesmo, em São Paulo. Depois,
serão sete apresentações da banda de Renata com o Le Cor por cidades do
interior paulista. Ainda não há previsão de shows no Nordeste.
A "gaita dos sonhos", como Renata passou a ser chamada pelos
kariris-xocós, também transformou em cantores todos os músicos que estão
com ela nessa jornada: Lucas dos Prazeres, Ana Araújo, Hugo Lins e Pepê.
"A gente tem uma prática de cantar junto.Eles começaram a conviver com
os índios também", encerra Renata.