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20/09/2003
Tese sustenta que é inválida a proibição do filme "Di", em que Glauber Rocha registra o enterro de Di Cavalcanti SILVANA ARANTES No cartaz em papel ofício, uma seta para a direita indica o caminho que leva ao auditório Paulo Emílio Salles Gomes. A sinalização improvisada é uma cortesia com os visitantes que, não habituados à arquitetura da Escola de Comunicações e Artes da USP, percorreriam seus corredores na manhã daquela quinta (4/9), em busca da atração anunciada: "Di-Glauber: Filme como Funeral Reprodutível". Trata-se da tese de mestrado desenvolvida pelo advogado José Mauro Gnaspini, 30, com a orientação do professor Rubens Machado e o potencial de provocar conseqüências muito além do mundo acadêmico. Gnaspini questiona a validade da decisão judicial que, em 1981, proibiu exibições públicas do filme "Di", no qual o cineasta Glauber Rocha (1939-1981) registra o enterro do artista plástico Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976). A interdição foi solicitada por Elizabeth Di Cavalcanti, filha do artista -um dos mais célebres modernistas brasileiros-, que considerou profanatória a atitude do cineasta no enterro de seu pai e a obra que dali resultou. A herdeira de Di Cavalcanti venceu ação em que pedia indenização por danos morais. Segundo Gnaspini, o valor pago pela Embrafilme (co-produtora e distribuidora de "Di") equivaleria hoje a aproximadamente R$ 400 mil. No filme, de 18 minutos, Glauber mostra imagens do velório de Di (no Museu de Arte Moderna, no Rio) e de seu enterro (no cemitério São João Batista), ao som de sambas nas vozes de Paulinho da Viola e Jorge Ben e de um discurso em que repassa sua relação com o artista, analisa a obra de Di no contexto brasileiro e mundial e narra o que seriam pensamentos além-túmulo: "Di por Di. Sou um gênio, uma glória nacional, não encham o meu saco". No processo contra "Di", a defesa foi feita pela Embrafilme, que era responsável pela comercialização da obra. Eis aí, segundo Gnaspini, uma falha que torna a sentença de proibição ineficaz. "Um processo só vale se for regularmente constituído, contra a parte certa", diz o advogado. Gnaspini argumenta que o questionamento sobre "Di" é de ordem moral, questiona o teor da obra, e não uma questão patrimonial (pela qual a Embrafilme poderia responder, como detentora dos direitos de exibição). Sendo a obra considerada uma extensão da personalidade do artista, a participação do autor seria imprescindível em sua defesa, diz Gnaspini em sua argumentação. "Glauber Rocha foi privado de um bem -sua obra- sem jamais ser ouvido em juízo, não teve direito ao contraditório." De acordo com o advogado, não é sequer necessária uma nova manifestação da Justiça, declarando nula a sentença. "Você não precisa retirar do mundo jurídico o que nunca entrou", afirma. Como consequência desse raciocínio, o filme poderia ser exibido, sem que isso significasse desrespeito à lei. "Minha tese não libera o filme, até porque ele nunca esteve proibido. Meu trabalho joga luzes sobre uma questão que ficou obscura", diz Gnaspini. Na opinião do advogado Marcos Bitelli, especialista em direito da comunicação, "se o diretor não foi chamado a se defender no processo, a rigor, existe um problema de eficácia da sentença". Bitelli diz que "é possível que os herdeiros de Glauber Rocha coloquem o filme para ser exibido, sem ferir a sentença, porque não foram partes no processo. Mas nada impede que os herdeiros de Di Cavalcanti repitam a ação, com relação à preservação da imagem, da honra ou da intimidade". "Vamos averiguar a veracidade legal do que atesta a tese", diz João Rocha, filho de Glauber Rocha. Ele diz que a família do cineasta não quer "entrar em atrito com dona Elizabeth [Di Cavalcanti]" nem objetiva ter lucro com eventuais exibições do filme, que ficariam restritas ao circuito não-comercial, de escolas e cineclubes. "Mas se é direito nosso [exibir o filme], vamos correr atrás dele. Até porque "Di" é um patrimônio cultural, não pertence a nós, mas ao povo brasileiro", diz Rocha. Carlos Roberto Souza, curador do acervo da Cinemateca Brasileira, onde as cópias do filme estão depositadas, diz que a procuradoria jurídica da instituição está lendo a tese. (© Folha de S. Paulo) Herdeira de Di reafirma validade da proibição DA REPORTAGEM LOCAL Folha - Qual é sua opinião sobre a tese de José
Mauro Gnaspini e como reagiria se o filme passasse a ser exibido? Folha - Pretende entrar com nova ação, desta vez
dirigida aos responsáveis pelo espólio do cineasta Glauber Rocha, pedindo a proibição
do filme? Folha - Gnaspini diz também que, em decorrência
da falha na instalação do processo, seria possível pedir a devolução da indenização
paga. Como avalia essa afirmação? Folha - Gnaspini afirma que o fato de o velório de
Di Cavalcanti haver sido realizado em local público demonstra que a família atendeu ao
interesse da população em prestar suas últimas homenagens ao artista e, dessa forma,
abriu mão de uma cerimônia íntima e privada. Por isso, estaria descaracterizado o ato
de profanação. Como reage a essa afirmação? Folha - Por que a sra., no decorrer do processo,
tomou a decisão de retirar a queixa específica contra o cineasta Glauber Rocha e
suspender o pedido de destruição do filme, limitando sua solicitação à proibição
das exibições? (© Folha de S. Paulo) Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)
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