Filme feito por sua viúva Paula
Gaitán será exibido no Itaú Cultural
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
A preservação da memória de perdas precoces que atingiram o cinema
brasileiro nos anos 70 e 80 passa, em boa medida, por empreendimentos
familiares. Foi assim com o projeto de restauração da obra de Joaquim
Pedro de Andrade (1932-1988) pelos filhos Alice, Antonio e Maria, e com
o recente documentário "Person", que Marina Person dedica ao pai, Luís
Sérgio (1936-1976).
A passagem de
Glauber Rocha (1939-1981) por Cuba, de novembro de 1971 a dezembro de
1972, já havia sido recuperada por seu filho Eryk em "Rocha que Voa"
(2002). Agora, os últimos meses de vida do cineasta, em Portugal, são
reconstituídos com intensa poesia por sua viúva, a fotógrafa e artista
plástica Paula Gaitán, em "Diário de Sintra".
Premiado na quinta edição do Rumos Cinema e Vídeo do Itaú
Cultural, o longa será exibido hoje, às 20h, na abertura da exposição
"Imagem da Imagem", e será reprisado sábado e domingo, às 19h30, no
próprio Itaú Cultural (av. Paulista, 149, tel. 0/xx/11/ 2168-1776). Ele
integra ainda a mostra competitiva de documentários da Première Brasil
do Festival do Rio, que começa no dia 20.
Mais do que complementares, exposição (em cartaz até o
dia 23) e filme são indissociáveis. As fotos do acervo pessoal de Paula,
sobre o cotidiano da família em Sintra, mostram Glauber, Eryk e Ava,
filhos do casal, em uma espécie de refúgio caloroso que se tornaria
premonitório de um tempo que se esgotava rapidamente -eles se instalaram
em Portugal em fevereiro de 1981, e Glauber morreria em agosto, no Rio.
No documentário, essas imagens constituem literalmente as
folhas da árvore a partir da qual Paula funde passado e presente. Além
das fotos, ela usa filmes caseiros e gravações em áudio do período. Em
uma delas, Glauber fala da morte e, ao resumir vida e obra, orgulha-se
do que fez ("nunca enganei ninguém"), mas diz querer mais.
"Diário de Sintra" retorna ainda a Portugal em busca de
vestígios da passagem da família, na memória de lugares e de pessoas.
Com a montagem, cria espaços e emoções atemporais, na busca por traduzir
em imagens e sons o que fica dos que se vão dentro de cada um de nós.