Vida e obra do escritor
pernambucano será tema de um documentário e três curtas-metragem a ser
realizado pela Massangana Multimídia
Schneider CarpeggianiNão é fácil montar o quebra-cabeças deixado por Hermilo Borba Filho
(1917/1976). O extenso raio de atuação da sua obra explica bem a razão: ele
foi dramaturgo, contista, romancista, tradutor, pesquisador, cronista,
professor universitário... Dentro do ciclo de homenagens pelos seus 90 anos
(iniciado ano passado), a viúva Leda Alves se aliou à Fundaj num projeto que
dará vida a um documentário e três curtas. A retomada audiovisual de Hermilo
tem à frente a documentarista Carla Denise, coordenadora de direção e
criação da Massangana Multimídia.
“O projeto faz parte de um convênio que firmei com a Fundaj. Doarei toda
a obra de Hermilo para a Fundação e ela fará o registro em vídeo desse
material”, explicou Leda Alves. A idéia de registrar em vídeo o legado de
Hermilo partiu do responsável pela Editora Massangana, Mario Hélio, que
propôs o projeto à Fundação há três anos.
O documentário, ainda sem título, terá 26 minutos e teve suas primeiras
imagens registradas ano passado, durante montagens dos textos do autor.
Entre elas, O palhaço Jurema e os peixinhos dourados, versão teatral do
conto O palhaço, com direção de arte de Marcondes Lima. Atualmente, Carla
Denise (também responsável pelo roteiro do documentário) está em processo de
pré-locação das imagens. “Estamos colhendo imagens de pessoas que
trabalharam com Hermilo. O importante é dar um panorama geral da sua obra”,
destaca Carla.
A equipe de Carla enfrenta a falta de material em vídeo de Hermilo. “O
único registro que eu consegui dele foi uma entrevista, da década de 70, que
ele concedeu para o Serviço Nacional de Teatro, numa entrevista para a
Funarte. Dessa entrevista, eu pelo menos consegui uma cópia em DVD”,
destacou.
Carla e uma equipe têm feito visitas constantes ao apartamento de Leda
Alves para colher dados para o projeto. “Está sendo incrível a experiência
de organizar esse trabalho. Quando eu vou para a casa de Leda percebo o
ótimo projeto que tenho nas mãos, porém todo o acervo de informações de
Hermilo está muito disperso”, destacou a diretora.
Quando assumiu o projeto, a primeira coisa que Carla fez foi pesquisar
nas livrarias o acervo disponível do autor. Voltou decepcionada. “Só
encontrei uns três livros de Hermilo. Isso é irrisório diante da produção
dele”.
Carla tem procurado reunir o maior número de curiosidades possíveis sobre
Hermilo. “Ele nos anos 70, pelo que pesquisei, foi o primeiro escritor
brasileiro a fazer uma cirurgia do coração. Este é um procedimento comum
hoje em dia, mas não nos anos 70. Hermilo escreveu um texto sobre a
experiência, que deve ser um barato”, revela. Uma outra curiosidade é o
livro Orgia, do argentino Tulio Carella, que Hermilo traduziu e publicou e
hoje em dia é raridade. A obra conta o underground sexual do Recife em plena
ditadura militar. “Ainda quero colocar as mãos nesse livro”, aposta Carla.
Além do documentário, o projeto terá mais três curtas, que irão
pormenorizar aspectos da produção de Hermilo. Segundo Carla, a idéia é
terminar todo o projeto até o final deste ano.
REEDIÇÕES
Aos poucos, a obra de Hermilo Borba Filho volta a circular. A Editora
Massangana tem lançando a obra ensaística do autor. “Lançamos Espetáculos
populares do Nordeste, do qual preparamos agora uma edição especial, e
Diálogo do encenador, este em co-edição com a Bagaço. Vamos lançar também um
longo trabalho de campo que ele fez na própria Fundação Joaquim Nabuco sobre
o artesanato, o título é Cerâmica Popular do Nordeste”, destaca Mario Hélio.
