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 Obra de Francisco Julião é relançada

 

 

 

Francisco julião
 

Sob tortura, uma confissão. De amor. Foi durante os 45 dias em que esteve preso na Segunda Companhia de Guardas, no Recife, durante a ditadura militar, que o advogado, político e escritor pernambucano Francisco Julião escreveu sua mais bela carta de amor. Apesar das várias mulheres que teve na vida, as palavras são para a filha, a terceira filha, Isabela, que na época tinha 40 dias de vida e o pai ainda não a conhecia. Ela nasceu de um caso que Julião teve com Regina, uma camponesa que no livro é chamada de Eneida, em Brasília, enquanto estava refugiado. Esse registro tem o nome de Até quarta, Isabela! e ganha pela Bagaço sua terceira edição.

Durante a época em que esteve preso, considerado agitador, em 1964, Francisco já havia sido eleito deputado federal por Pernambuco, dois anos antes. Além de uma confissão extremamente apaixonada, o livro revela a dura realidade que Francisco enfrentava em uma cela mínima, onde não conseguia, ao menos, deitar. Com seu mandato parlamentar cassado e seus direitos políticos suspensos, além de detalhes da sua vida pessoal e política até o momento que finalizou o texto.

Em cárcere, para conseguir escrever, ele trocou o único dinheiro que tinha - uma nota de cruzeiros velhos escondida na dobra de uma das pernas da calça - com o soldado que fazia a guarda. No dia seguinte, ele trouxe um maço de papel e uma esferográfica. Escrita aos poucos, os papéis saíam da prisão dentro da tampa da garrafa de leite que a irmã de Francisco Julião trazia. E, pela ordem cronológica, ela foi organizando a carta.

“Todos que conviveram com ele e estiveram, de alguma forma, ligados à luta e à carreira dele pediam uma nova edição desse livro”, explica Anatólio Julião, filho do político, que assina a apresentação e trabalha na organização desse relançamento há um ano e meio. Anatólio ainda escolheu as fotos que abrem e fecham o livro. “Selecionei a foto da formatura e a do dia em que ele foi preso. Considero-as emblemáticas, como início e a pausa da sua luta a favor de seus interesses, que eram os interesses dos camponeses”.

Reconhecido e lembrado pela liderança, em 1955, das Ligas Camponesas, organizações cujo objetivo era lutar pela distribuição de terras e os direitos para os camponeses e pelos trabalhos em torno da consciência camponesa e reforma agrária. Apesar disso, Francisco Julião manteve sempre uma relação, apesar de tímida, com a literatura, marcada com dois livros. A estréia aconteceu em 1951, com Cachaça, uma coletânea de contos com temática nordestina, porém com um alto teor caricatural, como analisou o, na época, amigo Gilberto Freyre. Já como deputado escreveu o romance Irmão Juazeiro, em 1961, que trata de um conflito envolvendo um latifundiário e um camponês. “Apesar da militância política sempre ter falado mais alto na vida do meu pai, ele nunca se conformou em não ter se realizado, de fato, como escritor”, lembra Anatólio.

Lançado originalmente em 1965, Até quarta, Isabela! ganhou sua segunda edição 21 anos depois, com o prefácio escrito pelo próprio Francisco Julião, quando voltou do México, onde esteve exilado. Para ele, essa seria sua edição definitiva e tomou os cuidados de revisar minuciosamente todo o texto. Entre a carta e o testamento político, o livro relfete um sentimento extremo confessado numa situação extrema.

(© JC Online)
 

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