Dentre os artistas plásticos de Pernambuco, um, em especial, se
destaca pelo sentido espiritual de sua obra, cujas imagens captadas
pelos olhos de quem as contempla vai, por vezes, ecoar no mais profundo
dos sentimentos, levando o expectador a meditação e ao devaneio.
Zuleno da Veiga Pessoa, pernambucano de Pesqueira, nascido em 2 de
agosto de 1915, consegue com a sua forma de ser, ao longo desses noventa
anos, mexer com as emoções mais recônditas de qualquer descrente. Desde
o tempo em que era ilustrador do Jornal do Commercio do Recife, entre os
anos de 1950 a 1970, ele já mostrava em seus pequeninos bicos de pena,
publicados no Suplemento Cultural e mesmo em outras secções, o dedo de
gigante do artista dos nossos dias.
Somente ele conseguia transmitir com as suas imagens a emoção de um
poema, o sentimento de uma crônica, ou o retratar de uma época,
transformando os suplementos dos domingos em verdadeiros álbuns de arte,
ainda no tempo da clicheria de Lauro Telles. Quando da inauguração do
novo prédio da Televisão Jornal do Commercio, na Rua do Lima, Zuleno,
atendendo solicitação do jornalista F. Pessoa de Queiroz veio pintar
grandes painéis que passaram a decorar os vários ambientes, passando
depois a produzir outros quadros para as salas da diretoria no edifício
sede da Rua do Imperador.
Continuou servindo à redação e ao comercial por vários anos, até que,
no final dos anos sessenta, veio a ser convidado pelos organizadores de
um calendário da Pirelli, a participar da publicação que reunia nomes
consagrados nas artes plásticas, a exemplo de Lula Cardozo Ayres e Di
Cavalcanti. A partir de então se familiarizou com os pincéis e as
tintas, utilizando-se do esmalte industrial, técnica admirada até pelos
mais entendidos, vindo a se consagrar, em 1979, com o convite de Pietro
Maria Bardi para uma individual no Museu de Arte de São Paulo – MASP,
naquele ano. A partir de então, passou a receber comentários elogiosos
da crítica especializada do país, tornando suas obras presentes nos
catálogos de conhecidas galerias do Rio de Janeiro e São Paulo.
Os quadros de Zuleno são, em suas diversas fases, formados por
figuras femininas esguias, mais parecendo transplantadas de suntuosos
salões do século XIX; casario característico do bairro recifense de São
José; cavaleiros magros e longilíneos, como que transplantados das telas
de Goya; imagens cubistas, como que inspiradas na obra de Vicente do
Rego Monteiro; velhos portões e personagens diáfanas como se fossem
“assombrações do Recife antigo”, lembrando as crônicas de Gilberto
Freyre ilustradas por Lula Cardozo Ayres; figuras de passistas e de
rodas dos terreiros de Xangô, se contrapondo com imagens de São
Francisco de Assis, cercadas de peixes e de pássaros, e a presença
constante do Cristo com os seus seguidores. Trata-se de uma obra madura,
cheia de originais criações, traços de colorido singular obtidos, por
vezes, com tintas industriais e automotivas.
Este é o Zuleno Pessoa, tão leve como uma pluma no ar; tão enigmático
como o Santo de Assis; traduzindo nos seus quadros ensinamentos
aprendidos nos Evangelhos ou mesmo personagens que habitam os seus
devaneios.
Zuleno consegue elaborar, com a sua ótica de vida e o amor construído
ao lado de sua Julieta, uma galeria de figuras que saem dos seus pincéis
como se estivesse surgindo de antológicos contos de fadas.