Foto: JC Imagem
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O pernambucano
Normando Santos
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Os novos acordes e remixes da bossa nova são o tema da quarta e última
matéria da série 50 anos do gênero carioca. Da redescoberta por uma
novíssima geração que a incrementou com outras informações, não apenas no
Brasil, mas nos principais mercado da música – EUA, Japão e Europa. Em
Londres a bossa nova virou um dos idiomas da música para as pistas de dança.
No Japão, ela é tão cultuada quanto o jazz, com mais lançamentos do gênero
em CD do que acontece em seu país de origem. Nos Estados Unidos, ela é mais
conhecida como samba jazz. Em Pernambuco a influência da bossa nova está em
grupos como o Mombojó, The Playboys (sob uma ótica punk) e no choro de Beto
do Bandolim. Seja qual foi a roupagem, ela continua a bossa nova, sendo
muito natural.
José Teles
Os signos da bossa nova foram incorporados à linguagem da música
universal, desde que The girl from Ipanema sacramentou-se com um standard do
pop internacional em 1963. Nestes 45 anos, o gênero musical brasileiro
esteve aberta as mais diversas reinterpretações. A segunda geração da bossa
nova já enveredou pela crítica política e social. Os tropicalistas fizeram
uma leitura alegórica da bossa nova, que se tornou elemento natural no que
se convencionou chamar de MPB. Apenas João Gilberto permaneceu fiel aos
cânones básicos. A música popular fragmentou-se em mil estilhaços e entre
estes surgiu na Europa um (quase) movimento que se convencionou rotular de
new bossa, em meados dos anos 80, com Style Council, Basia, Matt Bianco,
Everything but the Girl, que acabou influenciando músicos brasileiros.
O bumerangue repetiu-se nos anos 90, quando DJs londrinos descobriram a
música de Joyce e Marcos Valle, cuja bossa foi incrementada com remixagens,
e programações eletrônicas. “Sempre fui de mistura. A música que fazia nos
anos 60 tinha influência do baião. Nunca fui bossa-novista puro. Acho que
foi até isso o que atraiu os DJs à minha música”, diz Marcos Valle, um
sessentão que virou ídolo das pistas na Europa e Japão.
Esta onda de bossa turbinada levou Roberto Menescal, outro bossa-novista
de primeira hora, a avalizar um projeto semelhante, porém brasileiro, o
Bossacuca Nova, formado por Márcio Menescal, DJ Marcelinho da Lua e
Alexandre Moreira. Uma resposta à bossa importada da Inglaterra, que adotou
Bebel Gilberto como uma de suas musas. Musa de ambos lados do Atlântico.
Filha de João Gilberto com Miúcha, Bebel nasceu nos Estados Unidos e há anos
fez de Nova Iorque sua base de trabalho. Muito mais conhecida no exterior do
que no Brasil, a cantora foi definida pela revista Vanity Fair, como “A
garota de Ipanema do século 21”.
A baiana Rosa Passos, assim como Bebel Gilberto, tem muito mais
reconhecimento no exterior. É a primeira cantora latino-americana a receber
um título de Doutora Honoris Causa da prestigiada Berkelee School of Music.
Ela é geralmente identificada com a bossa nova, até a chamam de “João
Gilberto de saias”, e não nega a influência da bn em sua carreira. “Foi uma
coisa que começou com a música de Orfeu do Carnaval, e com João Gilberto,
que me ensinou muita coisa”, revela Rosa, sem querer conversar muito sobre a
amizade que mantém com o arredio papa da bossa nova.
Em turnê pela Europa, Rosa Passos está cantando bossa, mas só as que
estão no repertório do seu mais recente disco, o recém-lançado Romance: Por
causa de você (Tom Jobim/Dolores Duran), Eu sei que vou te amar
(Tom/Vinicius) e Preciso aprender a ser só (Marcos Valle/Paulo Sérgio
Valle). “A bossa nova faz parte da minha vida, mas não estou preocupada com
este aniversário de 50 anos, prefiro cantar este disco de músicas lentas,
que há muito tinha vontade de fazer”.
