Notícias
Montagem leva Nelson Rodrigues ao canavial

30/06/2009

 

 

Cena de "Memória da Cana"

"Memória da Cana" cruza "Álbum de Família" com "Casa-Grande e Senzala"

Espetáculo d'Os Fofos Encenam também usa lembranças dos atores, em sua maioria nordestinos

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

As perversões interditas que enlaçam pais e filhos na peça "Álbum de Família", de Nelson Rodrigues, encontram esconderijo num canavial pernambucano em "Memória da Cana", montagem em que a companhia Os Fofos Encenam veste a dramaturgia rodriguiana com adereços de "Casa-Grande e Senzala", de Gilberto Freyre, e reminiscências do elenco. No original, o patriarca Jonas expurga a tara pela filha, Glorinha, em transas com ninfetas aliciadas por sua cunhada, Rute. O primogênito, Guilherme, tranca-se num seminário para sublimar o amor pela irmã. A mãe, Senhorinha, é desejada pelos outros dois filhos, Nonô e Edmundo -e não se sabe se já correspondeu. O primeiro enlouquece e foge para o mato. O outro, infeliz no casamento, vê no útero materno o paraíso.

Além de transplantar a intriga de uma localidade fictícia em Minas Gerais para uma fazenda de cana-de-açúcar no Nordeste, "Memória" exacerba a religiosidade dos personagens. Há santos por todos os lados, o que condiz com a imagem que uns têm dos outros ali. Glorinha enxerga no pai Nosso Senhor; na mão inversa, é encarada por ele como uma santa imaculada. A "Casa-Grande" de Freyre aparece na sala dominada pela mesa comprida, em cuja cabeceira se posta o pai autoritário, à espera da mucama que Rute fará chegar a ele. Já os atores emprestam à encenação objetos, músicas e aromas (como o de uma loção pós-barba ou o do pó do arroz) que remetem a parentes. Além disso, no início, na intimidade dos seis quartos que envolvem a mesa central, destilam depoimentos que carregam dados biográficos deles -mas também informam sobre a personalidade dos tipos ficcionais. "É uma negociação entre memórias pessoais, que prepararam o ator para a peça, e textos que poderiam ser dos personagens. É um entre-lugar", explica o diretor Newton Moreno, 40, também responsável pela adaptação dramatúrgica.

Mais crueldade

Para ele, associar Freyre a "Álbum" é "potencializar a crueldade" da tragédia rodriguiana. "É impossível não fazer um movimento para dentro, pensar um pouco suas matrizes familiares, o lugar da família em você. Todo mundo acaba sendo convidado a revisitar os cômodos de sua casa e rever padrões de comportamento", diz. Quando a família de "Memória" se lança nesse "movimento para dentro", sentimentos recalcados vêm à tona, e a casa cai por terra -literalmente, já que as divisórias de filó que demarcavam os cômodos somem. "É como se caísse a máscara, daí jogarmos a família para dentro do canavial, sublinharmos o confronto entre cultura e natureza.

Os segredos vão ser postos à vista de todos, não mais ocultos atrás de paredes. Tudo o que se oprime e camufla vai ser expurgado, vomitado", afirma Moreno. Sobre o tapete de terra que agora cobre o cenário, Senhorinha cruzará a trilha de Nonô, que há tempos erra pelos canaviais para não se entregar à mãe. Aquele terreno de raízes expostas também terá sido signo do reencontro do elenco, majoritariamente nordestino, com suas memórias, açucaradas ou não -ao som do maracatu rural que anuncia o fim.

MEMÓRIA DA CANA

Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom. e seg., às 19h; até 2/11 Onde: espaço dos Fofos (r. Adoniran Barbosa, 151, Bela Vista, São Paulo, 0/ xx/11/3101-6640)
Quanto: R$ 16
Classificação: 16 anos

INSTALAÇÃO "PREPARA" O PÚBLICO

Para estimular a imersão do público no cenário em que se passa "Memória da Cana", Newton Moreno promete montar, na entrada da sala de espetáculos da sede d'Os Fofos, uma instalação com fotos e objetos que reproduzam o clima de uma casa de família tradicional. Quem quiser continuar no Nordeste após o fim da peça poderá saborear um jantar com pratos típicos, preparados por integrantes do grupo -em "Assombrações do Recife Velho" (2005), eles serviam doce de banana. Basta agendar na hora da compra do ingresso. O site da companhia (www.osofofos encenam.com.br) tem cardápio e preços.

(© Folha de S. Paulo)


A trágica Memória da Cana

Newton Moreno quer unir Nelson Rodrigues e Gilberto Freyre em adaptação de Álbum de Família

Beth Néspoli

Um premiado grupo de teatro de bonecos, o mineiro Giramundo, encena hoje uma peça do autor gaúcho Qorpo Santo, As Relações Naturais. Outro, com sede em São Paulo, Os Fofos Encenam, dirigido por Newton Moreno, inicia amanhã uma pequena temporada de Memória da Cana, recriação, ainda em processo, mas já muito atraente, da peça Álbum de Família, de Nélson Rodrigues, por sua vez um autor pernambucano de alma carioca. E mais, para encenar a peça o grupo trabalhou numa primeira etapa sobre a própria memória dos atores, que vivem em São Paulo, mas nasceram em Estados como Alagoas, Paraíba e Pernambuco.

Essa miscelânea regional ganha o espaço cênico do Itaú Cultural não por acaso. Os dois grupos foram especialmente convidados para celebrar mais uma atualização da Enciclopédia Itaú Cultural de Teatro, obra de referência virtual, desta vez acrescida de significativa expansão geográfica. Entre os 63 novos verbetes que ganhará, 49 são relativos aos Estados de Minas, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Por ser virtual - pode ser consultada no endereço www.itaucultural.org.br/teatro - além de importante registro histórico e preciosa fonte de consulta para quem escreve sobre a cena teatral, é passível de aprimoramento constante.

