Um balaio de amor para celebrar 30 anos de carreira
05/05/2009
Foto: Renato Filho | Divulgação
Elba comemora 30 anos de carreira
Roberta Pennafort
Em 30 anos de carreira, Elba Ramalho revelou ao Brasil compositores que
estavam restritos ao Nordeste: Lenine, Lula Queiroga, Chico César, Nando
Cordel... Chamou a seu palco gente que mais tarde se tornaria conhecida,
como Margareth Menezes, Mariana Aydar, os meninos do Forróçacana. Agora,
para celebrar a data redonda (conta-se a partir do CD de estreia, Ave de
Prata, de 1979), a cantora se volta a autores nordestinos de forrós, xotes e
baiões dos quais "o Sul" nunca tinha ouvido falar.
"Esse é o meu papel como intérprete. É muito fácil gravar um discos com hits
de Chico, Caetano, Gil", disse Elba, em entrevista na terça-feira passada,
em sua casa, no Rio. "Meu trabalho entra em lugares onde o deles (os
compositores presentes no disco) não entra. É como a Bethânia gravando
Roberto Mendes e Jorge Portugal (ambos de sua cidade, Santo Amaro da
Purificação, na Bahia)."
Quem trouxe a maior parte das 14 faixas de Balaio de Amor, o CD comemorativo
que está sendo lançado pela gravadora Biscoito Fino, foi o produtor do
disco, Cezzinha, acordeonista pernambucano de 24 anos a quem Elba, que já
foi acompanhada por Sivuca, Dominguinhos, Oswaldinho e Toninho Ferragutti,
considera um mestre no instrumento.
Cezzinha, que trabalha com Elba há um ano e é seu namorado (ela o chama de
"parceiro de todas as horas" no texto de apresentação do CD), lhe mostrou
canções como Fuxico, de Flavio Leandro, Um Baião Chamado Saudade, de
Petrúcio Amorim e Rogério Rangel, Bebedouro, de Maciel Melo e Anchieta Dali,
Seu Aconchego, de Terezinha do Acordeon e Júnior Vieira, e Quem É Você, de
Jorge de Altinho, todos também de Pernambuco. "Eu vivo essa cultura lá o
tempo todo. Estou sempre atualizado", diz o músico.
Dos paraibanos Antonio Barros e Cecéu, foi pinçada Não Lhe Solto Mais. O
cearense Xico Bizerra emplacou duas, Se Tu Quiser e Oferendar (com Flávio
Leandro), de cujos versos foi tirado o título do disco - "E cá dentro do
peito/ Um pobre coração batendo/ Contendo um balaio/ Cheio de amor pra te
dar".
Alguns compositores já eram conhecidos de Elba, como Accioly Neto, o qual
ela havia incluído no último CD, Qual o Assunto Que Mais Lhe Interessa?
Nando Cordel, o autor dos grandes sucessos De Volta Pro Aconchego e Gostoso
Demais, entrou com É Só Você Querer (parte da trilha da novela da TV Globo
Caras & Bocas), em que Cezzinha contribui não só com o acordeom, mas também
com o vozeirão (que lembra o de Dominguinhos); o próprio, por sua vez, amigo
já homenageado por Elba em disco, é autor, com Climério Ferreira, de Riso
Cristalino, e também faz participação tocando e cantando. Ele também assina
Ilusão Nada Mais (parceria com Fausto Nilo).
Apaixonada, ela quis fazer um disco em que "o esteio fosse o amor". Quis
também comemorar os 30 anos privilegiando as "coisas" do Nordeste, até
porque nunca se afastou delas. "Foi o Nordeste que me fez ser a Elba Ramalho
no Sul", justifica.
A paraibana que estourou n?A Ópera do Malandro de Chico Buarque e conquistou
seu espaço graças à voz única e vigorosa e à presença incendiária no palco
hoje se sente em seu melhor momento como cantora - curiosamente, só agora
faz aula de canto, aproveitando as do filho mais velho, Luã, de 21 anos
(que, no CD, toca guitarra). "Fui descobrindo várias nuances na minha voz
que eu não conhecia. Era muito imatura. Hoje minha voz é mais redonda. Os
meus médios e graves estão no topo."
Além dos shows de lançamento de Balaio de Amor, os planos são muitos: quer
fazer um disco com canções de Chico Buarque ou de Zé Ramalho e um DVD com
temática junina. Elba sente uma satisfação danada de relembrar o caminho
percorrido do interior da Paraíba até aqui. "Pode-se dizer que meu pai
talvez tenha um pouquinho de orgulho de mim..."