Se, no exterior, a nova bossa é bem mais aceita e tem espaço no rádio, no
Brasil, poucos artistas fizeram sucesso com ela nos últimos dez anos:
Fernanda Porto, com a drum ‘n’ bossa Sambassim (com a pernambucana Alba
Carvalho) e Celso Fonseca com Slow motion Bossa Nova (com Ronaldo Bastos). A
primeira foi adotada pelas pistas de dança, furou o bloqueio das
programações de FMs e fez da desconhecida cantora um sucesso internacional.
Ex-músico da banda de Gilberto Gil, parceiro em produções de disco com o
baterista Vinicius Cantuária, hoje nome respeitado da nova bossa nos EUA,
Fonseca não imaginaria o que um comercial de sandálias faria de Slow motion
bossa nova (extraída do disco Juventude/Slow motion bossa nova, de 2002).
Com Giselle Bündchen como garota propaganda, o comercial fez a música vender
tanto ou mais do que as sandálias e deu visibilidade ao músico, que lançava
discos solo desde a década de 80. Quem, no entanto, fez a bossa nova mais
bem-sucedida desde o auge do movimento, foi um roqueiro: Cazuza, com Faz
parte do meu show, de vinte anos atrás.
Em Pernambuco quase não
se faz mais bossa nova
A politizada
Mundo Livre S/A seria a última banda que se imaginaria gravando Garota de
Ipanema (Tom/Vinicius), mas a música na voz de Fred Zeroquatro está no CD
Carnaval na obra (2000), e na coletânea Todas as garotas de Ipanema: “A
gente sempre teve mais interesse pelo samba, do mais ancestral, do de breque
ao mais pop. Porém não deixamos de por um pouco de bossa nova em músicas
como Meu esquema, uma tentativa de redimensionar o que achamos bacana”,
explica Zeroquatro que, confessa, nunca foi de comprar disco de João
Gilberto. Igual a muitos de sua geração, ele foi atraído pela bossa nova nos
anos 80, pelos grupos pós-punks como o Style Council: “A bossa fez aquele
suceso todo, depois teve este espasmo que a gente, neste universo pop mais
urbano, acompanhou na época”.
Mais afinidades
com a bossa nova tem a Mombojó, o que é assumido pelo violonista Marcello
Campelo. No disco solo Projeções e mais duas séries para violão de sete
cordas mostra claras influências, entre outros violonistas, de João
Gilberto, também presente, sutilmente, na música da Mombojó, na
interpretação de Felipe S.
Há poucos
músicos atualmente em Pernambuco, que demonstram tanta admiração à bossa
nova, quanto Beto do Bandolim. Em suas apresentações, em que predominam
chorinhos, ele nunca deixa de incluir um punhado de clássicos da bn, como
Chega de saudade e Corcovado. “Toco a melodia nornalmente, depois improviso
em cima do tema. A bossa é muito rica, e oferece um campo imenso para a
gente desenvolver, passear pelas harmonias, diz Beto, que começou a tocar
com 14 anos, cerca de 25 anos atrás, e vai do erudito ao mais popular, com a
bn está entre seus gêneros prediletos, tanto é assim que há muito tempo vem
alimentando o desejo de gravar um disco inteiro com bossa nova. “Já comecei,
inclusive, a selecionar o repertório de um trabalho que será intitulado 50
anos de bossa – Tom na cabeça. Acho que fica pronto no próximo ano”, diz
Beto do Bandolim.
A badalação
em torno do meio século de bossa nova inspirou João Neto, da escrachada The
Playboys, a batizar o próximo CD do grupo de Chega de niilismo. Antes ele já
havia composto uma bossa, Pessoas cult. “No disco terá uma bossa chamada
Alma brasileira e outra Ponte do Pina. É uma tiração de onda com roqueiros
que estão virando bambas, porque de uns tempos para cá o pessoal tem sido
muito influenciado por samba e jazz, o que não é a minha. Minha linha é mais
para o punk”, ironiza. (J.T.)
