Heitor Dhalia celebra seleção para Un Certain Regard e diz que filme
estrelado por Cassel fecha ciclo
O pernambucano (radicado em São Paulo) Heitor Dhalia considera que a
exibição de À deriva, seu terceiro longa-metragem, na mostra Un Certain
Regard do Festival de Cannes, fecha um ciclo e dá início a um outro,
totalmente novo. O filme, nascido de uma parceria entre a brasileira O2, de
Fernando Meirelles (Cidade de Deus), e a Focus Features inglesa, é a
primeira co-produção internacional assinada pelo diretor de O cheiro do ralo
(2006).
– Há dois anos estive em Cannes vendendo o projeto do filme a
investidores estrangeiros. Agora, vou aproveitar a estreia mundial dele no
festival para anunciar novas parcerias internacionais – avisa o cineasta de
39 anos, que estreou na direção de longas com o sombrio Nina (2004). – À
deriva coroa um momento de crescimento que busco há tempos. Estou pegando
uma onda que vai apontar um novo começo na minha carreira lá em Cannes.
Filme mais solar
À deriva foi rodado nos arredores de Búzios, na Região dos Lagos. Conta a
história de Filipa (Laura Neiva), adolescente que passa as férias de verão
com a família em uma casa de praia. Escrito pelo próprio Dhalia, a trama
descreve um rito de passagem de uma jovem à sombra da iminente separação dos
pais, o escritor Mathias (vivido pelo ator francês Vincent Cassel, de
Senhores do crime), e a professora Clarice (Deborah Bloch). É o filme mais
solar do diretor, que costumava perseguir personagens e ambientes
melancólicos.
– Por incrível que possa parecer, considero esse meu filme mais pessoal.
O enredo tem mais a ver comigo, está carregado de traços autobiográficos
muito fortes, a infância à beira-mar, a deterioração do casamento dos meus
pais. À deriva diverge dos meus outros trabalhos, não tem nada de sombrio,
mas é o meu filme mais maduro.
Isso não significa, no entanto, uma mudança de rota radical na
filmografia do diretor
– Se você pegar o protagonista, perceberá que ele é uma figura deslocada,
em desacordo com o entorno, o que é uma característica comum a todos os meus
filmes. Todos eles são centrados em figuras solitárias, em desarmonia com um
mundo à volta – explica. – À deriva é apenas mais maduro, mais delicado, com
uma mão bem mais leve.
Vincent Cassel foi o primeiro a ligar para Dhalia, no início da manhã de
ontem, para dividir com o diretor a satisfação de ver À deriva na
programação oficial do festival. A lista de Cannes ainda pode ser acrescida
de mais títulos nos próximos dias. Ano passado, quando voltou ao Brasil como
padrinho do Panorama do Cinema Francês, o ator demonstrou grande entusiasmo
com sua estreia no cinema brasileiro. Matias é personagem atípico na
carreira de Cassel, mais lembrado pelos tipos sagazes, dinâmicos e
truculentos que interpretou ao longo dos anos, como no violento
Irresistível.
– Ele é um homem fraco, como muitos outros que existem por aí. A história
é contada do ponto de vista da filha do casal, que oferece uma visão
nostálgica e romântica da situação – contou Cassel.
Dhalia não é um diretor estranho no circuito dos festivais. Nina, seu
primeiro longa, ganhou menção especial da crítica russa no Festival de
Moscou e o prêmio de Fotografia no Festival de Cinema Latino-Americano de
Lima (Peru). O cheiro do ralo, produção independente que custou cerca de R$
300 mil inspirada no livro homônimo de Lourenço Mutarelli, participou da
seleção oficial do Festival de Sundance, ganhou o prêmio Especial do Júri, o
da Crítica e o troféu Redentor de Melhor Ator (Selton Mello) no Festival do
Rio e o troféu Bandeira Paulista do júri internacional na 30ª Mostra
Internacional de São Paulo.
– O cheiro do ralo também me abriu as portas nos Estados Unidos, onde
agora tenho representação. À deriva seguiu esse caminho da
internacionalização. Estou estudando muito dramaturgia, desenvolvendo
roteiros mais fortes, e isso me proporcionou associações muito boas lá fora
– acredita o diretor. (Carlos Helí de Almeida)
Produção acompanha o cineasta em "Edifício Master", que
ele cogitou cancelar
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
O DVD
duplo de "Edifício Master" (2002), que traz comentários de Eduardo Coutinho
e entrevistas de pré-seleção, já permitia que se vislumbrasse o processo de
trabalho do cineasta, ainda mais exposto em "Coutinho.Doc - Apartamento
608", de Beth Formaggini, que estreia hoje, às 21h, no programa "É Tudo
Verdade", do Canal Brasil.
O apartamento do título era o quartel-general da produção
no Master, em Copacabana, com seus 12 andares de quitinetes e conjugados.
Coutinho diz que buscava a "alma" do edifício.
Trocava, assim, favelados -personagens de seus filmes
anteriores, "Santo Forte" e "Babilônia 2000", ambos de 1999- pela classe
média baixa. Trocava e, no início do trabalho, não gostava. Na favela, "você
chega e é aquela coisa maravilhosa" - os moradores falam sem subterfúgios.
Em Copacabana, porém, ele cogitou, com base nas entrevistas preparatórias, a
inviabilidade de fazer o documentário que queria.
"Um troço brochante, sabe? Difícil. Não [se] pode fazer um
filme medíocre sobre mediocridade", explica para a equipe. "Queria que
houvesse mais invenção, mais mentira." Seu desalento é tamanho que alguém da
produção procura tranquilizá-lo: "Se você acha que não tem filme, para
tudo".
Houve filme, e "Apartamento 608" ajuda a entender como,
graças à presença de Formaggini em reuniões da equipe e, já iniciadas as
filmagens, nas entrevistas com moradores que, agora, arrancavam de Coutinho
expressões de satisfação.
"Não sei se vai ter o filme que eu quero. Vai ter o filme
que deu para fazer", reavalia o cineasta à medida que "invenção" e "mentira"
também começavam a aparecer. "Eu não gosto das pessoas em geral, não me
interesso. Quero uma hora com elas, não a vida inteira."
Atores
Conseguiu entre 25 e 30 dessas horas em torno do que é
"crucial" na vida dos moradores, e delas extraiu os 110 minutos de "Master".
A certa altura, alguém da equipe propõe a ele que, da próxima vez, faça algo
bem diferente. "Já pensou, você com atores?", diz. "Eu adoraria", responde
Coutinho - que atenderia à sugestão em "Jogo de Cena" (2007) e "Moscou"
(2009).
COUTINHO.DOC - APARTAMENTO 608
Quando: hoje, às 21h, e amanhã, às 14h Onde: Canal Brasil Classificação indicativa: não informada Avaliação: bom