José TelesNo dia 13 de julho de 1985, 1,5 bilhão de pessoas, assistiram
pela TV ao mais bombástico show da história do rock, o Live Aid, evento
organizado pelos músicos Bob Geldof e Midge Ure, com o objetivo de arrecadar
dinheiro para a Etiópia. Os shows, que reuniram praticamente todos os astros
do rock dos EUA e Inglaterra aconteceram no Estádio Wembley, em Londres (com
a presença de 72 mil pessoas) e no Estádio JFK na Filadélfia (com uma
platéia de 90 mil pessoas). Alguns dos artistas vistos pela TV,
apresentaram-se em Sidney, Moscou e Japão.
Não importa que o alimento comprado com o que foi arrecadado, cerca de
150 milhões, em um único dia, tenha em grande parte se estragado, por conta
da burocracia do governo etíope, a data do Live Aid foi oficializada como o
Dia Mundial do Rock.
Hoje haverá, mundo afora, celebrações à música surgida em 1954 nos
Estados Unidos e que chegou no Brasil quase que simultaneamente, marcando a
vida de muitos brasileiros. No Recife, por exemplo, a data é lembrada com um
show com cinco bandas independentes da novíssima geração – Antiquarta,
Delamancha, Paisagem do Caos, Radio Wega e Trajetoria – a partir das 17
horas, no Pátio de São Pedro, com acesso gratuito.
Ao contrário de outros gêneros, o rock and roll não se tratava tão
somente de uma música. Era também uma forma de comportamento. Depois de Rock
around the clock, com Bill Haley and his Cometes, que entrou aqui na trilha
do filme Semente da violência (Blackboard jungle, de Richard Brooks, 1955),
a juventude jamais seria a mesma. “Minha primeira lembrança do rock and roll
é meu pai e minha mãe dançando Rock around the clock na sala de casa”,
revela o recifense Lula Cortês, 59 anos. Poucos músicos no País encarnaram
mais o espírito do rock and roll do que este inquieto cantor e compositor,
que está na estrada desde os anos 60.
Ainda adolescente ele foi para São Paulo, em plena Jovem Guarda (chegou a
fazer a capa de um dos discos do Jet Blacks um dos principais grupos do
iê-iê-iê instrumental). “Nesta época, um amigo meu, Luís, que era filho de
um embaixador, me apresentou coisas mais undergrounds, descobri a literatura
dos beats, até que cheguei aos Rolling Stones”, conta Lula, que foi morar em
seguida em Minas Gerais, e participou de dois grupos, o TNT4 e o Capeta 5.
“Não era iê-iê-iê. No segundo grupo a música já era autoral”.
No começo dos anos 70, Lula Côrtes viajou pela primeira para a Europa,
onde assistiu, em Bordeaux, na França, a um show da turnê do disco Paranoid,
do Black Sabbath, (para ele o melhor show de rock que viu ao vivo),
estendendo a viagem até o Marrocos. De volta trouxe para casa, a cítara que
tem até hoje, e discos de Jimi Hendrix, Cream, a nata da psicodelia da
época. “ A partir daí comecei a curtir drogas e rock. Acho que os dois têm
tudo a ver, embora o rock independa das drogas. Usei de todo tipo. Hoje, por
motivo de saúde, não uso mais, porém o rock sendo continua minha forma de
viver”, confessa.
Lula define o rock como a “expressão mais espontânea, mais vivencial,
mais corpórea de um ritmo”. O artista que lançou discos antológicos como
Satwa (com Laílson), o lendário Paêbirú (dividido com Zé Ramalho), o
raríssimo O gosto novo da vida (retirado de catálogo pela gravadora Ariola,
mal foi lançado em 1980), fez parte da banda de forrorock de Alceu Valença,
em 1976, diz que para ele o rock é tudo: Podem achar que a música que eu
faço está mais para a MPB, mas é rock, ou melhor, o que eu faço é RPB, rock
popular brasileiro.”
Se o Black Sabbath de Paranoid foi o grande show a que assistiu, a
Rolling Stones é a banda que melhor traduz o rock and roll. “A melhor música
de rock de todos os tempos para mim é Sister Morphine” (música dos Stones,
do álbum Stick Fingers, de 1971), dizx. Dos roqueiros pernambucanos, para
Lula Cortês, o guitarrista Xandinho, Má Companhia, é o que mais vive o sonho
do rock and roll: “Ele e a Má Companhia são o símbolo do rock em Pernambuco.
Nos conhecemos nos anos 80, no antigo Sushi Bar,de Marcelo Mesel (que ficava
num casarão ao lado da sede do Sport, na Ilha do Retiro). Desde então a
maioria dos trabalhos de Lula tem sido realizados com a Má Companhia.
Mesmo com mais de meio século de existência, o rock and roll ainda é
visto por muitos como uma expressão musical para adolescente, embora Chuck
Berry, um de seus pais, tocou no mês passado no Rio e São Paulo com 81 anos.
Uma visão equivocada, para Lula Cortês. “Desde Bob Dylan, nos anos 60, que o
rock não é mais coisa de garoto. Basta prestar atenção nas letras.O rock é
uma música atemporal, um camaleão, que vai tomando a forma de cada época”.