(©
JC Online)
Pernambuco também tem
bossa
Recife recebeu ritmo com estranheza e os poucos cantores que se
arriscaram a interpretá-lo foram criticados pela pequena extensão vocalJosé Teles
“Cantar resmungando ou gemendo pode ser uma demonstração nova de estilo,
mas não significa muito. Isto vem a propósito de uma exibição de Terezinha
Calazans cantando no programa de Alex no domingo último no canal 2. A menina
tem a fisionomia parada, como uma imagem do aleijadinho, e no mais sua voz é
um filete d’água fraquinho e suave como um queixume de amor...”. A crítica é
do jornalista Medeiros Cavalcanti, publicada em 25 de abril de 1963, no
Jornal do Commercio. Naquele ano a bossa nova já havia espalhado-se pelo
mundo, mas ainda era artigo difícil de engolir para a maioria dos
brasileiros, que preferia vozes potentes como a de Nelson Gonçalves.
A “Terezinha” citada por Medeiros Cavalcanti é a cantora Teca Calazans,
que desde o início dos anos 70 mora na França e foi uma das pioneiras da BN
pernambucana: “A bossa nova chegou tarde no Recife e acredito que a
aceitação do movimento BN no Recife está ligada à maneira de cantar as
músicas. A cidade sempre teve uma tradição importante de seresta, de voz de
seresteiros. Acho que isso contribuiu para uma certa reticência do
movimento. É engraçado ler que cantar bossa, na época, é igual a cantar
desafinado”, comenta a cantora, em entrevista por e-mail.
Marcelo Melo, Sergio Kyrilos, Sebastião Vila Nova, Lizete Margarida,
Zélia Barbosa, Toinho Alves, Luciano Alves, Geraldo Azevedo, Paulo
Guimarães, Delmiro Lira, Marcus Vinicius de Andrade, Naná Vasconcelos foram
alguns dos nomes de destaque na bossa nova pernambucana: “Eu fui considerado
o melhor baterista de bossa nova do Recife. Tenho até hoje um troféu que
ganhei na época”, jacta-se o hoje internacionalmente conhecido
percussionista Naná Vasconcelos. No início dos anos 60, ele participou do
Quarteto Iansã, que chegou a fazer shows em Portugal, onde gravou
acompanhando o cantor Agostinho dos Santos: “Era formado por mim, Lucas,
Sérgio Kyrilos e Camilo, um cara que já faleceu. Depois participei do
Bossanorte, com Toinho Alves e Marcelo Melo. Fiz vários shows com Teca
Calazans, com Zélia Barbosa, que era a nossa Elis Regina”, diz Naná.
A Fafire era um dos espaços referidos para musicais de BN, mas eles
aconteciam em bares como o Canavial, o TPN, no Teatro de Arena, ou na Rádio
Jornal do Commercio, num programa apresentado por Washington França, que não
apenas tocava os sucessos da BN como levava os bossa-novistas recifenses
para cantar ao vivo. A TV Jornal do Commercio manteve por mais de ano o
programa Bossa 2, apresentado por José Maria Marques. Quem também teve
programa de bossa nova foi Geraldo Azevedo. Mas, em Petrolina, onde morava.
Chamava-se Por falar em bossa nova e ia ao ar pela recém-inaugurada A Voz do
São Francisco. Detalhe: ele tinha apenas 16 anos: “Em Petrolina as novidades
não chegavam logo. Comecei a ouvir João Gilberto atravessado, já no segundo
disco, O amor o sorriso e a flor. Quando ouvi Desafinado, aí entronchou
tudo”, conta Geraldo Azevedo, único dos bossanovistas pernambucanos a ter o
privilégio de conhecer João Gilberto pessoalmente, em pleno auge da BN:
“João foi a Juazeiro visitar o pai dele que estava doente. Já tinha lançado
LPs, já era famoso, eu com apenas 16 anos, dá para imaginar como fiquei. Um
amigo comum, Edésio, me levou para conhecer João Gilberto, uma pessoa muito
educada, gentil. Combinamos de tocar violão juntos no dia seguinte. Mas tive
azar, o pai dele morreu e este encontro não aconteceu. Conversei com ele
anos mais tarde, nos falamos por telefone, mas nunca nos vimos”.
O impacto causado na primeira audição de bossa nova não foi privilégio de
Geraldo Azevedo, aconteceu também com Teca Calazans: “Eu ouvi João Gilberto
pela primeira vez no rádio: Foi um choque! Inesquecível, cantando Lobo bobo.
