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23/06/2001

Música: A velha guarda do forró de Caruaru

   Embora Lauro Maia e Miguel Lima já fossem relativamente conhecidos no Rio de Janeiro, nos idos dos anos 40, como compositores de músicas “do Norte”, pode-se afirmar que o compositor profissional de forró surgiu com Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira e Zé Dantas. Foi esse trio que assentou as bases do que é hoje conhecido como música nordestina, ou forró (uma generalização para os diversos ritmos da região, que inclui o xote, o baião, o xenhenhém, entre outros).

   Em Pernambuco, Nelson Valença, Ivan Bulhões, Onildo Almeida, Luís “Boquinha” de França, Janduhy Filizola e Juarez Santiago, são nomes da segunda geração que continua vivinhos para contar a história da música que ajudaram a enriquecer, por meio das vozes de Luiz Gonzaga, Ari Lobo, Marinês, Jackson do Pandeiro, Trio Nordestino, Coronel Ludugero e Jacinto Silva. Infelizmente, com exceção de regravações esporádicas, eles raramente são lembrados pelos novos cantores do gênero. Nesta reportagem do Jornal do Commercio o crítico de música José Teles entrevistou, em Caruaru, dois dos representantes da velha guarda de compositores, Juarez Santiago, 58 anos, e Onildo Almeida, 72. (Jornal do Commercio)

Onildo Almeida tornou a feira de Caruaru imortal

   Onildo Almeida tem cerca de 500 músicas gravadas (nem ele mesmo sabe ao certo), mas ficou marcado por um baião que compôs em 1956, A Feira de Caruaru. Para ele, um tema tão óbvio que nem entende como não haviam pensado nisso antes. “Ora, toda cidade tem uma feira e toda feira é igual. Teve uma época em que havia nove quilômetros de feira, e nela se vendia além de frutas, verduras, roupas, boneco de barro, mobília, o escambau”, conta o compositor.

   Foi o próprio Onildo Almeida o primeiro a gravá-la. “Fiz uma cópia em acetato, no estúdio da Rádio Jornal do Commercio. Gravei porque não tinha ninguém pra gravar. Saiu pela Copacabana e vendeu 11 mil cópias, foi um recorde”. Luiz Gonzaga veio a Pernambuco, em 1956, escutou o baião e decidiu gravá-lo. Na época, Lua era campeão de vendagens, mas com as cem mil cópias de A Feira de Caruaru, vendidas em três meses, bateu Asa Branca, gravada dez anos antes. “A música hoje tem mais de cem gravações, em 43 países. Já fizeram em ritmo de rumba, dobrado, o escambau”, diz.

   A música entrou cedo na vida de Onildo Almeida. O pai, comerciante, tocava bandolim, violão e violino. Em casa, havia um piano para cada uma de suas três irmãs. Era inevitável que ele se tornasse músico. Começou como cantor num conjunto, os Vocalistas Caetés, que não chegou a gravar disco. Sua primeira composição conhecida fora dos limites de Caruaru foi a marcha Uma linda espanhola, vencedora do concurso do Carnaval de 1955. A partir do sucesso de Luiz Gonzaga com A Feira de Caruaru, ele passou a ser requisitado por outros cantores. “Segurei 12 anos de sucesso de Marinês. Eu mandava oito, dez músicas para Abdias (Nota: marido da cantora e produtor da CBS) e ele só gravava duas. Eu reclamava e Abdias dizia que podia ser que eu parasse de fazer compor, então ele guardava as músicas para garantir o sucesso de Marinês por alguns anos.”

   A primeira composição que a pernambucana (de São Vicente Ferrer) Marinês gravou foi a marcha-de-roda Ô marinheiro, marinheiro, adaptação de um tema de domínio público, registrado por Onildo. Nem mesmo a celebrada A Feira de Caruaru rendeu tanto para ele. Caetano Veloso gravou a música, em 1969, com o título de Marinheiro só, o caruaruense prontamente entrou com uma ação na Justiça por plágio. Quando voltou ao Brasil, em 1972, o baiano foi a Caruaru e Onildo encontrou-se com ele. “Fui no hotel Guanabara e vi lá aquele cara cabeludo, amarelo, raquítico, com umas bonecas-de-pano que comprou na feira. Me apresentei a ele. Caetano disse que era meu fã, que não sabia que a música tinha dono, que escutava aquilo quando era adolescente na Bahia. Acabamos amigos.”

   Amigos, amigos, negócios à parte. Onildo teve direito a metade da arrecadação de Marinheiro só. “Recebi CR$ 33 milhões, não sei quanto seria hoje, mas sei que nunca ganhei tanto com uma música.” Hoje em dia, ele recebe mais das gravações de um punhado de músicas suas no exterior, do que das cinco centenas de forrós gravados no Brasil, que lhe rendem absurdos R$ 700,00 por mês.