"Há um instrumento dentro do próprio verbete que permite ao leitor sugerir correções" , diz a diretora Johana Albuquerque, uma das integrantes do conselho consultivo. "Estamos revisando todos os verbetes para sanar equívocos de datas. Claro que toda sugestão passa por uma verificação rigorosa antes de ser aceita", diz. "Uma vez criada, a enciclopédia solicita sempre de seus realizadores um trabalho insano de atualizações e correções de dados." Esse misto de dificuldade e rigor provocou alguns adiamentos na expansão da enciclopédia. "Grupo Folias, Cia. Livre, As Graças são grupos que já deveriam passar a constar nessa atualização, mas os textos não foram aprovados. Acredito que em três ou quatro meses já estejam lá."

Embora Newton Moreno faça questão de dizer que Memória da Cana seja a apresentação apenas de um processo de criação, ou seja, trabalho inacabado, vale correr ao Itaú para ver essa já bonita encenação de Nélson Rodrigues com sotaque pernambucano. "Trabalhamos num primeira etapa com a memória dos atores e agora é a vez de ver como elas servem ao texto de Nélson Rodrigues", diz o também pernambucano Newton Moreno. "Numa terceira etapa queremos encenar o Álbum de Família à luz da família patriarcal estudada por Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala."


Serviço
Memória da Cana. Itaú Cultural. Avenida Paulista, 149, 2168-1776/1777. 5.ª e 6.ª, 20 h; sáb. e dom., 17 h e 20 h. Até 15/2. Grátis - retirar ingressos meia hora antes. Hoje, 19 h, debate sobre Atualização da Enciclopédia de Teatro; 20 h, apresentação da peça As Relações Naturais, com o grupo Giramundo


Verbetes

OSMAN LINS (1924 - 1978)


Osman da Costa Lins (Vitória de Santo Antão PE 1924 - São Paulo 1978). Autor. Reconhecido como um dos grandes escritores brasileiros do século XX, sua dramaturgia se alimenta tanto de aspectos da comicidade popular e da cultura nordestina quanto da realidade social e política brasileira. (...) em 1960, escreve Lisbela e o Prisioneiro, comédia em três atos...


VASCONCELLOS, LUIZ PAULO (1941)

Luiz Paulo da Silva Vasconcellos (Rio de Janeiro 1941). Diretor, ator, professor, ensaísta e crítico. Destaca-se no meio teatral como diretor de espetáculos universitários, com relevante experiência nas áreas de cenografia, figurino, iluminação e dramaturgia. Desempenha papel fundamental para distintas gerações de artistas, graças ao vínculo com a docência superior em artes cênicas e à articulação entre teoria e prática do teatro.

QORPO-SANTO (1829 - 1883)

José Joaquim de Campos Leão (Triunfo RS 1829 - Porto Alegre RS 1883). Autor. Qorpo-Santo escreve sua obra teatral no século XIX...

(© Estadão)


Colagens suburbanas

Tom picaresco domina reunião de crônicas em cena

Macksen Luiz

As crônicas de Nelson Rodrigues são atraentes como material exploratório no teatro e têm se transformado em potentes ímãs para reuni-las em cena, algumas vezes como extensão de sua dramaturgia, outras como antevisão de seus personagens de palco. Não por acaso, tantas coletâneas de seus escritos jornalísticos e folhetinescos chegam ao teatro como comentários cênicos que se impõem em tom de humor, mais ou menos crítico.

As noivas de Nelson, da Cia. Paulista de Artes, em cartaz no Solar de Botafogo, segue esta cartilha com a previsibilidade das experiências anteriores. Com seleção de crônicas sobre o casamento e suas variantes, a montagem dirigida por Marco Antônio Braz repete a rotina da leitura cênica de textos narrados, nos quais as personagens assumem as suas atitudes através de maneira de contá-las. Como os diálogos são complementares, quase ilustrativos, o modo de encenar o que é dito ganha precedência sobre quaisquer outras formas expressivas. E o picaresco, o jeito engraçadinho, se tornam dominantes nessas coletâneas, deixando à mostra o que as crônicas têm de mais "curioso", valorizando o aspecto de fait-divers com algumas piscadelas ao que escapa às convenções de comportamento.

Obsessões da classe média

Em relação ao casamento, Nelson mantém nas crônicas selecionadas – de A vida como ela é, publicadas no jornal Última Hora, entre 1951 e 1961 – o olhar impiedoso sobre as obsessões da classe média e seu imaginário sombrio, que se manifesta de modo dissimulado. Nesta montagem, tais características são secundárias, prevalecendo a exterioridade e a representação caricatural de melodrama radiofônico.

Talvez a opção do diretor seja apropriada ao gênero das crônicas, se consideradas apenas como flagrantes da vida privada nos anos 50, o que justifica integralmente a sua escolha estilística. Mas deixa a impressão de que seguiu linha de encenação óbvia, tantas vezes usada por semelhantes espetáculos em torno das crônicas do autor de Perdoa-me por me traíres. A cenografia é o que melhor associa casamento e morte, presentes em cada um dos textos, e acaba por ser o único sopro mais original da montagem, que conta com elenco disciplinadamente integrado à proposta da direção.

(© JB Online)


SITE

NELSON RODRIGUES - WIKIPÉDIA

NELSON RODRIGUES

NELSON RODRIGUES - 25 ANOS SEM NELSON

 

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


powered by FreeFind