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O quebra-cabeças de Hermilo Borba Filho

15/07/2008

 

 

Foto: Acervo Idart/Centro Cultural São Paulo

Hermilo Borba Filho
 

Vida e obra do escritor pernambucano será tema de um documentário e três curtas-metragem a ser realizado pela Massangana Multimídia

Schneider Carpeggiani

Não é fácil montar o quebra-cabeças deixado por Hermilo Borba Filho (1917/1976). O extenso raio de atuação da sua obra explica bem a razão: ele foi dramaturgo, contista, romancista, tradutor, pesquisador, cronista, professor universitário... Dentro do ciclo de homenagens pelos seus 90 anos (iniciado ano passado), a viúva Leda Alves se aliou à Fundaj num projeto que dará vida a um documentário e três curtas. A retomada audiovisual de Hermilo tem à frente a documentarista Carla Denise, coordenadora de direção e criação da Massangana Multimídia.

“O projeto faz parte de um convênio que firmei com a Fundaj. Doarei toda a obra de Hermilo para a Fundação e ela fará o registro em vídeo desse material”, explicou Leda Alves. A idéia de registrar em vídeo o legado de Hermilo partiu do responsável pela Editora Massangana, Mario Hélio, que propôs o projeto à Fundação há três anos.

O documentário, ainda sem título, terá 26 minutos e teve suas primeiras imagens registradas ano passado, durante montagens dos textos do autor. Entre elas, O palhaço Jurema e os peixinhos dourados, versão teatral do conto O palhaço, com direção de arte de Marcondes Lima. Atualmente, Carla Denise (também responsável pelo roteiro do documentário) está em processo de pré-locação das imagens. “Estamos colhendo imagens de pessoas que trabalharam com Hermilo. O importante é dar um panorama geral da sua obra”, destaca Carla.

A equipe de Carla enfrenta a falta de material em vídeo de Hermilo. “O único registro que eu consegui dele foi uma entrevista, da década de 70, que ele concedeu para o Serviço Nacional de Teatro, numa entrevista para a Funarte. Dessa entrevista, eu pelo menos consegui uma cópia em DVD”, destacou.

Carla e uma equipe têm feito visitas constantes ao apartamento de Leda Alves para colher dados para o projeto. “Está sendo incrível a experiência de organizar esse trabalho. Quando eu vou para a casa de Leda percebo o ótimo projeto que tenho nas mãos, porém todo o acervo de informações de Hermilo está muito disperso”, destacou a diretora.

Quando assumiu o projeto, a primeira coisa que Carla fez foi pesquisar nas livrarias o acervo disponível do autor. Voltou decepcionada. “Só encontrei uns três livros de Hermilo. Isso é irrisório diante da produção dele”.

Carla tem procurado reunir o maior número de curiosidades possíveis sobre Hermilo. “Ele nos anos 70, pelo que pesquisei, foi o primeiro escritor brasileiro a fazer uma cirurgia do coração. Este é um procedimento comum hoje em dia, mas não nos anos 70. Hermilo escreveu um texto sobre a experiência, que deve ser um barato”, revela. Uma outra curiosidade é o livro Orgia, do argentino Tulio Carella, que Hermilo traduziu e publicou e hoje em dia é raridade. A obra conta o underground sexual do Recife em plena ditadura militar. “Ainda quero colocar as mãos nesse livro”, aposta Carla.

Além do documentário, o projeto terá mais três curtas, que irão pormenorizar aspectos da produção de Hermilo. Segundo Carla, a idéia é terminar todo o projeto até o final deste ano.

REEDIÇÕES

Aos poucos, a obra de Hermilo Borba Filho volta a circular. A Editora Massangana tem lançando a obra ensaística do autor. “Lançamos Espetáculos populares do Nordeste, do qual preparamos agora uma edição especial, e Diálogo do encenador, este em co-edição com a Bagaço. Vamos lançar também um longo trabalho de campo que ele fez na própria Fundação Joaquim Nabuco sobre o artesanato, o título é Cerâmica Popular do Nordeste”, destaca Mario Hélio.

