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O
escritor Fernando Monteiro
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Às vésperas de
fazer 60 anos, autor Fernando Monteiro celebra também a publicação de dois
novos títulos no segundo semestre
Schneider Carpeggiani
carpeggiani@gmail.com
Os 60 anos de
Fernando Monteiro, ou uma efeméride que ele próprio define como a
“literatura do novo, cinema, lembranças, esquecimentos, futuro, passado,
o-que-ficou-para-trás”. Definições à parte, o que importa para um dos nomes
que melhor soube renovar/cutucar a literatura brasileira não é a data
redonda da próxima quarta-feira, mas a publicação de dois novos títulos no
segundo semestre – O demorado retorno à poesia com Vi uma foto de Anna
Akhmátova e o novo livro de contos Oxford Hotel, obra inaugural da
curitibana Editora Letras & Livros (Leia-se jornal Rascunho, no qual o
escritor colabora).
Efemérides e
novos livros atiçam um insuspeito desejo de se voltar ao passado. E um
passado polêmico, de combate, de nem sempre ser compreendido. Passado típico
de quem confessa ser ligado à literatura por vício e vaidade. “Eu não me
acho ‘polêmico’, exceto por viver num meio de muita gente de boquitas
cerradas. Apenas por efeito de comparação, portanto, pode se dar o caso de
que eu pareça ter um ‘perfil de combate’, quando, eventualmente, estou
apenas expressando opinião sincera, claramente expressada. Por exemplo:
nesta entrevista. Meu impulso – que eu sigo – é dizer exatamente o que eu
penso, enquanto eu vejo um monte de escritores dando aquelas respostas
datilográficas”, afirma Fernando.
Entre seus
combates mais famosos, críticas diretas a Ariano Suassuna e um ruidoso
embate quando da inauguração da Livraria Cultura no Recife: “Quando me
perguntam sobre Ariano candidamente informo a minha discordância sobre José
de Alencar ‘ser mais importante do que Joyce’, ou sobre Antonio Carlos Jobim
ser ‘um compositor menor’, ambas, opiniões de Suassuna. Assim como denunciei
que a Livraria Cultura, quando da inauguração da sua ‘loja pernambucana’ (é
assim que as livrarias de rede gostam de ser designadas), só trouxeram
Manuel Bandeira, Gilberto Freyre e outros clássicos para as estantes –
ignorando os escritores pernambucanos vivos, atuantes e editados
nacionalmente. Era a simples verdade, naquela altura. E eu citei os nomes
dos meus colegas ignorados pela loja recifense da rede de Pedro Hertz. Fui o
único que se manifestou. Eu não sou ‘polêmico’, sou inábil, isso sim, porque
digo o que eu penso e, depois, não me arrependo”.
Fernando
Monteiro pode até não se achar polêmico, mas sua literatura é, no mínimo,
incômoda. Em 1998, fez uma estreia tardia na ficção (mas seria mesmo
ficção?) com Aspades, Ets, Etc., livro questionador do aqui e agora, do que
é real e que dava a deixa do perfil que o autor seguiria nos anos seguintes
– um crítico agudo da indústria cultural, do que ficou acertado como certo
para ser lido/ouvido/visto, enfim, consumido. Mas o que inquietaria o
escritor às vésperas dos seus (tomando emprestada sua expressão) “60tinha”?
“O que me inquieta now? Simples: o que fazer com a literatura depois do fim
da literatura – que já começou”, setencia.
“Não estou
querendo ser apocalíptico, nem ‘integrado’, mas a narrativa sofreu uma
transformação tão grande – nas mãos do Negócio – que, hoje, a literatura tem
a ver com o que ela já foi. Num mundo anestesiado de realidade, fascinado
pelo imediato, circunscrito ao factual e mergulhado no suicídio de qualquer
arte, parece que só resta o confino de rebaixar a imaginação... Então, estou
lutando contra isso, e buscando aqueles conteúdos delicados que só a
literatura pode expressar. Quem sabe para tentar recordar aos leitores
porque se liam certas coisas de determinadas maneiras, isto é, sem
‘aprender’ nada, porém dilatando a consciência de uma maneira que impedia a
vida de ser idiota. Vou perder nesse jogo, é claro. Ninguém conseguirá
deter, sequer um milímetro, a marcha para a insignificância de tudo”,
destacou.
O autor
adiantou com exclusividade para o JC alguns trechos dos seus novos
trabalhos. Oxford Hotel traz 13 contos (“meu número da sorte”, diz) sobre
nadas que se espalham por sete cidades, “como se tudo fosse um filme-rio
seguindo o curso de acaso do Capibaribe no seu encontro com o Letes,
enquanto aguardo a minha morte. Todos aguardamos”. Já Anna Akhmátova traz um
retorno à poesia, retorno esse relativo, porque Fernando Monteiro prefere
dizer que nunca a abandonou: “Alguns dos meus romances – reparem – contêm
poemas que eu atribuí a personagens como Alberto Childe (de A múmia do rosto
dourado do Rio de Janeiro) ou ao inglês do cemitério dos ingleses do romance
publicado em capítulos mensais pelo jornal curitibano Rascunho, há dois
anos”.
Em ambos os
formatos, ele curiosamente assume a atitude de um voyeur. “Gosto da palavra
voyeur. E ela realmente se aplica ao que estou fazendo, atualmente, tentando
trabalhar ‘nas dobras’, como quem força lâminas de persiana flexíveis na
sombra. Outra imagem seria: olhando pela lente embaçada de um periscópio na
bruma. O que eu estou vendo? Um guarda-sol vermelho na grama ou uma grande
bunda ensanguentada? Perguntas de blow-up, de explosão granulada das coisas,
seja no aqui-e-agora ou voltando os olhos para um passado imediato, como a
praia que treme na irrealização dos noivos de uma recente novela de Ian
McEwan. Falta um pouquinho de humor nele, mas acho, com McEwan, que a
literatura precisa ser levada para além da praia final da indiferença,
debaixo daquele sol sem novidades”, dispara.