Levei um tempo pra entender o que era aquilo. Fiquei fascinada! Eu estava
acompanhada de um colega que não entendeu nada e disse: Que porcaria, esse
cara não tem voz, canta desafinado e ganha dinheiro”.
A reação do violonista Marcelo Melo, do Quinteto Violado, foi até mais
além: “Achei muito estranho, porque os acordes não batiam com a tônica. Aqui
a gente tocava baião, frevo, música boa, mas quadrada. Quando entrou aquilo,
João Gilberto, Carlos Lyra, eu achava um mistério. Foi quando Sérgio Ricardo
passou um tempo no Recife e ficamos amigos dele. O cara era do meio
bossa-novista no Rio, sabia como se tocava aquelas músicas e passou as
harmonias para gente. Quem lembro de ter aprendido primeiro foi Sebastião
Vilanova, que musicou uma peça chamada Cantochão, dirigida por Benjamim
Santos, com músicas que já tinham aquelas harmonias diferentes”.
Poucos discos num
terreno fértil
Onipresente na
cultura pernambucana há mais de quatro décadas, o escritor Jomard Muniz de
Brito não poderia ter ficado fora da bossa nova. Ele é autor de um dos
primeiros livros (se não o primeiro) sobre o assunto: Do modernismo à bossa
nova (lançado pela Civilização Brasileira, com prefácio de Glauber Rocha):
“Fiz este livro por influência da minha participação na bossa nova. Ele,
inclusive, está sendo relançado, em São Paulo, pela Ateliê Editorial”, diz
Jomard Muniz de Brito, para quem a grande figura da BN pernambucana foi Teca
Calazans. “Túlio Feliciano (ex-ator e produtor de shows musicais, hoje
morando no Rio) dizia que Teca fez uma leitura muito própria da bossa nova,
que não tinha nada a ver com o que Nara Leão fazia. Mas a parte que me coube
nesse minifúndio aconteceu depois do golpe de 64. Fiz direção musical de
alguns shows, com o Mora na filosofia e o Em tempo de bossa nova. Naquele
tempo eu era o queridinho das freiras da Fafire e conseguia o auditório para
esses shows”, lembra Jomard. Por esta época, a bossa nova já não era mais a
de bucólicos barquinhos singrando o oceano, nem de longilíneas sílfides
inspirando compositores enquanto iam a caminho do mar. Tornara-se um
instrumento de combate à ditadura militar que se instalara no País.
“Os shows de
1964, 65, eram politizados, influenciados pela canção de protesto que vinha
do sul, Nara, Edu Lobo, Sergio Ricardo e os shows Opinião e Arena canta
Zumbi. Quando Nara Leão esteve no Recife, ela foi nos visitar, o Grupo
Construção, na sede do AIP. Super simpática, falando de música, de disco, do
grupo Opinião e dando a maior força à gente”, confirma Teca Calazans. Jomard
Muniz de Brito, que era do grupo Raiz, lembra que a esta bossa nova de
esquerda começava a incomodar o poder: “No Mora na filosofia aconteceu um
episódio curioso. O auditório estava superlotado. Quando terminou havia uma
equipe filmando as pessoas saindo. Fiquei empolgado com aquilo, imaginando
que fosse alguma TV registrando o acontecimento. Depois soubemos que aquele
pessoal era do SNI”.
Se essas
filmagens ainda existem, são dos poucos registros da bossa nova
pernambucana. Embora aqui existisse uma das mais importantes gravadoras do
país, a Rozenblit, na época apenas Lizete Margarida gravou um compacto pelo
lendário selo Mocambo. O único LP de BN gravado nos estúdios da Estrada dos
Remédios foi Velhos sucessos em ritmo de bossa nova, maestro Clóvis Pereira
e sua orquestra. Pode acrescentar ainda Os sambas de Capiba, com Claudionor
Germano, que traz Aquela rosa amarela (Capiba/Carlos Pena filho), que seria
sucesso nacional depois de gravada por Maysa. Teca Calazans não lembra de
outros discos semelhantes no catálogo da gravadora: “Nessa época, não tenho
conhecimento mas, acredito que o movimento BN no Recife foi quem criou
condições para eu gravar na Rozemblit, em 1967, As cirandas e Aquela rosa”.