Segundo Leda Alves, a Bagaço publicará a obra ficcional de Hermilo, mas ainda não há uma data para o início do projeto. O começo será com a tetralogia Um cavalheiro da segunda decadência, formada por Margem das lembranças, A porteira do mundo, O cavalo da noite e Deus no pasto.

(© Diário do Nordeste)


Borba Filho, Hermilo (1917 - 1976)

Hermilo Borba Filho (Engenho Verde, Palmares PE 1917 - Recife PE 1976). Dramaturgo, encenador, professor, crítico e ensaísta. Fundador do Teatro do Estudante de Pernambuco e do Teatro Popular do Nordeste, é um dos homens de teatro mais atuantes no Nordeste brasileiro

Começa a carreira na década de 30, trabalhando como ponto do Grupo Gente Nossa, de Samuel Campelo, em Pernambuco. Na década de 40, ingressa no Teatro de Amadores de Pernambuco, TAP, traduzindo peças e atuando nos espetáculos. Insatisfeito com a linha de repertório do grupo, funda, em 1945, o Teatro do Estudante de Pernambuco, TEP, escolhendo para a estréia uma peça antinazista, O Segredo, de Sender, em 1946 e, no ano seguinte, O Urso, de Anton Tchekhov. Mais tarde, o TEP monta uma barraca em praça pública, onde realiza vários espetáculos, entre eles, as primeiras peças de Ariano Suassuna e do próprio Borba Filho.

Em 1950 vai para São Paulo, onde trabalha como jornalista, diretor de teatro e faz parte da Comissão Estadual de Teatro. Volta para o Recife, nos anos 60, e funda o Teatro Popular do Nordeste, com o objetivo de abrir caminho para a profissionalização do teatro em sua região.

Na capital pernambucana, dirige, entre outras, A Farsa da Boa Preguiça, A Pena e a Lei, Processo do Diabo, A Caseira e a Catarina, peças de Ariano Suassuna, encenadas em 1960. A dificuldade financeira interrompe a atividade.

Hermilo Borba Filho funda, então, o Teatro de Arena do Recife, onde encena Marido Magro, Mulher Chata, de Augusto Boal, 1960, e Eles Não Usam Black-Tie de Gianfrancesco Guarnieri, 1961.

Em 1966, retoma as atividades do TPN com O Inspetor, recriação de O Inspetor Geral, de Nicolai Gogol, a partir da teatralidade e das técnicas das festas populares nordestinas. Dirige em seguida O Santo Inquérito, de Dias Gomes, e Inimigo do Povo, de Henrik Ibsen, ambos em 1967, e Dom Quixote, de Antonio José, o Judeu, 1969. No ano seguinte, encena Cabeleira Vem Aí, de Silvio Rabelo, Bum, de Osman Lins e José Bezerra, Município de São Silvestre, de Aristóteles Soares, O Pagador de Promessa, de Dias Gomes, O Cabo Fanfarrão, de Hermilo Borba Filho, Antígona, de Sófocles, e Andorra, de Max Frisch.

Para contornar o déficit permanente da companhia, Borba Filho tenta atrair os operários e os estudantes, faz convênios com entidades do comércio e da indústria, mas não consegue pagar as dívidas e fecha o teatro de 90 lugares.

Em entrevista para o Serviço Nacional de Teatro, SNT, questionado sobre se algum dia ganhou dinheiro com teatro, Hermilo Borba Filho se refere à montagem de Dercy Gonçalves para sua versão de A Dama das Camélias como exemplo único, e acrescenta: "mas, de repente, verifiquei que a prostituição era muito pesada, e parei".1

Em 1957, recebe prêmio como diretor revelação pela Associação Paulista de Críticos Teatrais, APCT, com a peça Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Entre 1959 e 1968, é sucessivamente premiado como diretor pela Associação de Críticos Teatrais de Pernambuco.

