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01/08/2003
O músico pernambucano Mestre Salustiano, de 57 anos, é um defensor das manifestações populares. Há 50 anos, o som de sua rabeca, instrumento rústico parecido com violino, embala platéias com maracatus, cocos, forrós, cavalos-marinhos, enfim, ritmos genuinamente nordestinos. Tamanha dedicação se reflete no número de seguidores que arrastou e continua a arrastar, nomes que vão de Chico Science e Nação Zumbi a Antônio Nóbrega. Resultou também em reconhecimento e honrarias: 'papa' da cultura popular pernambucana, Comenda do Mérito Cultural Brasileiro, Doutor em Cultura Popular pelo Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco e outras atribuições. Nascido na Zona da Mata, ele mesmo chega a ser um figura folclórica: pequeno, rosto expressivo, falante. Retornando de uma festiva participação no Lincoln Center Festival, em Nova York, Mestre Salu, como é apelidado, fará shows hoje e amanhã, no Itaú Cultural, às 19h30, e terça e quarta, às 21 horas, no Sesc Vila Mariana. No Itaú Cultural, o instrumentista volta a apresentar o espetáculo O Sonho da Rabeca, criado por ele em 1995. No repertório, composições de sua autoria, entre eles, Pimenta na Brasa, Toada de Cavalo Marinho, Esse Coco É Bom, Cirandas, Macaco Ensaboado. Já o Sesc Vila Mariana programou um encontro das raízes da cultura popular com as batidas eletrônicas. A base será seu O Sonho da Rabeca. Disso ele não abre mão. "Não vou renegar as manifestações populares, que fazem parte do meu trabalho", avisa. No palco, o compositor dividirá a cena com um de seus discípulos, Siba, do grupo Mestre Ambrósio. Cantor, compositor e instrumentista, Siba tem influências da cultura da região da Zona da Mata, em Pernambuco, e encontra na rabeca um de seus principais instrumentos de trabalho. Os DJs do grupo Instituto são outros que têm encontro marcado com Mestre Salu no palco do Sesc Vila Mariana. Formado pelos músicos Rica Amabis, Teio Damasceno e Daniel Gania Man, o trio é conhecido por misturar estilos musicais diferentes, como hip-hop, samba e coco, com efeitos produzidos por computador. No show com o mestre da rabeca, eles vão fazer a festa com sons eletrônicos e ritmos nordestinos. "Nesses espetáculos, acho que a surpresa são os desafios dentro do maracatu. Vai misturar raiz e sementes. A raiz sou eu e sementes, eles", brinca o compositor. Nos dias 31/7 e 1.º de agosto, o Mestre estará na Choperia do Sesc Pompéia. Festejos - Mestre Salustiano acaba de chegar ao Brasil depois de uma temporada internacional bem-sucedida, primeiro na França e, recentemente, nos EUA. Ele mal pôde descansar entre uma viagem e outra. Para a França, ele embarcou no fim de maio e retornou ao Brasil no início de julho, período que compreende as festas juninas. Apesar da felicidade de mostrar forró e coco para quem nunca tinha ouvido nem sequer falar nesses ritmos, o mestre confessa ter sentido muita falta dos festejos de São João enquanto esteve entre os franceses. "Senti saudade da quentura da nossa terra, do pé de moleque, da canjica, do bode assado. Uma saudade tremenda." Nos EUA, o instrumentista foi um dos convidados do último dia do Lincoln Center Festival (ler ao lado). Este ano, o evento destacou os ritmos brasileiros, principalmente aqueles produzidos no Nordeste. Passaram pelo La Guardia Concert Hall nomes como Mestre Ambrósio, Selma do Coco, Mundo Livre, Timbalada, Carlinhos Brown, entre outros. No domingo, Mestre Salustiano subiu ao palco com seus músicos e, no final, deu uma canja no show de DJ Dolores, a convite do próprio disc-jóquei conterrâneo. "Foi uma das melhores apresentações que já fiz, um sucesso total", gaba-se. "Os americanos ficaram encantados." Foi a primeira vez em que esteve nesses dois países. Fundador do grupo de maracatu Piaba de Ouro, ele é um alegre pai de 15 filhos. "O mais novo tem 3 meses e o mais velho, 33 anos." Alguns deles já seguem seus passos. Como ele próprio um dia resolveu seguir os passos do pai. Com João Salustiano, de 85 anos, seu pai, Mestre Salu aprendeu a arte da rabeca ainda criança. As três gerações do clã Salustiano encontraram-se no terceiro CD do mestre, intitulado justamente Família Salustiano - As Três Gerações. (© O Estado de S. Paulo) Artista é um dos destaques de série brasileira nos EUA Mestre Salustiano foi uma das boas atrações do Festival do Lincoln Center JON PARELESThe New York Times NOVA YORK - Nunca houve uma fronteira clara entre o fim da tradição e o começo do pop e a série brasileira do Festival do Lincoln Center só reforçou esta idéia. Três apresentações no La Guardia High School Auditorium uniram representantes de tradições locais com modernos, assim como máscaras, tambores e danças conectaram novas canções a seus antepassados. A principal atração da noite de sexta-feira foi Mestre Ambrósio, uma banda que usa instrumentos rurais e melodias populares em canções decisivamente modernas. Eles mergulham nas tradições de Pernambuco, mas não há nenhuma poeira de arquivo em sua música: à medida que membros da banda cantavam e dançavam, as canções transformavam pensamentos ambiciosos em puro entusiasmo. O cantor Vanildo de Pombos e sua banda abriram o seu show com forrós efervescentes, conduzidos pelo triângulo e pelo acordeão. Sua música viva, dinâmica, mas monocromática, soando áspera pelo sistema de som, pediu, no entanto, por um arranjo mais casual, como o de um clube. O show de sábado de Carlinhos Brown, uma das maiores estrelas brasileiras, começou com cantos similares às canções rituais do Candomblé. Foram interpretadas pelo cantor Seu Caramba, os percussionistas mascarados Gang Ogan e pelas Filhas de Zazi. Em seguida, houve um pequeno set do Hip Hop Roots, olhando não para o sul do Bronx, mas para a África. Brown é de Salvador, Bahia. E sua música tem o caráter cosmopolita de uma cidade portuária. A percussão é que define muitas canções: tambores surdos para samba, as cordas do berimbau baiano, os timbales da salsa, as castanholas do flamenco, o triângulo do forró. Elas são cheias de um sentimento "paz e amor", mas suas letras também permitem associações livres e insinuações poéticas. O programa duplo de domingo com Mestre Salustiano e o grupo de D.J. Dolores reuniu pai e filho. Mestre Salustiano tocou rabeca com sonoridades retiradas da Pernambuco rural. Um de seus filhos, Maciel, mora em Recife, onde toca rabeca com D.J. Dolores e a Orquestra Santa Massa. Dolores usa um computador para gerar linha s de baixo e batidas eletrônicas, enquanto a rabeca e as vozes podem se transformar em faixas dançantes ou de rock new wave. Traça um paralelo entre o maracatu e as celebrações do carnaval com a intoxicação de uma rave. E, quando Mestre Salustiano voltou ao palco e se uniu a D.J. Dolores, a música só ficou mais dançante, sem nenhuma indicação de um buraco entre gerações. (© O Estado de S. Paulo) Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)
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