Segundo Leda Alves, a Bagaço publicará a obra ficcional de Hermilo, mas
ainda não há uma data para o início do projeto. O começo será com a
tetralogia Um cavalheiro da segunda decadência, formada por Margem das
lembranças, A porteira do mundo, O cavalo da noite e Deus no pasto.
Hermilo Borba Filho (Engenho Verde,
Palmares PE 1917 - Recife PE 1976). Dramaturgo, encenador, professor,
crítico e ensaísta. Fundador do Teatro do Estudante de Pernambuco e do
Teatro Popular do Nordeste, é um dos homens de teatro mais atuantes no
Nordeste brasileiroComeça a carreira na década de 30,
trabalhando como ponto do Grupo Gente Nossa, de Samuel Campelo, em
Pernambuco. Na década de 40, ingressa no Teatro de Amadores de Pernambuco,
TAP, traduzindo peças e atuando nos espetáculos. Insatisfeito com a linha de
repertório do grupo, funda, em 1945, o Teatro do Estudante de Pernambuco,
TEP, escolhendo para a estréia uma peça antinazista, O Segredo, de
Sender, em 1946 e, no ano seguinte, O Urso, de Anton Tchekhov. Mais
tarde, o TEP monta uma barraca em praça pública, onde realiza vários
espetáculos, entre eles, as primeiras peças de Ariano Suassuna e do próprio
Borba Filho.
Em 1950 vai para São Paulo, onde
trabalha como jornalista, diretor de teatro e faz parte da Comissão Estadual
de Teatro. Volta para o Recife, nos anos 60, e funda o Teatro Popular do
Nordeste, com o objetivo de abrir caminho para a profissionalização do
teatro em sua região.
Na capital pernambucana, dirige,
entre outras, A Farsa da Boa Preguiça, A Pena e a Lei,
Processo do Diabo, A Caseira e a Catarina, peças de Ariano
Suassuna, encenadas em 1960. A dificuldade financeira interrompe a
atividade.
Hermilo Borba Filho funda, então, o
Teatro de Arena do Recife, onde encena Marido Magro, Mulher Chata, de
Augusto Boal, 1960, e Eles Não Usam Black-Tie de Gianfrancesco
Guarnieri, 1961.
Em 1966, retoma as atividades do TPN
com O Inspetor, recriação de O Inspetor Geral, de Nicolai
Gogol, a partir da teatralidade e das técnicas das festas populares
nordestinas. Dirige em seguida O Santo Inquérito, de Dias Gomes, e
Inimigo do Povo, de Henrik Ibsen, ambos em 1967, e Dom Quixote,
de Antonio José, o Judeu, 1969. No ano seguinte, encena Cabeleira Vem Aí,
de Silvio Rabelo, Bum, de Osman Lins e José Bezerra, Município de
São Silvestre, de Aristóteles Soares, O Pagador de Promessa, de
Dias Gomes, O Cabo Fanfarrão, de Hermilo Borba Filho, Antígona,
de Sófocles, e Andorra, de Max Frisch.
Para contornar o déficit permanente
da companhia, Borba Filho tenta atrair os operários e os estudantes, faz
convênios com entidades do comércio e da indústria, mas não consegue pagar
as dívidas e fecha o teatro de 90 lugares.
Em entrevista para o Serviço
Nacional de Teatro, SNT, questionado sobre se algum dia ganhou dinheiro com
teatro, Hermilo Borba Filho se refere à montagem de
Dercy Gonçalves para sua versão de A
Dama das Camélias como exemplo único, e acrescenta: "mas, de repente,
verifiquei que a prostituição era muito pesada, e parei".1
Em 1957, recebe prêmio como diretor
revelação pela Associação Paulista de Críticos Teatrais, APCT, com a peça
Auto da Compadecida, de Ariano
Suassuna. Entre 1959 e 1968, é sucessivamente premiado como diretor pela
Associação de Críticos Teatrais de Pernambuco.