   Afastado do forró há dez anos, desde que se tornou evangélico, nem por isso o compositor, por força de sua condição de sócio de uma emissora de rádio, acompanha os novos artistas, mas sem muito entusiasmo. “Forró? Aqui pra nós, não tem mais nada. Tem Azulão, que vive doente, Jacinto morreu, Gonzaga não deixou herdeiros. Quem poderia ter ocupado lugar dele seria Dominguinhos, que tem uma voz nordestina, diferente, mas que preferiu seguir outros caminhos.” (Jornal do Commercio)


Juarez Santiago é bom na emenda

O insistente forrozeiro conseguiu que Jackson do Pandeiro ouvisse suas músicas e decidisse por gravá-las. Já Genival Lacerda só faltou implorar

   O compositor pernambucano Juarez Santiago conta que desde adolescente fazia xote, embolada, coco, tudo de cabeça, sem nunca passar ao papel, nem muito menos achar que poderia ganhar dinheiro com aquilo. Um dia, em meados dos anos 60, encontrou com Jacinto Silva, criou coragem e falou: “Eu faço esse negócio que tu faz”. Santiago mostrou-lhe três composições: Quero ver rodar, ABC do amor e Semente do amor. Jacinto garantiu que iria gravar todas e levou as músicas para o Rio (na época, era contratado da CBS, atual Sony Music). “Ele gravou Quero ver rodar; Ludugero gravou Abc do amor, e Abdias gravou Semente do amor. Foi assim que comecei”, conta Santiago.

   Luís Jacinto, o Coroné Ludugero, cantor e comediante, morto com toda sua trupe, em um acidente aéreo em 1969, foi o maior fenômeno de massa da música nordestina nos anos 60. Pela importância que teve, não se justifica o esquecimento a que foi relegado. Luís Jacinto, numa de suas visitas a Caruaru, aconselhou Juarez Santiago a tentar carreira no Rio. “Eu era solteiro e fui mesmo, em 70. Levei o dinheiro certinho, para o hotel, comida e a viagem de volta. Cheguei num dia, no outro fui no ponto dos artistas, na Praça Tiradentes, queria encontrar Jackson do Pandeiro. Um cara lá me disse que Jackson não atendia ninguém ali. Vamos ver se ele não atende”, retrucou Santiago.

   Ele montou guarda no local até que Jackson do Pandeiro apareceu. “Eu me apresentei, e falei que tinha umas músicas para mostrar. Aí ele colocou a mão no meu ombro e disse: ‘Ô corno pequeno, tu é doido mesmo, vamos até ali, almoçar e você toma uma?’, disse, e me levou a um restaurante”. Jackson não ouviu as músicas do caruaruense, mas lhe deu um cartão, e pediu que ele lhe telefonasse dentro de três dias.

   “A essas alturas Azulão já havia chegado no Rio e foi comigo na casa de Jackson. Quando ele me viu foi logo dizendo: ‘Ô corno pequeno, vou gravar daqui a trinta dias. Você pode me mostrar suas músicas, mas se eu gravar vai ser só no ano que vem’. Juarez Santiago, diz que nem se deu conta de que estava em frente do grande Jackson do Pandeiro. “Então sendo assim, só vou mostrar minhas músicas a você no ano que vem”. Azulão, cochichando no ouvido do amigo, insistiu para que ele mostrasse as composições, e Santiago mostrou.

   Mal ele acabou de cantar a primeira estrofe de Morena bela, Jackson do Pandeiro interrompeu. “Ô corno pequeno, você é doido? E me pediu para cantar novamente”, rememora Santiago. Jackson olhou para Severo e perguntou o que ele achava”. O sanfoneiro disse que no repertório do disco novo não tinha nenhuma música melhor do que aquela. Jackson pediu para Juarez cantar outra, e aí ele, entusiasmado, cantou: “Madalena meu amor, não faça assim/Ô Madalena meu amor, volte pra mim”. Jackson interrompeu novamente. “Ô corno pequeno, pelo amor de Deus, você quer me matar?”. Resumindo. Jackson do Pandeiro mexeu no repertório já pronto, e incluiu duas composições do caruaruense.

   No Ponto dos Artistas contaram a Genival Lacerda que andava por lá um baixinho pernambucano que veio mostrar música a Jackson do Pandeiro. Juarez foi abordado por Genival e lhe mostrou Quero beber água. Foi o primeiro dos vários forrós dele gravados por ele. Assim como Lacerda, gravaram músicas de Juarez Santiago o Trio Nordestino (do sucesso Na emenda), Ludugero e até Luiz Gonzaga. No entanto, o que ele recebe de direitos autorais, quando recebe, é insignificante. O sustento da família vem de uma mercearia, que administra com a esposa, dona Zezé. Pior: o pouco que ganha de direitos, Juarez Santiago divide com “parceiros”, entre os quais está Jackson do Pandeiro. “Fui mostrar uma música, e ele falou: “Corno pequeno, bota eu aí nessa. Tu já botasse muita gente na tua música, agora é a minha vez’. Eu doido pra gravar com ele, não ia botar não? Dei parceria até a Adolfo da Modinha. Ele era meu patrão e dono de uma loja de discos”. (Jornal do Commercio)

Veja sites de forró na seção MÚSICA e, também, os sites sobre as FESTAS JUNINAS

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