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Senado homenageia Patativa do Assaré e Fagner pede à ABL que lembre do poeta

06/06/2009

 

 

Sessão especial do Senado homenageia centenário de Patativa do Assaré
 

"Só quem não sabe quem é Patativa do Assaré é a Academia Brasileira de Letras (ABL)". Depois de cantar "Festa da natureza" e "Vaca Estrela e Boi Fubá" da tribuna do Plenário, o cantor e compositor Raimundo Fagner homenageou Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, cobrando da ABL que lembre do poeta popular cearense, cujo centenário de nascimento foi celebrado nesta quarta-feira (3) pelo Senado Federal. Antes de Fagner, a também cearense Myrlla Muniz cantou "Casinha de palha". Os dois foram acompanhados por Marcos Faria, na sanfona, e Ocelo Mendonça, no violoncelo e na flauta.

Diversas autoridades cearenses compareceram ao Senado para reverenciar Patativa do Assaré, como o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Cesar Asfor Rocha; o presidente do Tribunal de Contas da União, Ubiratan Aguiar e o prefeito de Assaré, Evanderto Almeida. Também estiveram presentes o diretor do documentário "Patativa do Assaré - Ave Poesia", Rosemberg Cariry, e o filho de Patativa, Geraldo Gonçalves, que declamou o poema "A dor gravada".

- Essa homenagem é uma honra para a nossa família e para todo o povo cearense. Dá até a impressão de que Patativa não morreu. Ele apenas mudou-se, mas continua vivo no coração de cada um - agradeceu Geraldo Gonçalves.

O senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) lançou, durante a sessão, o livro "Patativa do Assaré - Poeta Universal", que reune artigos sobre Patativa, entrevistas com seus filhos e traz uma antologia com alguns dos seus poemas. A série de eventos em homenagem ao poeta cearense integrou a programação do Senado Cultural, que ainda realizará este mês uma exposição em parceria com o Comitê Olímpico Brasileiro sobre os jogos olímpicos de Pequim/2008.

(© Agência Senado)


O centenário do canto triste

Documentário e celebrações marcam histórias e lembranças de Patativa do Assaré, poeta cearense popular gravado por Luiz Gonzaga e Fagner

Monique Cardoso

Fortaleza

As gaiolas abertas que deixam ao passarinho o direito de escolher se quer ir ou ficar, como na casa do poeta popular Patativa do Assaré (05/03/ 1909 – 08/06/2002), estão por toda a parte, em instalações artísticas de efeito visual rústico e geométrico ao mesmo tempo. O universo do repentista, cordelista e cantador de viola do sertão do Cariri, cujo centenário se comemora este ano, ilustra os cenários do Festival de Moda do Ceará, realizado há 28 anos em Fortaleza. Na quarta-feira, a feira recebeu uma roda de amigos de Patativa para lembrar sua obra. O encontro pega carona nas atividades do Ano da França no Brasil e a ponte foi feita enquanto Patativa, gravado por Luiz Gonzaga e Fagner, ainda estava vivo. Em meados dos anos 80 sua obra chegou à cadeira de Literatura Popular Universal, no departamento de língua portuguesa da Sorbonne. Este mês, o documentário Patativa do Assaré – Ave Poesia, de Rosemberg Cariry, estreia do Rio e em São Paulo. Dezenas de ações comemorativas estão programadas até o fim do ano, não só no Ceará, mas no Rio, em Brasília e São Paulo. Nenhum fora do estado vai contar com a presença do agricultor Geraldo Gonçalves, 72 anos, filho de Patativa. Quem circulou pela feira em Fortaleza poderia até se confundir, tamanha a semelhança com o pai, enfatizada pelo chapéu e os óculos escuros.

– Eu não tenho leitura, só posso falar que ele era um pai maravilhoso, que não deu estudo aos filhos, mas ensinou o caminho do bem – garante seu Geraldo, que recorda a rigidez do pai. – Até morrer, mesmo com os filhos velhos, ele dava bronca e puxava a nossa orelha quando achava que não agíamos certo.

Com a música e a poesia, Patativa conquistou uma vida melhor para a família, embora modesta. Um dos poucos bens comprados com os direitos autorais de suas músicas é a casa que a família mantém em Fortaleza. Embora se arrisque a cantar entre os amigos, seu Geraldo não se aventurou a seguir os passos de seu pai.

– Nenhum dos filhos herdou seu dom – comenta. – Ele fazia versos em casa, junto à família. Fez um poema para mim quando eu tinha 5 anos, mas só entendi o que significava depois de adulto.

Um dos principais estudiosos de sua obra, o jornalista e professor de filosofia Cândido BC Neto, diz que o poeta, morto aos 93 anos, nunca foi tão estudado quanto agora. Com extenso trabalho em cultura popular, BC Neto destaca que o enfoque sociológico sobre a vida e produção artística de Patativa tem ganhado mais projeção.

– Seus poemas foram resultado de uma observação precisa da natureza, do homem, da política, das desigualdades sociais – resume Neto. – Tinha um nível de conhecimento fantástico do mundo.

