Notícias
Passeio no Mundo Livre

07/06/2009

 

 

Foto: Divulgação

 
Há 25 anos, surgia a Mundo Livre S/A, a banda, que, ao lado de Chico Science & Nação Zumbi, deflagrou o movimento mangue e pôs Pernambuco no mapa da música pop mundial

José Teles
teles@jc.com.br

A Mundo Livre S/A completa 25 anos como uma das bandas mais respeitadas e influentes do País. Este ano, músicos e fãs comemoram os 15 anos do lançamento do disco Samba esquema noise (Banguela/Warner), que com Da lama ao caos, de Chico Science & Nação Zumbi, colocaram a música pernambucana em destaque no mapa da música pop mundial. Liderada pelo compositor, cantor, cavaquinista, guitarrista e ativista Fred “Zeroquatro” Montenegro, é uma das poucas bandas engajadas politicamente, mas que não deixa de lado diversão e arte, espírito que renovam a cada disco. O próximo já está sendo cerzido bem ao estilo MLS/A: independente, sem a pressão de diretores artísticos que metem a mão para moldar ao seu gosto o trabalho alheio.

Mundo Livre S/A possi uma longa história de coerência e alguns paradoxos nos primeiros capítulos. O líder do grupo, Fred, foi estudante de colégio militar, em plena ditadura. A idéia de tocar em banda surgiu, em 1982, enquanto Zeroquatro (os dois últimos números de sua RG) e amigos estavam assistindo a uma banda de churrascaria, em Piedade, que deixava aos poucos de ser um balneário de veraneio.

A estreia do grupo aconteceu tocando para amigos numa festa de 15 anos, num edifício em Candeias, bairro onde moravam e também chamado por eles de Ilha Grande (pois era distante de tudo). A primeira fita demo foi gravada num estúdio evangélico: “A gente chegou lá e na porta tinha o aviso: Casa de Deus. Eu bati na porta e perguntei se Deus estava”, conta Fred Zeroquatro, que NA época era também chamado pelos amigos pelo apelido de Rato.

O músico lembra que foi naquela churrascaria que tocou pela primeira vez numa guitarra elétrica. “A turma da gente costumava ir para a praia, curtir uma e tocar violão. Ali perto havia esta churrascaria que tinha um banda que tocava músicas de sucesso, porém, tarde da noite, eles mudavam o repertório, era Rolling Stones, Credence, coisas assim, e aí a gente ia lá e ficava assistindo. Uma noite o guitarrista perguntou se algum de nós queria tocar enquanto ele dava uma paradinha, eu subi e toquei. Pisei na pedaleira, era uma guitarra Gianinni, modelo Les Paul, cantei Hey hey my my, de Neil Young. Sai de lá com a idéia de montar uma banda. A gente começou a juntar dinheiro para comprar os instrumentos.”

Aquela não foi a primeira vez que Fred Zeroquatro tocou em público. No tempo em que sua família morava em Jaboatão Velho, o futuro guitarrista e cavaquinista da Mundo Livre S/A, com oito anos de idade, apresentou-se para os pais dos colegas no Clube Jaboatonense tocando piano: “Naquele tempo era moda os pais quererem que os filhos aprendessem algum instrumento. Tomei lições de piano, aprendi a ler música. Hoje não sei mais nada, esqueci tudo. Fui crescendo e me desinteressando desta coisa formal. Dos oito aos 12 anos ouvia muito música no rádio, Pinduca, Tim Maia. Lembro que meu primeiro compacto foi dos Golden Boys, com Fumacê”, continua Zeroquatro. Se um disco mudou o roteiro de uma vida, foi 10 anos depois, de Jorge Ben (ainda sem o Jor no sobrenome): “Quando ouvi Tábua de esmeralda cismei de aprender violão”, conta Zeroquatro. Alguns anos mais tarde, outro disco marcante: London calling, do The Clash.

(© JC Online)


Zeroquatro quase virou suco

Foto: Eduardo Queiroga

Fred, líder da banda, conta como foram difíceis os primeiros passos antes de surgir a Mundo Livre. Até ser motoboy em São Paulo estava valendo

José Teles
teles@jc.com.br 

A Mundo Livre S/A não passava sequer pelo pensamento de Fred Zeroquatro quando ele compôs a primeira música e passou pelos festivais colegiais. A primeira melodia foi para uma letra de um amigo surfista, Pepê (Pedro César, um dos diretores do filme Fábio fabuloso). A segunda, para uma letra de um amigo do amigo, Marcelo Pereira (hoje editor do Caderno C), para um festival do Colégio São Luís). Só depois ele montou a primeira banda, com amigos de Candeias. Era a Trapaça, com Avron (guitarra), Neguinho (baixo). “A gente fazia um estilo pós-punk, quer dizer, fomos pós antes de ser punks”, ri Zeroquatro.