Quando este disco chegou às lojas, em 1967, a música da terceira geração
bossa-novista já atendia pela sigla mais genérica de MPB.
(©
JC Online, 15.07.2008)
O mistério na história da bossa
José Teles
No segundo dia da série sobre os 50 anos da bossa nova, o
Caderno C publica uma entrevista com o recifense Normando Marques dos
Santos. Ele foi colega de classe de Roberto Menescal no colégio, no Rio.
Mais tarde, estaria nas lendárias reuniões no apartamento dos pais de Nara
Leão, na Avenida Atlântica, em Copacabana, ou na boate Plaza, onde tocava
com Johnny Alf. João Gilberto freqüentava seu apartamento. Foi parceiro de
Vinicius de Moraes e Ronaldo Bôscoli. Por fim, mas não menos importante,
participou da célebre noite da bossa nova no Carnegie Hall, em 1962.
No
entanto, os historiadores da bossa nova o ignoram. Em seu badalado livro
Chega de saudade, Ruy Castro cita o nome de Normando Santos exatamente oito
vezes, porém em nenhuma delas esclarece de quem se trata. Normando, há
décadas morando em Paris, tem mágoas deste esquecimento a que foi condenado.
Aproveitando o meio século da bossa nova, ele acaba de gravar um DVD, no
Rio, produzido por Robertinho do Recife, e prepara-se para voltar a se
apresentar no Brasil. Com exclusividade para o JC, ele contou sua trajetória
e um pouco da história da bossa nova, da qual foi um dos pais. Amanhã, a
série continua com uma matéria sobre o impacto da bossa nova em Pernambuco,
durante os anos 60, e na quarta-feira, fechamos com uma perspectiva sobre o
presente e o futuro do gênero musical no Brasil e no mundo.
JC – Você começou cantando na Rádio Jornal do Commercio, nos anos 50, como
foi este começo? Na sua família tinha alguém artista?
NORMANDO
SANTOS – Não posso dizer que tinha alguém artista na família, mas minha mãe
adorava música e tocava acordeom. Fora ela, eu tenho um primo que na época
cantava muita canção napolitana...
JC – De quais
cantores ou músicos você lembra ter trabalhado no rádio pernambucano nesta
época?
NORMANDO –
Principalmente José Tobias, Claudionor Germano, Expedito Baracho e Sivuca.
São os que me lembro que trabalhavam lá na minha curta passagem na Rádio JC.
JC – Em que
ano você se mudou para o Rio? Sua intenção era continuar a vida artística?
NORMANDO –
Foi em 1953. Fui para o Rio apaixonado por uma gaúcha, mas chegando lá meu
coração se derreteu pela carioca com quem eu tinha passado o Carnaval no
Internacional...
JC – Como
você conseguiu se integrar com a turma que criaria a bossa nova?
NORMANDO – Eu
faço parte da raiz da Bossa Nova. Foi no curso noturno do Mallet Soares que
encontrei Roberto Menescal, que sentava quase ao meu lado. Quando ele soube
que eu cantava, nunca mais nos separamos. Foi ele que me fez conhecer Nara,
com quem namorava, Ronaldo Bôscoli, Chico Feitosa e todos os outros que
apenas gostavam de música. Bossa nova ainda não sabíamos o que era! Antes
disso eu era apenas um “pau de arara” apaixonado por uma linda carioca e
muito feliz de ser correspondido.
JC – O
pessoal da bossa nova tinha em comum o gosto pela música norte-americana de
Cole Porter, Gershwin, Carmichael etc, como também pelo West Coast Jazz.
Você já curtia este tipo de música aqui no Recife?
NORMANDO –
Não, em Recife meu violão era quadrado, apesar de ser fã do Dick Farney e
Lúcio Alves.
JC – Sempre
que se fala da bossa nova se comenta sobre as reuniões no apartamento dos
pais de Nara Leão. Qual a verdadeira importância destas reuniões para o
surgimento da bossa nova, já que reuniões aconteciam também na boate Plaza,
onde tocava Johnny Alf, ou mesmo em bares, como o Vilarino.
