Notícias
Um autor por vício e vaidade

02/06/2009

 

 

O escritor Fernando Monteiro
 
Às vésperas de fazer 60 anos, autor Fernando Monteiro celebra também a publicação de dois novos títulos no segundo semestre

Schneider Carpeggiani
carpeggiani@gmail.com

Os 60 anos de Fernando Monteiro, ou uma efeméride que ele próprio define como a “literatura do novo, cinema, lembranças, esquecimentos, futuro, passado, o-que-ficou-para-trás”. Definições à parte, o que importa para um dos nomes que melhor soube renovar/cutucar a literatura brasileira não é a data redonda da próxima quarta-feira, mas a publicação de dois novos títulos no segundo semestre – O demorado retorno à poesia com Vi uma foto de Anna Akhmátova e o novo livro de contos Oxford Hotel, obra inaugural da curitibana Editora Letras & Livros (Leia-se jornal Rascunho, no qual o escritor colabora).

Efemérides e novos livros atiçam um insuspeito desejo de se voltar ao passado. E um passado polêmico, de combate, de nem sempre ser compreendido. Passado típico de quem confessa ser ligado à literatura por vício e vaidade. “Eu não me acho ‘polêmico’, exceto por viver num meio de muita gente de boquitas cerradas. Apenas por efeito de comparação, portanto, pode se dar o caso de que eu pareça ter um ‘perfil de combate’, quando, eventualmente, estou apenas expressando opinião sincera, claramente expressada. Por exemplo: nesta entrevista. Meu impulso – que eu sigo – é dizer exatamente o que eu penso, enquanto eu vejo um monte de escritores dando aquelas respostas datilográficas”, afirma Fernando.

Entre seus combates mais famosos, críticas diretas a Ariano Suassuna e um ruidoso embate quando da inauguração da Livraria Cultura no Recife: “Quando me perguntam sobre Ariano candidamente informo a minha discordância sobre José de Alencar ‘ser mais importante do que Joyce’, ou sobre Antonio Carlos Jobim ser ‘um compositor menor’, ambas, opiniões de Suassuna. Assim como denunciei que a Livraria Cultura, quando da inauguração da sua ‘loja pernambucana’ (é assim que as livrarias de rede gostam de ser designadas), só trouxeram Manuel Bandeira, Gilberto Freyre e outros clássicos para as estantes – ignorando os escritores pernambucanos vivos, atuantes e editados nacionalmente. Era a simples verdade, naquela altura. E eu citei os nomes dos meus colegas ignorados pela loja recifense da rede de Pedro Hertz. Fui o único que se manifestou. Eu não sou ‘polêmico’, sou inábil, isso sim, porque digo o que eu penso e, depois, não me arrependo”.

Fernando Monteiro pode até não se achar polêmico, mas sua literatura é, no mínimo, incômoda. Em 1998, fez uma estreia tardia na ficção (mas seria mesmo ficção?) com Aspades, Ets, Etc., livro questionador do aqui e agora, do que é real e que dava a deixa do perfil que o autor seguiria nos anos seguintes – um crítico agudo da indústria cultural, do que ficou acertado como certo para ser lido/ouvido/visto, enfim, consumido. Mas o que inquietaria o escritor às vésperas dos seus (tomando emprestada sua expressão) “60tinha”? “O que me inquieta now? Simples: o que fazer com a literatura depois do fim da literatura – que já começou”, setencia.

“Não estou querendo ser apocalíptico, nem ‘integrado’, mas a narrativa sofreu uma transformação tão grande – nas mãos do Negócio – que, hoje, a literatura tem a ver com o que ela já foi. Num mundo anestesiado de realidade, fascinado pelo imediato, circunscrito ao factual e mergulhado no suicídio de qualquer arte, parece que só resta o confino de rebaixar a imaginação... Então, estou lutando contra isso, e buscando aqueles conteúdos delicados que só a literatura pode expressar. Quem sabe para tentar recordar aos leitores porque se liam certas coisas de determinadas maneiras, isto é, sem ‘aprender’ nada, porém dilatando a consciência de uma maneira que impedia a vida de ser idiota. Vou perder nesse jogo, é claro. Ninguém conseguirá deter, sequer um milímetro, a marcha para a insignificância de tudo”, destacou.

