Antônio Ignácio, o
Moreno, e Durvalina, a Durvinha, ex-cangaceiros
Jovina Maria da Conceição Souto, ou Durvalina Gomes de Sá, morreu
aos 93 anos
Eduardo Kattah
Considerada uma das últimas cangaceiras do bando de
Virgulino Ferreira, o Lampião, Jovina Maria da Conceição Souto, de
93 anos, a Durvinha, morreu no sábado, em Belo Horizonte (MG), após
sofrer um acidente vascular cerebral (AVC). Seu corpo foi enterrado
na tarde de anteontem no Cemitério da Consolação.
Durvinha vivia em Minas havia cerca de 70 anos, quando se refugiara
com o marido, o também cangaceiro José Antônio Souto, de 98 anos,
conhecido como Moreno. O casal chegou ao Estado no final da década
de 1930, após fugir dos ataques da Polícia Militar de Alagoas, que
dizimou o grupo de Lampião - morto em 1938.
Após quatro meses de fuga, margeando o Rio São Francisco, eles se
estabeleceram na cidade de Augusto de Lima, na região central de
Minas, adotaram novas identidades e prosperaram como vendedores de
farinha. Durvinha, na verdade, era Durvalina Gomes de Sá; e Moreno
se chamava Antônio Inácio da Silva.
No final da década de 1960, o casal foi viver em Belo Horizonte. O
segredo foi revelado aos filhos somente há pouco menos de três anos,
em outubro de 2005, depois de um dos seis filhos do casal, a
funcionária pública municipal Neli Maria da Conceição, de 56 anos,
descobrir o paradeiro do irmão mais velho - Inácio Carvalho
Oliveira, que nasceu ainda no cangaço e foi deixado pelos pais em
fuga.
Mesmo com dificuldades para andar e se recuperando de cirurgia,
Moreno acompanhou o sepultamento da companheira e demonstrou
resignação. "Ele é uma fortaleza incrível, mesmo com 98 anos",
comentou ontem Neli. "Na minha cabeça, minha mãe era eterna, eu não
esperava que ela fosse morrer." Segundo a filha, na manhã de sábado,
a mãe apresentou fortes dores de cabeça e reclamou de tonturas. Ela
foi levada a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde faleceu.
Durvinha nasceu em 1915, num povoado que hoje pertence à cidade de
Paulo Afonso, na Bahia. Costumava dizer que decidiu entrar para o
bando de Lampião por ter se apaixonado por seu cunhado, o cangaceiro
Virgílio. Ela se juntou a Moreno depois que Virgílio morreu em um
combate, em 1936. "Fiquei com ela depois de enterrar o Virgílio",
disse Moreno à filha. Com o ex-companheiro, a cangaceira dizia que
teve dois filhos, mas, após fugir do sertão nordestino, nunca mais
teve notícias deles.
SEGREDO
Emocionada pela perda da mãe, Neli recordou a insistência com que
cobrava a revelação do segredo que os pais guardavam. "Hoje, tenho
até arrependimento por ter brigado muito com minha mãe, por ter
discutido muito com ela para que me contasse sobre a nossa família e
me desse conta do meu irmão. Que segredo era esse? Eu via minha mãe
envelhecendo, acabando. E ela falava: ?esse segredo tem de ser
encerrado na mesma sepultura?", lembra.
A funcionária pública conseguiu "arrancar" a verdade dos pais
somente depois de localizar o irmão mais velho, que foi criado por
um padre e, adulto, mudou-se para o Rio. "Aí eu apertei meu pai, que
confirmou: ?Esse buraco que sua mãe tem na perna, isso foi tiro, foi
bala que ela ganhou.? Eu nunca imaginava e na época chorei muito",
lembrou ontem.
Segundo Neli, recentemente foi descoberta uma ex-cangaceira do bando
de Lampião, que vive em Paulo Afonso, na Bahia. Com mais de 90 anos
e identificada como Aristéia, ela seria a última mulher do
movimento. "Mas ela ficou poucos dias no cangaço", ressaltou a filha
de Durvinha.
Dois sertanejos simples durante anos caminharam pelo
sertão brasileiro fazendo parte do grupo de um dos maiores ícones do
imaginário popular do país, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. A
história desses personagens, Antônio Ignácio da Silva e
Durvalina Gomes de Sá, é contada no livro
"Moreno e Durvinha - Sangue, Amor e Fuga no Cangaço", que o pesquisador
João de Sousa Lima lança hoje, em Belo Horizonte.
Cangaceiros do bando liderado por Virgílio, homem de confiança de
Lampião, Moreno e Durvinha migraram para Belo Horizonte, nos anos 40,
fugindo do cerco policial que, após a captura e morte do Rei do Cangaço,
caçava impiedosamente os remanescentes dos grupos pelo sertão sergipano.
"Se não estivéssemos fugido de lá, com certeza não estaríamos aqui
hoje", diz Durvinha.
Animada com o lançamento do livro, ela recorda-se com carinho da
época de cangaço. "Não posso me queixar dos amigos do sertão. Éramos
muito próximos. Maria Bonita, por exemplo, era muito bondosa e
divertida", lembra, com a experiência de quem já passou por muitas
dificuldades. "Cresci no mato. Trabalhamos muito, isolados e escondidos,
para chegar até aqui", conta. Aos 97 e 92 anos, respectivamente, Moreno
e Durvinha são alguns dos poucos sobreviventes dos tempos do cangaço.
AGENDA - Lançamento do livro "Moreno e Durvinha -
Sangue, Amor e Fuga no Cangaço", de João de Sousa Lima. Editora Fonte
Viva, R$ 25.