Antônio Gonçalves da Silva perdeu o pai ainda criança, ficou cego de um olho, envelheceu trabalhando no cabo da enxada. Lia, mas não sabia escrever. Dominava, porém, o vernáculo como poucos em sua terra, a pequena Assaré, no Cariri, sul do Ceará. Começou a cantar versos ainda criança. Aos 18 anos ganhou o apelido, Patativa, ave dona de canto melodioso e triste para marcar seu território. Em 1956 começou a sair do anonimato, quando Luiz Gonzaga gravou sua toada de retirante Triste partida. O reconhecimento veio no fim dos anos 70, quando Fagner, um de seus admiradores, o apresentou ao Brasil numa turnê. O cantor e compositor gravou, entre outras, Sina , de autoria dele, e produziu seus discos. A visão de mundo de Patativa rompeu as fronteiras do Cariri graças à capacidade que tinha de reunir admiradores. As Diretas Já e a reforma agrária são algumas das críticas sociais que ele tomava como temas.

– Patativa era um poeta engajado, 24 horas, no seu humanismo radical e na sua imensa sede de justiça e de liberdade – define o cineasta Rosemberg Cariry.

O documentário Ave poesia, que venceu o Cine Ceará do ano passado, reúne imagens gravadas por Rosemberg em película e vídeo ao longo de 30 anos. São apresentações em público, entrevistas e registros de sua vida na roça, com a mulher, Dona Belinha.

– No segundo semestre, lançaremos o DVD do filme, incluindo extras com Patativa recitando poemas e uma das visitas que ele faz à casa do meu pai, onde conta piadas, relembra cantorias e casos – adianta o cineasta.

Em 1998, o professor BC Neto – que, como Rosemberg se tornou amigo de Patativa nos anos 70 – levou seu nome ao conselho da Universidade Estadual do Ceará. Na época pró-reitor de extensão, propôs dar-lhe o título de doutor Honoris Causa. Hoje diversas universidades reconhecem o valor de sua obra, estudado na Sorbonne na década de 80 por iniciativa do francês Raymond Cantel, pesquisador do cordel brasileiro. Em Assaré, um memorial guarda o acervo do poeta e extensa bibliografia sobre ele. A casinha de taipa onde nasceu acaba de ser restaurada para se tornar o Museu do Poeta Agricultor, onde estão suas ferramentas de trabalho e as muitas gaiolas que mantinha abertas.

– É importante observar que Patativa produziu poesia enquanto fato histórico – define BC Neto. – Agradou do camponês mais humilde aos intelectuais. No palco, usava a linguagem de matuto, mas tinha um português perfeito. Conversando com o povo da roça, sempre falava os versos como se estivesse diante de uma grande plateia.

(© JB Online)


O mistério do monumento da cultura popular

Rodrigo de Almeida

"A minha rima faz parte das obras da Criação", dizia, décadas atrás, o poeta Patativa do Assaré, ao tentar explicar a força natural dos poemas que lhe escorriam dos lábios. Ao seu modo, era um recado duplo, uma demonstração mista de humildade e altivez. A humildade era imaginar que somente uma explicação divina daria conta da inspiração saída de um agricultor que frequentou a escola por apenas quatro meses e, cego de um olho desde a infância, passaria a ler e produzir versos e músicas pelo resto da vida. (A visão do outro olho seria perdida na velhice). A altivez: o mérito de elevar a própria poesia ao campo da Criação. Uma audácia típica de um monumento.

Da vaidade, porém, ele escapava com exemplar hospitalidade. Recebia em sua casa, praticamente com a mesma graça, de gente inexpressiva como o signatário a nomes luminares, como o ex-governador Tasso Jereissati, o jornalista Elio Gaspari e os professores Gilmar de Carvalho e Tadeu Feitosa (dois dos seus maiores amigos e estudiosos de sua obra).

Mas o que dizer de seu mistério? Patativa pôs no mapa da cultura a pequena Assaré, reuniu a oralidade dos cantadores com os versos dos bons poetas, retratou como poucos as aflições que atormentam o sertanejo, deu grandeza épica ao cotidiano nordestino, virou objeto de teses acadêmicas, foi midiático e cravou seu nome e sua terra na cultura popular brasileira. Não fosse o olhar enviesado de quem vê este popular à distância, o ano do seu centenário seria celebrado com mais fervor.

Ninguém é perfeito: Patativa não chegou aos 100 anos. Morreu aos 92 com mais de 10 secas nas costas e mil poemas na cabeça. Tinha leitura, mas não muita. Gostava de Bandeira e Drummond, mas se queixava da falta de métrica e de rimas: "Assim qualquer garoto faz". Não conhecia João Cabral de Melo Neto. Aprendeu poesia pela tradição oral, ouvindo um cordel. Aquilo calou fundo. Embora não militante, não panfletário, fazia uma poesia cidadã. A terra era sua matéria-prima. O homem, seu protagonista. Mas o melhor aparece ao falar da beleza da vida: "Saudade é um aperreio/ Pra quem na vida gozou,/ É um grande saco cheio/ Daquilo que já passou."

(© JB Online)


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PATATIVA DO ASSARÉ

PATATIVA DO ASSARÉ (100 Anos)

 

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