Exerce atividades culturais em muitas entidades: Serviço Nacional de Teatro, Secretaria de Educação e Cultura de São Paulo, Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco, Escolinha de Arte do Recife, Centro Cultural Luiz Freire. Na Universidade Federal de Pernambuco, cria e ministra a cadeira de história do teatro no Curso de Arte Dramática, em 1958; funda o Movimento de Cultura Popular - MCP, com Paulo Freire, Ariano Suassuna e outros; na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, colabora para a implantação do Curso de Teatro, em 1967; na Universidade Federal da Paraíba, ministra a disciplina de história do espetáculo; no Centro de Comunicação Social do Nordeste - Cecosne, leciona história do espetáculo. Em 1969, cria Teatroneco, dedicado ao teatro de bonecos.

Como crítico de teatro colabora, em São Paulo, para os jornais Última Hora, Correio Paulistano e Movimento, além da revista Visão e, em Pernambuco, para Folha da Manhã, Jornal Pequeno, Diário da Noite, Diário de Pernambuco, Jornal do Comércio e Jornal da Cidade.

Em 1969, ganha o título de Chevalier de L'Ordre des Arts et des Lettres, outorgado pelo governo da França.

O trabalho de Hermilo Borba Filho, nos grupos que funda, é o de criar um caminho para buscar um espetáculo nordestino, com uma estética épica, baseada nos folguedos populares. Em conferências, artigos e nos diversos livros que publicou, relê as teorias universais do teatro a partir da ótica das manifestações festivas do Nordeste. Depois do primeiro livro teórico, publicado em 1947, Teatro, Arte do Povo e Reflexões sobre a Mise-en-scène, volta a escrever nos anos 60, publicando, entre outros: Teoria e Prática do Teatro, 1960, Diálogo do Encenador, 1964, Espetáculos Populares do Nordeste e Fisionomia e Espírito do Mamulengo, ambos em 1966, Apresentação do Bumba-Meu-Boi, 1967, e História do Espetáculo, 1968. Seus estudos sobre a cultura nordestina coincidem com a fundação do TPN, onde ele coloca em prática a fusão entre o popular e o erudito.

Osman Lins, de quem ele encena uma peça no TPN, afirma, em artigo para a Revista de Teatro da Sociedade Brasileira dos Autores Teatrais, que em todos os cargos e funções que ocupa Hermilo Borba Filho luta pela transformação: "Há por trás de quase todos esses títulos e iniciativas um combate que passa desapercebido do público: as incompatibilidades com as funções ou o empenho no sentido de renová-las".2

Em artigo para o Diário de Pernambuco, quatro anos após sua morte, Benjamin Santos, ex-integrante do TPN, escreve: "Durante a fase final de uma montagem, Hermilo já estava adaptando, traduzindo e concebendo o próximo espetáculo (...). Outras características do TPN: revezamento de papéis importantes, divulgação do nome do grupo e não de atores isolados, formação de atores pela montagem sucessiva de espetáculos em função da estética procurada, incentivo ao estudo e à reflexão, formação de pessoal paralelo ao palco (cenógrafos, figurinistas, aderecistas...) (...). Mais importante, porém, que todos esses aspectos encontrados é a concretização de uma estética do espetáculo. (...) Em resumo, seria um teatro com o canto, a dança, a máscara, o boneco, o bicho... uma recriação do espírito popular nordestino (...); o homem brasileiro posto no palco com toda a sua luta, o sofrimento, a derrota, a insistência, a vitória; um teatro de intensidade emocional e crítica, um teatro vivo, aberto, sem a ilusão da quarta parede, permitindo ao público a compreensão maior de sua própria história. O teatro como um ato político e religioso a um só tempo. Esta é a busca de Hermilo (...)".3

Notas

1. BORBA FILHO, Hermilo. (Dossiê Personalidade Artes Cênicas). Rio de Janeiro: Cedoc/Funarte.
2 .
LINS, Osman. O invencível Hermilo, Revista de Teatro, Rio de Janeiro, julho/agosto de 1976.
3.
SANTOS, Benjamin. Por uma história do teatro popular do NE, Diário de Pernambuco, Recife, 2 de junho de 1980, seção c, página

(© Enciclopédia Itaú Cultural - Teatro)

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