O punk foi adotado pela Trapaça graças a Renato Lins, mais tarde Renato L (atual secretário de Cultura do Recife): “Renato tinha passado no vestibular de Engenharia, fez uma viagem para São Paulo, e conheceu um pessoal nas galerias (prédio onde há uma das maiores concentrações de lojas de disco do mundo) e trouxe de lá os primeiros LPs do punk nacional, Não São Paulo, Começo do fim do mundo. A música era feita por uma galera que era muito mais carente musicalmente. E aí regredimos de pós para punks. Foi aí que nasceu a Serviço Sujo, Renato criou a Sala 101, que era uma referência ao livro 1984. A gente era os punks da cidade, tinha uma banda em Boa Viagem, mas ninguém tinha onde tocar. A maioria desistiu”.

Mas havia mais punks na cidade. Zeroquatro descobriu isto quando conheceu Nino, que seria vocalista da Câmbio Negro. “Foi a única vez que pintou polícia na história. A gente saía para fazer pichações, Nino, Lael, um punk paulista que morava em Afogados. Uma dia levamos um bacolejo, só que a polícia não entendia bem o que acontecia, e dispensou a gente”. Este grupo de punks elegeu como inimigos os playboys que se reuniam na Praça do Entroncamento, e desafiavam os “burguer boys”, como eles chamavam, passeando entre eles e suas namoradas. Inevitavelmente saía confusão nestas provocações. Mas a primeira grande encrenca foi numa festa no Colégio Salesiano: “Fizeram no Salesiano a 1ª Festa Punk do Recife, e não queriam que a gente entrasse – eu, Nino, Renato. Houve confronto mesmo, a gente quebrou vidros do colégio, baixou camburão, o maior rolo”.

Era 1983, Nino resolveu formar a Câmbio Negro H.C, com Zeroquatro. Renato foi vocalista por pouco tempo no grupo. “Os pais de Nino viajaram e deixaram o apartamento com ele, a gente ensaiava lá, mas não tinha onde tocar. Até que veio o primeiro convite, do artista plástico Marcos Hanois (já falecido), que ia fazer uma exposição no Museu do Estado. Eu e Renato fizemos uma música chamada Nóis sofre mais nóis xinga, um frevo que criticava o Carnaval. Então Hanois mandou dizer que o pessoal do museu não aceitavam uma banda punk na exposição. A banda parou de novo, deu um tempo”. Fred Zeroquatro foi para São Paulo, onde encarou os mais diversos bicos: “Voltei no início de 1984 e convidei o pessoal da Trapaça para formar uma banda que não renegasse a coisa libertária do punk, mas que musicalmente tivesse a ver com uma new wave brasileira”. O primeiro nome que lhe veio à cabeça foi Ataque Nuclear. Em 84 a Guerra Fria ainda existia e tinha o seriado Agente 86, em que se falava muito de um mundo livre, que terminou ficando como o nome da banda, uma conotação meio irônica.

“Tinha um cara chamado Fred (Zeroquatro só lembra do primeiro nome), e a família dele possuía um imóvel na Rua da Guia. Limpamos o lugar para os ensaios. A Câmbio Negro ensaiava no andar de cima, a Mundo Livre no de baixo. A gente já possuía um equipamento, mesa de som, microfones. Foi neste ano que fizemos o primeiro show na festa de 15 anos de Adriana Vaz, em Candeias. Tudo adolescente, dançando com a música da gente, autoral. Fiz uma com o título de Samantha Smith, uma menina americana, que escreveu uma carta para Iúri Andropov (secretário-geral do Partido Comunista da então União Soviética) e foi convidada para visitar a Russia, que nunca foi gravada. Mas não havia espaço para a banda tocar, os instrumentos eram muito ruins, guitarras toscas, baixo que não afinava. Pensamos em ir para São Paulo, quando estava perto de comprar as passagens, o lado racional falou mais alto. A gente sabia que São Paulo sem emprego era pra morar debaixo de viaduto.”

