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Orquestra Tabajara: 70 anos sob a batuta do maestro Severino Araújo

09/07/2003

O Maestro Severino Araújo

João Pimentel

   Domingo, casamento na Villa Riso, em São Conrado. Às 17h, a mais antiga orquestra em atividade no mundo, a lendária Tabajara, abre os trabalhos do imenso repertório que passeia por standards de jazz e música brasileira da melhor qualidade. No primeiro intervalo, o maestro Severino Araújo pega o microfone e anuncia: “Este é o baile de número 13.644.” Tão surpreendente quanto a longevidade da big band , criada há 70 anos, é a disposição dos músicos, que contradiz os versos finais da homenagem que João Nogueira e Nei Lopes fizeram em “Baile no Elite” (“Seu Nelson Motta deu a nota que hoje o som é rock’n roll/ A Tabajara é muito cara/ E o velho tempo já passou”).

   A Tabajara não é tão cara assim — no casamento na Villa Riso cada músico ganhou R$ 300, pouco perto das despesas gerais — e o velho tempo se renova a cada vez que Araújo e seus discípulos sobem com a sua elegância e sua perfeição em um palco.

Pai do maestro era mestre de banda nos engenhos

   Apesar de as histórias se confundirem, Araújo não é fundador da Tabajara. Nascido em Limoeiro, Pernambuco, em 1917, filho de um mestre de banda, desde os 8 anos ajudava o pai nas lições.

   — O meu pai se casou com a filha de um senhor de engenho. Nessa época, todo engenho tinha a sua banda. Como não havia pianos, violinos e flautas, os instrumentos de sopro eram a base. Meu pai dirigia cinco bandas — lembra o maestro. — Era músico mas plantei cana e toquei muito gado.

   Depois de passar dois anos em Chá do Rocha, um povoado na fronteira com a Paraíba, sem água, luz elétrica e nem prefeito, o clã dos Araújo foi, em 1933, para Ingá:

   — Três anos depois, a Banda da Polícia da Paraíba resolver se reestruturar e recrutou os melhores músicos do interior. Já cheguei como primeiro clarinetista solista, aos 18 anos — conta. — Até então eu só conhecia valsas, dobrados, maxixes, nunca tinha ouvido falar em jazz. Foi uma revolução na minha vida.

   Nessa época, duas orquestras rivalizavam em João Pessoa, a Jazz Tabajara e a Jazz Ideal. O dono da segunda, Augusto Marinho, convidou Severino Araújo para tocar em uma festa no clube Astréa. No palco, os dois grupos se alternavam. Em 37, Olegário, criador da Tabajara em 1933, chamou o clarinetista para tocar saxofone e, passado um ano, ele já assumia o comando da Jazz Tabajara, enquanto Olegário cuidava da Sinfônica que integrava o elenco da recém-criada Rádio Tabajara:

   — Tudo em João Pessoa é Tabajara por causa do índio — brinca Araújo, que um ano antes já tinha composto o clássico do choro “Espinha de bacalhau”. — O Olegário morreu em 38 e eu assumi o comando. Como me dedicava ao jazz, percebi que as orquestras americanas eram maiores, tinham quatro saxofones, três trompetes e dois trombones. Adaptei isso à Tabajara.

   A Tabajara quase acabou quando seu maestro veio para o Rio de Janeiro contratado pela Rádio Tupi, em agosto de 1944. Mas, em janeiro do ano seguinte, o resto dos músicos desembarcava por aqui para justificar a fama de melhor orquestra de baile brasileira. O primeiro dos 20 discos da orquestra (entre CDs e LPs) foi gravado em setembro.

Chateaubriand levou a orquestra para Paris

   Em 51, Araújo e sua turma tocaram ao lado da orquestra de Tommy Dorsey, na inauguração da TV Tupi. Em 52, embarcaram para Paris, a convite de Assis Chateaubriand, então embaixador em Londres.

   — Foi um grande baile carnavalesco numa fazenda a 40km da capital. Tocamos do samba carioca ao frevo nordestino. Chateaubriand levou todos os embaixadores que conhecia — lembra. — No dia seguinte, todos queriam audições. Ficamos um mês por lá.

   Em 54 saíram da Tupi, foram para Montevidéu para um mês de apresentações e na volta já estavam contratados pela Rádio Mayrink Veiga.

   Tocaram em Buenos Aires, mudaram novamente de emissora — foram para a Nacional — acompanharam Hebe Camargo na TV Rio, voltaram para a Europa e, a partir dos anos 70, passaram a ficar mais no circuito bailes-casamentos-formaturas.

   — As orquestras acabaram junto com as grandes rádios, que mantinham os grupos juntamente com os cassinos e os dancings. A televisão, a princípio, assimilou o formato dos programas de rádio, mas depois dispensou todo mundo — conta Araújo. — Isso não aconteceu só aqui, não. A Tabajara só resistiu por ser a melhor e porque a maioria dos músicos é de aposentados.

   Pela Tabajara passaram músicos de primeira linha como os trombonistas Norato, músico da Orquestra Sinfônica Brasileira, e Macaxeira, além do saxofonista tenor Zé Bodega. Este, por sinal, um dos quatro irmãos de Severino que passaram pela orquestra, largou o grupo e a carreira depois de um show em São Paulo:

   — Fomos nos apresentar no Anhembi e o público gritava o nome dele. Ele passou mal, achou que ia morrer e, ao chegar no Rio, vendeu o instrumento e nunca mais tocou.

   Apesar das dificuldades comuns a qualquer grande orquestra, Severino calcula que a Tabajara faz uma média de 15 shows por mês e diz que não há problemas para renovar o elenco:

   — Eu não me incomodo porque sempre entra um músico melhor, mais motivado. O músico brasileiro é um dos melhores do mundo e, assim como no futebol, a cada dia aparece um melhor que o outro. Por isso, e por estarmos juntos há tantos anos, nem ensaiamos mais.

(© O Globo On Line)

 

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