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O marco zero do cinema pernambucano

27/06/2009

 

 

Cartaz de A filha do advogado (1926), de Jota Soares.

História de Ugo Falangola, publicitário italiano responsável pelo filme Veneza americana, é resgatada no curta Janela molhada, de Marcos Enrique Lopes

André Dib


Adriana Falangola Benjamin, de 90 anos, era a estrela dos filmes do pai. Foto: Ines Campelo/DP/D.A Press

Um dos pioneiros do cinema pernambucano está prestes a retornar às telas. Trata-se de Ugo Falangola, jornalista e publicitário italiano responsável pelo filme Veneza americana (1924), um dos primeiros documentários realizados no estado. Essa história, repleta de lacunas e mistérios será contada pelo curta-metragem Janela molhada, do cineasta Marcos Enrique Lopes.

O título do filme, viabilizado pelo concurso de roteiros Rucker Vieira da Fundação Joaquim Nabuco, faz referência ao processo químico de restauro aplicado pela Cinemateca Brasileira em duas obras da Pernambuco-film, produtora fundada no bairro de São José por Falangola e seu conterrâneo, J.Cambieri: Veneza americana e Recife no centenário da Confederação do Equador.

Farangola e Cambieri faziam parte do chamado cinema de "cavação", ou naturalista, em que filmes eram rodados sob encomenda de políticos e coronéis. O termo foi uma forma de desvalorizar essa prática cuja regra era "cavar" oportunidades financeiras. "A diferença é que eles tiveram um apuro técnico singular entre os documentários daquela época", diz a pesquisadora pernambucana Luciana Corrêa de Araújo, que atua como consultora no curta de Lopes. "Com a restauração, dá pra perceber a qualidade desses trabalhos".

A figura de J. Cambieri permanece um mistério a ser desvendado por estudiosos desse obscuro período. Diferente de Falangola, cuja memória foi preservada tanto pela família quanto pelas instituições que guardam o que restou de seus filmes. Nascido em 1879, o patriarca desembarcou no Porto de Santos em 1904. Ele veio ao Brasil como contratado do jornal La Setimanna del Fanfulla, jornal de imigrantes italianos que circulava em São Paulo.

"Como ele veio parar no Recife, ele nunca contou", diz sua filha, Adriana Falangola Benjamin, hoje com 90 anos. Dona Didi, como é conhecida, era a estrela dos filmes do pai. Com apenas seis anos de idade, ela figurava de vestido e laço na cabeça, em vinhetas que abriam e encerravam cada produção. "Sabe aquele leão da Metro?", brinca Dona Didi, que recebeu a equipe de filmagem na casa herdada pelo pai, no bairro da Torre.

A família descreve Ugo Falangola como intelectual da burguesia romana, o que deve explicar a precisão técnica e a inclinação artística de seus fotogramas. "Ele sabia filmar, enquadrar, expor. Fazia planos muito bonitos, próprios de quem tem conhecimento técnico prévio. Mais ainda, ele soube adaptar o olho a uma luz tropical, contrastada", diz o veterano Carlos Ebert, fotógrafo do clássico do cinema marginal O bandido da luz vermelha e que assina a direção de fotografia de Janela molhada.

Esse domínio técnico permitia a Falangola experimentar uma gama de cores obtidas a partir de minerais diretamente aplicados na película de nitrato, agora recuperadas pela Cinemateca. O processo de janela molhada é anterior a esse, e consiste em banhar cada fotograma deteriorado numa solução que preenche imperfeições e permite a passagem uniforme de luz pela película.

Inquieto, Falangola desistiu da carreira nocinema em prol da atividade publicitária. Ainda em 1925, repassou o equipamento e a sede da Pernambuco-film para a nascente Aurora-film, que nos meses seguintes produziu Aitaré da praia, de Gentil Roiz e A filha do advogado, de Jota Soares.

(© Diário de Pernambuco)


Após 20 anos, o reconhecimento

Festival de cinema ambiental premia filme sobre massacre de índios

Braulio Lorentz,
CIDADE DE GOIÁS (GO)

Principal vencedor do 11º Festival de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), o documentário pernambucano Corumbiara, dirigido por Vincent Carelli, demorou mais de 20 anos para ser concebido. Na cerimônia realizada sábado em Goiás (GO), o longa-metragem levou o Prêmio Cora Coralina, destinado à melhor produção de todo o evento. Ele relata o massacre de índios na gleba Corumbiara, no sul de Rondônia, durante a construção de uma estrada, em 1985.

– O público tem recebido o filme de uma maneira profunda e apaixonada – conta o diretor Vicent Carelli, que abre espaço para análise das estratégias indigenistas no Brasil. – Só o cinema pode resgatar um crime de genocídio como esse e conseguir recuperar uma face oculta da história do Brasil.

Velhos pescadores

A estatueta de Melhor Longa ficou com o americano Uma mudança no mar, que traz como tema a acidificação oceânica. O melhor curta foi o paulista Mar de dentro. O diretor Paschoal Samora dedicou o prêmio "aos velhos e novos pescadores que mantêm viva a pesca artesanal". O documentário A árvore da música levou o Trófeu Imprensa ao ser eleito o melhor na opinião dos jornalista que cobriram o festival. Ele traça um paralelo entre a extinção do pau brasil e seu efeito na música. Arcos de qualidade são feitos a partir desta espécie de madeira.

Ao abordar as vítimas do progresso industrial italiano, o estreante Andrea di Nardo chamou a atenção por não expor personagens ou optar por um caminho fácil. Arrakis foi escolhido o melhor média-metragem. Ao registrar imagens dos fábricas, hoje abandonadas, e a voz do operário Silvestro Capetti, submetido a uma laringectomia por causa de um tumor originado pela exposição ao pó de amianto, chamou a atenção dos jurados.

– Queria que o público lidasse direto com a doença, mas o problema é invisível, as consequências vêm só 15 a 20 anos depois – relata Di Nardo.

Como é comum no Fica, uma produção goiana recebeu a estatueta destinado ao preferido do júri popular. Kalunga conta a história da comunidade calunga. O maior quilombo remanescente brasileiro ainda espera a demarcação definitiva.

Nas premiações destinadas aos filmes locais, os vencedores foram A próxima mordida, sobre ataques de tubarões em Recife; e Ressiginificar, sobre lixo tecnológico. Os homenageados da noite foram o professor e crítico de cinema Ismail Xavier e o ambientalista Washington Novaes. Durante a cerimônia, foram anunciados um edital do Governo de Goiás que distribuirá R$ 400 mil para produção de cinco curtas locais e edições do Fica, ainda este ano, em Goiânia, Campinas (SP), Canela (RS), São Paulo, Florianópolis, Trancoso (BA), Cuiabá e Vitória.

(© JB Online)


 

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