A trajetória da Mundo Livre S/A sofreria mais um percalço, em 1984. Roubaram todo instrumental do grupo, inclusive microfones e mesa de som: “Foram uns caras de uma banda punk da Paraíba, amigos da turma do Câmbio Negro H.C. Não sei se Neguinho, que tocava com a gente, teve participação na história. Sei que os punks acusavam a gente de traidor do movimento por causa da mudança de estilo. Fiquei na maior deprê, mas acabei achando que valia a pena continuar”, conta Fred Zeroquatro, que foi com os amigos prestar queixa numa delegacia, mas foram desaconselhados pelo delegado: “Ele disse que seria fácil encontrar a aparelhagem, só que se ia gastar mais grana do que ela valia”.

Os irmãos Fred, Tony e Fábio estavam trabalhando, pouparam o que recebiam como salários e compraram novos instrumentos. Neguinho e Avron saíram do grupo, Carlinhos Freitas, que depois foi da loja Discossauro, entrou para a banda. Em 1988, Fred Zeroquatro, que trabalhava na Rádio Transamérica, tirou férias e foi para São Paulo: “A rádio tinha entrado na onda Sullivan e Massadas. Resolvi pedir demissão, mesmo sem emprego. Todo domingo comprava o Estadão e na segunda ia procurar trabalho. Fiz uma porção de coisa, fui até motoboy de locadora de vídeo, quando estava quase o homem que virou suco, voltei”. Desta vez, obstinado em fazer vingar a banda Mundo Livre S/A. Logo estava com a formação que gravaria o ansiado primeiro disco, Samba esquema noise – Fred Zeroquatro, Chef Tony, Fábio Goró, Bactéria Maresia, e Otto. 

(© JC Online)


Primeiro contrato foi assinado na praia

Em 25 anos de carreira, a Mundo Livre S/A tem dois CDs numa lista dos 100 mais relevantes álbuns brasileiros

José Teles
teles@jc.com.br

Não poderia ser mais manguebeat a assinatura do contrato da Mundo Livre S/A com o selo Banguela, criado pelos Titãs, e abrigado na Warner Music, aconteceu na praia, em Candeias, num dia ensolarado, com muita cerveja e caranguejada. Uma festa com os músicos da banda, Nando Reis e Carlos Eduardo Miranda, que produziria os três primeiros discos do grupo. Hoje popularizado pela sua participação no programa Ídolos,o gaúcho Miranda continua um produtor compulsivo, e sempre atualizado com o que acontece no rock nacional. Naquela época, começo dos anos 90, escrevia na revista Bizz. Conheceu Chico Science & Nação Zumbi e a Mundo Livre S/A quando as duas ainda não tinham gravadora. “Uma coisa que me saltava aos olhos na Mundo Livre, e também para os caras dos Titãs, era a complexidade do grupo. Se Chico Science não houvesse assinado com a Sony, mesmo assim a gente teria preferido a Mundo Livre, porque tinha um trabalho mais profundo. Não deu outra, os caras corresponderam ao que a gente esperava deles”, comenta Miranda, por telefone, de São Paulo.

Um pouco antes, quem se decidiu pela Mundo Livre S/A foi o percussionista Otto, que tocava com a Chico Science & Nação Zumbi. Otto havia voltado de Paris, e conheceu Chico Science no comitê de Humberto Costa, que disputava a prefeitura do Recife. “Foi para a campanha dele que fiz a música que depois foi batizada de Rio, pontes e overdrives. Passei a frequentar a turma de Fred, Chico, Renato, e a tocar percussão com a Nação. A primeira vez que toquei com a Mundo Livre foi num show que as duas bandas fizeram na Soparia. Naquela noite, Fred me convidou para tocar também com a Mundo Livre”, lembra ele, que ficou revezando-se nas duas. “O último show que fiz com a Nação Zumbi, foi num projeto Seis e Meia, a gente abrindo para Arrigo Barnabé, no Teatro do Parque”. A banda gravou o primeiro e elogiadíssimo CD sem ter um esquema profissional. Foi Otto que levou Antonio Gutierrez, Guti, a assumir a produção da Mundo Livre S/A. “A reunião com ele aconteceu na redação da Gazeta Mercantil”, conta o “Bicho que Pula”, apelido que ganhou pelo excesso de movimentação que fazia no palco.