Elba Ramalho celebra 30 anos de carreira com o novo álbum, Balaio de
Amor
Elba Ramalho anda cada vez mais tranquila na forma de
encarar a sua arte. Prova disso é que a cantora comemora os seus merecidos
30 anos de carreira fonográfica sem qualquer tipo de alarde. A artista, que
desde o lançamento do disco Ave de Prata, em 1979, se tornou uma das grandes
referências da música nordestina, sem perder a comunicação com o universal,
celebra fazendo o que gosta.
No ano especial, ela coloca nas lojas o
álbum Balaio de Amor, com canções românticas que fazem reverência ao
xote e ao baião. “Pensei em várias coisas, mas nem almejava fazer algo
diferenciado. Queria, contudo, que ficasse com essa cara, com essa veia,
essa vibe, com destaque para a nação nordestina. Muita coisa acontece no
Nordeste e não ganha destaque no País”, diz Elba, em entrevista por
telefone.
Diversas canções foram apresentadas à cantora pelo produtor e músico
Cezinha, que divide os créditos do álbum com a artista. “Aos poucos fui
conhecendo estas composições. Muitas destas músicas já foram gravadas, mas o
Cezar disse que com a minha voz chegariam de uma outra forma”. Todo o
trabalho foi concebido em Recife, incluindo o projeto gráfico diferenciado.
Balaio de Amor é o primeiro álbum da cantora que sai pela
gravadora Biscoito Fino. Elba tentou lançar o disco anterior, Qual o
Assunto que Mais Lhe Interessa, pelo selo, mas a parceria só saiu desta vez.
“Tinha conversado com a EMI, com a Universal, mas mandei o trabalho para a
Biscoito e acabou saindo por ela. Foi uma opção minha. Achei que tinha a
cara da gravadora. E eles viram, através das minhas mãos, uma oportunidade
de se tornar mais popular, já que canto para grandes plateias”, diz.
Carreira – Com os 30 anos de estrada, Elba diz que, ao
pensar no início, percebe o quanto amadureceu e ganhou tranquilidade. “O
começo era o tempo da ansiedade, da dinamite. Quando deixava o palco não
conseguia nem dormir. Mas com o tempo veio a fase do autoconhecimento, o
fato de me tornar vegetariana... Tudo isso foi somando. Meu primeiro disco é
marcante, mas, se você for reparar, é outra voz. Descobri formas de
trabalhar os meus graves. Me reconheço como uma cantora madura e vivo o
tempo da delicadeza”, explica.
Para a paraibana, toda a conquista profissional foi com base em muito
trabalho e perseverança. “Digo que procurei tinta de ouro para escrever esse
livro. Durante todos estes anos mantive a minha integridade acima de tudo.
Muito foi explorado da minha vida pessoal”. E completa: “Hoje eu tenho
sabedoria, sem a ansiedade de ser a melhor, de estar na mídia ou de que
todos gostem de mim. Só espero que sejam honestos e que me respeitem”.
Elba também comenta sobre as dificuldades que enfrentou pelo fato de ser
nordestina. “Venci a mim mesma, as adversidades, dificuldades. Mas todos
passaram por isso, o João Gilberto, o Caetano... Vencemos porque conseguimos
ser verdadeiros. Enfrentei muito preconceito, levei muita pedra. Mas tudo se
transformou em castelo. Aprendi bastante e a minha nordestinidade
prevaleceu”.
A turnê de Balaio de Amor começa oficialmente no dia 30 de maio com o início
dos festejos juninos em Caruaru. Elba lembra que, neste ano, as bandas de
“forró estilizado” estão proibidas de participar da festa.
“Tem uma geração que eu recebo com carinho, que é o forró universitário. No
Falamansa, por exemplo, o Tato não é nem um grande cantor, mas é bom
compositor. Trouxe um público
jovem e valoriza a tradição. Agora tem esse outro segmento que eu não
sei o que é, porque não é forró. Eu nem falo em quantidade, porque eles têm
público, mas falo de qualidade. Eu não coloco na vitrola para a minha filha
ouvir. Não posso falar para ela: olha, essa é a música da gente, como a que
foi feita pelo seu Luiz (Gonzaga). As letras são terríveis e desqualificam o
trabalho. Mas não quero que estas bandas deixem de existir. Só quero que
existam no seu lugar”, considera. A cantora recorda uma noite junina que
dividiu no ano passado com alguns grupos. “Eu me deprimi e perguntei: o que
está acontecendo com o meu povo?”.