Há 35 anos, no
tempo em que a Praça da República, no coração do Recife, era palco para
coquistas, vendedores de folhetos e repentistas, a maior atração do local,
não apenas pelo talento, mas pela idade, sete e nove anos, eram os irmãos
José Albertino da Silva e José Roberto da Silva. Logo ficaram conhecidos
como Caju e Castanha, garotos pobres, nascidos em Matriz da Luz, distrito
São Lourenço da Mata, que começaram a cantar embolada para ajudar nas
despesas de casa. José Albertino, dois anos mais velho do que José Roberto,
faleceu em 2001, vítima de um câncer. O sobrinho Ricardo Alves da Silva, ou
Cajuzinho continuou a dupla com o tio Castanha.
Os dois estão
lançando mais um disco (onze com Caju, e nove com o sobrinho), Sorria você
está sendo filmado, que sai por um pequeno selo paulistano, o Nanny CDs. “Na
verdade, o Nanny é mais um distribuidor do nosso disco. Atualmente, a
maioria dos artistas produz seus próprios discos e repassa para alguma
empresa fazer a distribuição,” diz Castanha, em entrevista por telefone, de
São Paulo, onde mora há 22 anos.
Pouco nele
lembra o garotinho tímido que aos dez anos foi personagem (com Caju, então
com 12 anos) do celebrado documentário Cordel, repente, canção, de Tânia
Quaresma. Castanha não é só um embolador, mas um pequeno e próspero
empresário na área de comunicação. Mantêm oito programas de rádio na Grande
São Paulo, um programa de TV no canal NGT (transmitido em UHF) e um bem
aparelhado estúdio. Os dois irmãos, quando chegaram na capital paulista,
dormiram até embaixo de viaduto. Hoje moram no luxuoso bairro de
Higienópolis. “Mas pelo amor de Deus não vá escrever que estou rico não,
porque senão vai chover telefonema. Digamos que estou remediado”, brinca
Castanha.
Na capa do CD
ele e Cajuzinho aparecem sorridentes, com mais jeito de pagodeiros do que de
emboladores. “Estamos bonitos que só dois tatus”, diz Castanha. O repertório
do disco também tem pouco do que Castanha cantou com Caju durante oito anos
nas praças públicas do Grande Recife. As emboladas ainda são o forte da
dupla, mas agora ela canta também vaneirões, xotes, e outros ritmos
dançantes. “Eu chamaria de embolada de forró, ou embolada urbanizada. Quando
viemos para o Sul a gente cantava só com o pandeiro, mas quando começaram os
shows profissionais, em clubes, TV, o contratador não quer só pandeiro,
porque o público quer dançar. Mas continuamos com o humor, o duplo sentido
saudável, nada da baixaria destas bandas aí. Antigamente Caju e Castanha
eram chamados para programas de TV, rádio, mas não era nada como hoje, que
fazemos uma média de 16 shows por mês, mais aqui pelo Sul. De Pernambuco, é
mais saudade da terra, porque de nordestino acho que aqui tem mais do que no
Nordeste”, continua Castanha.
A plateia
deles não é mais a de traseuntes de pracinhas e feiras públicas. A dupla,
com banda, se apresenta muito nas casas de forrós espalhadas pela Grande São
Paulo. “Mas dá também bastante rodeio, e aí precisa ter guitarra, bateria,
baixo, sanfona, para animar o pessoal, o pandeiro e as nossas vozes não iam
ser suficiente”, explica o embolador, que continua ganhando admiradores pela
rapidez nas rimas: “Temos feito muita coisa com a turma do rap, Rapping
Hood, Mano Brown. Zé Brown do Faces do Subúrbio foi convidado no programa da
gente na TV. Eles consideram o embolador o pai do rapper”.
Há quem vá achar
que Caju e Castanha renegaram as origens para se tornarem comerciais (como
se eles não tivessem começado na embolada para ganhar dinheiro). Há vários
CDs, eles incorporam novos elementos à sua embolada. Porém, apesar de
guitarras estridentes em O relógio, levada caribenha no CD Sorria você está
sendo filmado, a embolada é atávica em Caju e Castanha. A maneira como
dividem frase, o ritmo, seja lá qual for o gênero, ela está sempre presente,
principalmente nos temas: O patrão e o puxa saco é um xote, Tome mão no pé
do ouvido, um vaneirão, mas as letras são puras emboladas.
Há
semelhanças entre o que Caju e Castanha estão fazendo hoje e o que Luiz
Gonzaga fez no passado. Ambos não perderam o sotaque nordestino, e os ritmos
que levaram consigo para o Sudeste foram incrementados com novas
ferramentas. Gonzagão abre O fole roncou (Nelson Valença) com uma guitarra
pesada. Neste CD, Caju & Castanha abrem a embolada A sogra boa e a sogra
ruim da mesma forma. Com acompanhamento de guitarra e bateria, a embolada
presta-se para ouvir e também para dançar.
Algo parecido
aconteceu com os blueseiros do Sul dos EUA. Ao emigrarem para Chicago, não
podiam mais ganhar a vida cantando apenas com um violão. Nos grandes clubes
da cidade, só com guitarras e amplificadores. Assim surgiu o blues elétrico.
A embolada
elétrica não é uma deturpação, por deixar de ter como acompanhamento apenas
dois pandeiros, e sim uma evolução acontecida graças a uma necessidade, não
apenas financeira, mas de continuar a fazer embolada numa metrópole. A dupla
foi obrigada a se adaptar ao novo ambiente.(JT)