Exerce atividades culturais
em muitas entidades: Serviço Nacional de Teatro, Secretaria de Educação e
Cultura de São Paulo, Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco,
Escolinha de Arte do Recife, Centro Cultural Luiz Freire. Na Universidade
Federal de Pernambuco, cria e ministra a cadeira de história do teatro no
Curso de Arte Dramática, em 1958; funda o Movimento de Cultura Popular -
MCP, com Paulo Freire, Ariano Suassuna e outros; na Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, colabora para a implantação do Curso de Teatro, em
1967; na Universidade Federal da Paraíba, ministra a disciplina de história
do espetáculo; no Centro de Comunicação Social do Nordeste - Cecosne,
leciona história do espetáculo. Em 1969, cria Teatroneco, dedicado ao teatro
de bonecos.
Como crítico de teatro colabora, em
São Paulo, para os jornais Última Hora, Correio Paulistano
e Movimento, além da revista Visão e, em Pernambuco, para
Folha da Manhã, Jornal Pequeno, Diário da Noite, Diário de Pernambuco,
Jornal do Comércio e Jornal da Cidade.
Em 1969, ganha o título de Chevalier
de L'Ordre des Arts et des Lettres, outorgado pelo governo da França.
O trabalho de Hermilo Borba Filho,
nos grupos que funda, é o de criar um caminho para buscar um espetáculo
nordestino, com uma estética épica, baseada nos folguedos populares. Em
conferências, artigos e nos diversos livros que publicou, relê as teorias
universais do teatro a partir da ótica das manifestações festivas do
Nordeste. Depois do primeiro livro teórico, publicado em 1947, Teatro,
Arte do Povo e Reflexões sobre a Mise-en-scène, volta a escrever nos
anos 60, publicando, entre outros: Teoria e Prática do Teatro, 1960,
Diálogo do Encenador, 1964, Espetáculos Populares do Nordeste
e Fisionomia e Espírito do Mamulengo, ambos em 1966, Apresentação
do Bumba-Meu-Boi, 1967, e História do Espetáculo, 1968. Seus
estudos sobre a cultura nordestina coincidem com a fundação do TPN, onde ele
coloca em prática a fusão entre o popular e o erudito.
Osman Lins, de quem ele encena uma
peça no TPN, afirma, em artigo para a Revista de Teatro da Sociedade
Brasileira dos Autores Teatrais, que em todos os cargos e funções que
ocupa Hermilo Borba Filho luta pela transformação: "Há por trás de quase
todos esses títulos e iniciativas um combate que passa desapercebido do
público: as incompatibilidades com as funções ou o empenho no sentido de
renová-las".2
Em artigo para o Diário de
Pernambuco, quatro anos após sua morte, Benjamin Santos, ex-integrante
do TPN, escreve: "Durante a fase final de uma montagem, Hermilo já estava
adaptando, traduzindo e concebendo o próximo espetáculo (...). Outras
características do TPN: revezamento de papéis importantes, divulgação do
nome do grupo e não de atores isolados, formação de atores pela montagem
sucessiva de espetáculos em função da estética procurada, incentivo ao
estudo e à reflexão, formação de pessoal paralelo ao palco (cenógrafos,
figurinistas, aderecistas...) (...). Mais importante, porém, que todos esses
aspectos encontrados é a concretização de uma estética do espetáculo. (...)
Em resumo, seria um teatro com o canto, a dança, a máscara, o boneco, o
bicho... uma recriação do espírito popular nordestino (...); o homem
brasileiro posto no palco com toda a sua luta, o sofrimento, a derrota, a
insistência, a vitória; um teatro de intensidade emocional e crítica, um
teatro vivo, aberto, sem a ilusão da quarta parede, permitindo ao público a
compreensão maior de sua própria história. O teatro como um ato político e
religioso a um só tempo. Esta é a busca de Hermilo (...)".3
Notas
1. BORBA FILHO,
Hermilo. (Dossiê Personalidade Artes Cênicas). Rio de Janeiro:
Cedoc/Funarte.
2 . LINS, Osman. O invencível Hermilo, Revista de Teatro, Rio
de Janeiro, julho/agosto de 1976.
3. SANTOS, Benjamin. Por uma história do teatro popular do NE,
Diário de Pernambuco, Recife, 2 de junho de 1980, seção c, página
(©
Enciclopédia Itaú Cultural - Teatro)