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15/05/2001

João Cabral, vida e versos

 

Encontro no Rio debate a obra do poeta em palestras e leituras dramatizadas

 

ANA CECILIA MARTINS

   A vida silenciosa e o mundo poético agreste de João Cabral de Melo Neto sempre despertaram interesse em estudiosos das mais variadas esferas. Cabral nunca foi poeta que coube fácil dentro de definições, mesmo assim nunca lhe faltaram qualificativos: arquiteto e engenheiro da palavra, geométrico, artesão do verso. Mas os adjetivos jamais foram suficientes para dar conta de sua obra, talhada em linhas puras e fincada na lucidez e na realidade árida do Nordeste.

   A partir de hoje um ilustre elenco de ensaístas, professores, acadêmicos e artistas se reúne no Centro Cultural Banco do Brasil, às 19h, para fazer uma incursão pela vida e versos do poeta, morto em 1999 aos 79 anos. Durante seis dias, nomes como Benedito Nunes, Luiz Costa Lima, Ferreira Gullar, Antônio Carlos Secchin e Péricles Cavalcanti lançam um olhar múltiplo sobre o universo do poeta brasileiro nordestino pernambucano, como ele mesmo se autodefinia.

   ''Cabral é um dos poetas mais importantes do país. Mas sua obra é considerada por muitos obscura e hermética. O ciclo tem como um dos principais objetivos aproximar esse trabalho do público através dos debates e leituras'', explica Clarisse Fukelman, curadora do evento, que propõe uma abordagem ampla do universo cabralino, cobrindo aspectos de sua biografia como a experiência na diplomacia, a discutida inserção na chamada Geração de 45, os alicerces de sua poesia, a aversão à música, além da relação tecida entre sua obra, a filosofia e o teatro.

   Hoje, o ciclo será aberto com a presença do filósofo Benedito Nunes (leia ao lado texto escrito para o JB) e o professor de literatura Luiz Costa Lima, que se juntam para debater o tema Linguagem e filosofia em Cabral. ''Fundamentalmente vou mostrar como Cabral representou uma ruptura dentro da tradição poética brasileira'', resume Luiz Costa Lima, que fará sua análise a partir de três poemas do autor de Morte e vida severina, entre eles O mar e o canavial.

   A análise da presença da arquitetura e das artes plásticas na obra do poeta pernambucano ficará a cargo dos poetas Eucanaã Ferraz e Ferreira Gullar, que debatem amanhã o tema Artes e arquiteturas da poesia. ''Essa relação de Cabral com a arquitetura e as artes plásticas se evidencia em alguns de seus poemas em que trata de Franz Weissmann, Mondrian, Picasso, Rêgo Monteiro'', avalia Ferreira Gullar, que lembra ainda o estudo feito pelo poeta nos anos 50 sobre a obra de Miró. ''A afinidade de João Cabral com as artes visuais me parece clara na sua própria concepção poética e sensibilidade'', acrescenta.

   Na quinta-feira o diretor e ator Luiz Fernando Lobo e o diretor Amir Haddad se debruçam sobre os poemas dramáticos do autor. O teatro estará presente em todos os dias do ciclo. Abrindo cada palestra, atores como Arlete Sales, Chico Diaz, Nelson Xavier, Marcia Duvalle, entre outros, farão leituras dramatizadas de trechos da obra do poeta, selecionados por Clarisse Fukelman, sob direção de Amir Haddad.

   Na terça-feira da próxima semana, o poeta e professor de literatura Antônio Carlos Secchin e a escritora Heloisa Starling se encontram no debate O homem, o poeta e o diplomata; no dia seguinte, o compositor Péricles Cavalcanti e o poeta e professor de teoria da literatura brasileira da Universidade Federal da Bahia, Jorge de Sousa Araújo, debatem a relação de Cabral com a música e sua ascendência sobre o trabalho de novos letristas na mesa intitulada É pau, é pedra, é lâmina. Encerrando o ciclo, no dia 24, o crítico literário João Alexandre Barbosa e a professora de literatura Marta de Senna avaliam a influência recebida pelo poeta de autores nacionais e estrangeiros em Diálogos: escritos de lá e cá. A entrada é franca. (Jornal do Brasil)

O perpétuo percurso

BENEDITO NUNES *

   Além de ter feito uma limpeza do culto retórico à elevação e à profundidade, além de lhe devermos, também, uma higiene poética dos clichês modernistas, a despeito do religamento com as fontes do nosso modernismo que efetuou, a poesia do João Cabral de Melo Neto reaproximou-nos do regional sem regionalismo, da mesma forma que o fez Guimarães Rosa em Grande sertão: veredas. Repensou a relação da palavra poética com as artes plásticas, introduziu nessa palavra considerável lastro de prosa, refez o nexo do verso com o discurso. A poesia dele canta menos e conta mais. Ela narra e dramatiza no empenho didático de ''dar a ver'' o que é e o que há. Divide-se sem partir-se numa voz alta para aglomerados de feira, sua ''segunda água'', fluvial (Morte e vida severina, p.ex.), e uma voz baixa da câmara, a ''primeira água'' (Uma faca só lâmina, p.ex.), cisterna que é a sede do próprio leitor avançando pelos meandros do texto para sorvê-lo. A poesia de João Cabral é agônica: vive lutando consigo mesma e contra si mesma. Morrendo e renascendo, traz-nos a experiência de um perpétuo recomeço na continuidade de uma mesma linguagem renovada.

Belém, 2001
* Filósofo e professor


Programação

Segunda-feira

Linguagem e filosofia em Cabral: Benedito Nunes e Luiz Costa Lima

Leitura: Arlete Salles

Terça-Feira

Artes e arquiteturas da poesia: Eucanaã Ferraz e Ferreira Gullar

Leitura: Camila Pitanga e Cláudio Mendes

Quarta-feira

Cabral dramaturgo - poemas dramáticos: Luis Fernando Lobo e Amir Haddad

Leitura: Chico Diaz e Gilberto Miranda

Dia 22/05

O homem, o poeta e o diplomata: Antônio Carlos Secchin e Heloísa Starling

Leitura: Claudio Mendes e Márcia Duvalle

Dia 23/05

É pau, é pedra, é lâmina: Péricles Cavalcanti e Jorge Sousa Araújo

Leitura: Márcia Duvalle e Gilberto Miranda

Dia 24/05

Diálogos: escritos de lá e cá: João Alexandre Barbosa e Marta Senna

Leitura: Nelson Xavier


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