O paulista Guti, na época correspondente da Gazeta Mercantil, conta que desde adolescente gostava de produzir festivais, e foi um acaso que o levou a largar o jornalismo. “Quando eles me convidaram, aceitei, mas continuei no jornal. Porém, quando me chamaram de volta a São Paulo, optei pela Mundo Livre”, conta Guti, que passou a trabalhar com a banda no lançamento de Samba esquema noise. Segundo ele, no começo foi fácil produzir a Mundo Livre S/A, mesmo sem experiência, pela exposição que a nova música pernambucana estava recebendo da mídia. No entanto, ao mesmo tempo, era difícil, porque o prestígio do grupo era inversamente proporcional ao seu público. “MTV, Folha de São Paulo, abriam espaços generosos para as bandas pernambucanas, mas as platéias nos shows não eram grandes. Aquele era um tempo em que não era comum bandas de rock do Recife viajarem para São Paulo. Era tudo muito novo, e a gente ainda muito amador. Em são Paulo, ficávamos na casa de amigos, feito Xico Sá. Aprendemos fazendo”, continua Guti, que trabalhou com o grupo durante seis anos. “Foi uma experiência muito boa, mas era complicado pela tensão interna dentro da banda. Hoje, eu adoraria trabalhar com a Mundo Livre S/A, que mudou bastante, está mais relaxada, madura, eu me dou bem com os caras, e a cada dia que passa mais admiro Fred Zeroquatro. Os shows deles são sempre perfeitos, porém, nos anos 90, era bem diferente. As apresentações oscilavam na qualidade, e isto dificultava as turnês”, comenta o produtor.

Desde o ano passado, a banda é produzida por Paulo André Pires, da Astronave, que também produziu Chico Science & Nação Zumbi. Paulo André é uma entre as várias modificações ocorridas na ML S/A desde os anos 90. Da formação que, há 15 anos, gravou Samba esquema noise, os irmãos Montenegro, Fred, Fábio e Tony, mais Bactéria, e Otto, só restam Fred Zeroquatro e Chef Tony (embora Bactéria não tenha deixado oficialmente a banda). Otto saiu em 1997: “Foram os dois encontros melhores de minha vida, Chico e Fred. Mas chegou uma época em que achei que tinha que ter meu caminho”, conta Otto, que em 1998, lançou o aclamado Samba pra burro. Saíram, em seguida Marcelo Pianinho, que vive em são Paulo, e depois Fábio Goró, substituído por Junior Areia. A formação atual da banda é Fred Zeroquatro, Junior Areia, Tom Rocha, Gustavo Joe e Chef Tony.

Especialista em trabalhar carreiras internacionais das bandas com as quais trabalha, Paulo André Pires, esteve com a Mundo Livre S/A em 2008, em shows na Suécia e na Womex, na Espanha. Este ano, está quase certa a ida do grupo para o Canadá, a fim de tocar no festival Pop Montreal. “No mercado brasileiro, é um grande desafio uma banda de médio porte como a Mundo Livre sobreviver, mas ela circula bem mais do que várias outras bandas. Agora, para a importância que a Mundo Livre tem na música pernambucana, e na MPB, ela é muito subestimada. A revista Roling Stone, há dois anos fez uma lista dos cem melhores discos da música brasileira, e lá estavam o primeiro e o segundo da Mundo Livre. Depois teve uma lista das pessoas mais importantes da música brasileira e lá estavam Chico Science e Fred Zeroquatro. Mesmo assim, tem muita gente aqui que faz o comentário, burro e limitado, de que Fred não tem voz, esquecendo a importância que ele tem para a música do Brasil”, desabafa o produtor.

Em 2009, a banda não estará ocupada apenas com turnês. Com o produtor Dudu Marote, já foram gravadas as três primeiras novas canções do disco de inéditas que lançam no segundo semestre: A neta cabulosa de James Browse, Black label man e Senhora encrenca. “A gente mandou uma música para Dudu Marote, ele gostou e convidou a banda para gravar no estúdio dele, um dos mais modernos do país, sem cobrar nada. Fizemos estas, de oito que já estão prontas. Não sabemos se interessará a alguma gravadora. Se não, a gente se vira e vai atrás de grana para lançar o disco”, diz Zeroquatro, que batizou o CD com o emblemático título para uma banda que completa 25 anos de estrada: Durar é viver.

(© JC Online)

SITES:

MUNDO LIVRE S/A

MUNDO LIVRE S/A (BLOG)

MUNDO LIVRE S/A (MySpace)

VÍDEO:

Mundo Livre S/A - Meu Esquema

 

 

 

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


powered by FreeFind