O autor adiantou com exclusividade para o JC alguns trechos dos seus novos trabalhos. Oxford Hotel traz 13 contos (“meu número da sorte”, diz) sobre nadas que se espalham por sete cidades, “como se tudo fosse um filme-rio seguindo o curso de acaso do Capibaribe no seu encontro com o Letes, enquanto aguardo a minha morte. Todos aguardamos”. Já Anna Akhmátova traz um retorno à poesia, retorno esse relativo, porque Fernando Monteiro prefere dizer que nunca a abandonou: “Alguns dos meus romances – reparem – contêm poemas que eu atribuí a personagens como Alberto Childe (de A múmia do rosto dourado do Rio de Janeiro) ou ao inglês do cemitério dos ingleses do romance publicado em capítulos mensais pelo jornal curitibano Rascunho, há dois anos”.

Em ambos os formatos, ele curiosamente assume a atitude de um voyeur. “Gosto da palavra voyeur. E ela realmente se aplica ao que estou fazendo, atualmente, tentando trabalhar ‘nas dobras’, como quem força lâminas de persiana flexíveis na sombra. Outra imagem seria: olhando pela lente embaçada de um periscópio na bruma. O que eu estou vendo? Um guarda-sol vermelho na grama ou uma grande bunda ensanguentada? Perguntas de blow-up, de explosão granulada das coisas, seja no aqui-e-agora ou voltando os olhos para um passado imediato, como a praia que treme na irrealização dos noivos de uma recente novela de Ian McEwan. Falta um pouquinho de humor nele, mas acho, com McEwan, que a literatura precisa ser levada para além da praia final da indiferença, debaixo daquele sol sem novidades”, dispara.

(© JC Online)


Quantos homens existem em Fernando Monteiro?

Raimundo Carrero
Especial para o JC

Um, dois, três, quantos Fernando? Aliás, pensando bem, quem é Fernando? Fernando Monteiro, este que atinge e marca não muito comum dos sessenta anos, a idade do homem, segundo a Bíblia, a idade do lobo, segundo a sociedade. Destaco, porém, que só existe um caráter – o caráter de Fernando Monteiro que, no entanto, é surpreendente. Para usar uma linguagem antiga: fino no trato, elegante, afetuoso, gentil, irado, quando escreve, mesmo com ironia, e contundente quando quer atingir o que não gosta. Às vezes desvairado, começa a se irritar com alguma coisa, puxa o gatilho da caneta e atira. Uma espécie de serial killer literário.

Por isso, imagino, deve ser perdoado pela maneira como se comporta. Deve ser tratado por aquilo que chamamos de condição humana, portador de todos os pecados e de todas as graças. Acostumei-me desde cedo a vê-lo nas ruas do Recife, ou na sala de nossa casa, tratando de assuntos sérios, meticuloso, analista, possuído de uma fleuma britânica. Dizendo cada palavra com a sensação de quem mastiga a palavra, come e se delicia, com uma espécie de gosto e de ironia, que aprofunda ou não, de acordo com o interlocutor. Aí outro Fernando. Cheio de convicções, mas irônico, com um riso que pode ser fechado ou aberto, de acordo com as conveniências.

É preciso observá-lo: onde estaria o cineasta, ou o poeta, ou o romancista? Quem está falando? E do que está falando? Capaz de encerrar um assunto com um silêncio profundo e desaparecer durante dias, semanas, meses, anos. Some e pronto. Mas, de repente, o carteiro no traz um livro raro da Grécia, com uma dedicatória de Fernando. Que é isso, meu Deus? Onde ele me disse palavras fortes, desaparece e agora me presenteia lá da Grécia, de Roma, de Espanha ou de Portugal.

Um, dois, três? Enfim, quem é? Não levanta a voz quando fala e no entanto grita quando escreve artigos, ou quando publica um livro. Basta vê-lo no cinema, com os seus filmes super-8, ou na calçada da livraria, tratando de temas os mais diversos, já ali recitando um poema, com uma capa emotiva rasgada pela filha ainda criança, ou atirando com sua metralhadora giratória. Quem, enfim? Quem?

(© JC Online)


 

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


powered by FreeFind