NORMANDO –
Com ou sem o apartamento da Nara a Bossa Nova surgiria. Nos reuníamos também
muito no apartamento do Chico Pereira, fotógrafo da Odeon, que tinha uma
enorme coleção de LP de Jazz. Creio que o apartamento da Nara ficou famoso
porque ela namorava um dos nossos, porque tinha uma sala bem grande e era lá
que íamos com mais freqüência. Assim virou referência.
JC – Aliás,
quando vocês sentiram que estavam criando uma nova música para o Brasil?
NORMANDO –
Não sei e acho que ninguém sabia. A gente só estava fazendo uma coisa que a
gente gostava, éramos jovens e modernos naquela época. Pessoalmente, eu não
tinha nenhuma pretensão com a carreira artística, pois já tinha prometido à
minha mãe que não cantaria mais no rádio... O negócio foi que surgiu a
televisão e fui convidado, como TV não é rádio e como nossa música tornou-se
muito importante, começaram a me pagar para eu cantar, aí foi ótimo, não
tive escolha e juntei o útil ao agradável e passei a não só cantar para os
amigos...
JC – Outro
capítulo importante na bossa nova foi o concerto de 1962 no Carnegie Hall,
do qual você participou. A coisa foi mesmo uma bagunça como muitos dizem?
NORMANDO –
Não foi bagunça mas poderia ter sido mais organizado. O negócio é que o
organizador, Sidney Frye, com receio que muito de nós não fôssemos, convidou
músicos que viviam lá e, no final tinha mais gente do que necessário!
JC – Depois
deste concerto, muita gente ficou pelos EUA. No Brasil, houve uma cisão no
grupo de Carlinhos Lyra e Ronaldo Bôscoli. Foi aí que você saiu do Brasil?
NORMANDO – Eu
casei em 1960 e eles já estavam brigados e Ronaldo veio me dar um abraço
quando eu já estava saindo da Igreja Santa Mônica.
JC – Falando
nisso, o que você achou do livro de Ruy Castro sobre a bossa nova? Pergunto
isto porque ele cita seu nome várias vezes, mas não explica quem é você e
qual seu papel na bossa nova. Você não se sente injustiçado?
NORMANDO –
Muito, muito, muito. Não gosto quando falam em meu nome e sobretudo quando
inventam qualquer coisa, aproveitando-se de que eu não estava aqui. Em
Paris, eu não sabia nada desses livros e só muito depois tomava
conhecimento.
JC – Vamos
falar de João Gilberto. Na opinião de muita gente, ele é a bossa nova. Quer
dizer, se não tivesse surgido um João Gilberto, teria havido grandes
canções, grandes compositores e violonistas. Mas sem aquela batida, a
harmonia no violão, seria bossa nova?
NORMANDO –
João foi a coluna básica que sustentou o edifício bossa nova, com sua batida
genial.
JC – Aliás,
no 78rpm de João Gilberto com Chega de saudade, o gênero que está no rótulo
do disco é “samba-canção”.
NORMANDO – É
mesmo? Nunca tinha prestado atenção. Certamente foi porque a bossa nova
ainda não tinha se afirmado.
JC – Você
saiu do Brasil para substituir Baden Powell numa casa noturna em Paris. Era
sua intenção continuar na Europa?
NORMANDO –
Não, não era minha intenção ficar na Europa, porém mais uma vez me apaixonei
e dessa vez ela era francesa...
JC – Você
acabou de gravar um DVD e um CD com produção de Robertinho do Recife. A
intenção é lançá-lo no Brasil, celebrando os 50 anos da bossa nova?
NORMANDO –
Meu DVD por acaso será lançado esse ano, contudo eu conto muito com o
aniversário dos 50 anos para me ajudar a promover esse nosso trabalho e que
o público saiba que eu existo, já que sempre fui o menos citado,
provavelmente por viver na França.
JC – E no
Recife, quando teremos um show de Normando Santos?
NORMANDO – Na
primeira boa oportunidade e com muita emoção, pois é quando chego no Recife
que eu chego no meu ninho.
(©
JC Online, 14.07.2008) |