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Jovens vêem futuro na luthieria

18/07/2008

 

 

Foto: JC Imagem

 
Alunos de oficina que ensina a consertar instrumentos em Rio Doce representam Pernambuco em São Paulo

Marcos Toledo

O bairro de Rio Doce, em Olinda, esconde um projeto pioneiro de capacitação de jovens para suporte na área de música que tem tudo para gerar futuros profissionais de referência no Estado. Criada há três anos, a oficina de luthieria comandada por Paulo Sérgio Nunes no Espaço Criança Esperança está pronta para formar toda uma geração interessada no desenvolvimento e reparo de instrumentos musicais, e que têm nessa técnica uma perspectiva de realização profissional.

Aberto para a comunidade, tanto como uma opção de atividade para os jovens quanto de prestação de serviço para a população, o projeto, contudo, ainda carece de um maior incentivo que proporcione aos alunos uma dedicação exclusiva e motivação real como opção de futuro. Um bom estímulo é a participação de quatro rapazes na comitiva que viajou para São Paulo a fim de participar dos Jogos Criança Esperança, realizados em Brasilândia, amanhã e sábado. Lá, os representantes do curso mostram o que aprenderam na arte da luthieria. O projeto do curso é fruto da obstinação do luthier Paulo Sérgio Nunes, que resolveu multiplicar uma oportunidade que mudou sua própria vida.

Primeiro luthier de formação acadêmica do Estado, Paulo Sérgio largou um emprego de tesoureiro de uma revendedora de automóveis para se dedicar em tempo integral ao hobby de muitos anos: o conserto e a criação de instrumentos musicais. Pupilo do carioca Fernando Arantes Ferrão, formou-se no Conservatório Pernambucano de Música, onde depois atuou como profissional. Em seguida, montou seu próprio ateliê nos fundos de sua residência.

Em 2005, uniu seu entusiasmo com o do coordenador de Comunicação Social da Rede Globo Nordeste, Ronan Drummond, e começou a ministrar oficina para jovens da organização não-governamental Criança Esperança em seu ateliê. Há um ano, o curso ganhou uma sala própria no edifício da ONG que oferece ainda aulas de teatro, dança, leitura e informática. O programa tem incentivo da Rede Globo, do Centro Luiz Freire, da Prefeitura de Olinda e da Unesco, e, em breve, contará com a Universidade Católica.

Às segundas e quartas-feiras, pela manhã e à tarde, os alunos aprendem a tocar os instrumentos desenvolvidos por Paulo Sérgio, como o pianolon (espécie de violão de mesa), o perimbau (berimbau em escala cromática), a viola de cabaça ou uma répica do medieval vuella, além de consertar objetos mais tradicionais, como o violão, gratuitamente para a comunidade.

Ao todo, há inscritos cerca de 40 jovens de 14 a 24 anos de idade, porém, a freqüência fica em média em torno de 25% a 50%. O curso dura em torno de três anos, dependendo do desenvolvimento do aluno, que tem aulas de teoria (história, medidas, organograma e desenvolvimento do instrumento) e de técnicas (marcenaria, ferramentaria e tornearia), com prioridade para a restauração. “No começo tinha mais gente, mas foi ficando quem tem interesse”, reconhece o instrutor.

Com uma certa timidez, Anderson Ramos dos Santos, 21 anos, conta que terminou o ensino médio e busca uma experiência profissional. Aos poucos, conversando com cada aluno, vê-se que esta é uma característica de quase todos. “Essa é minha esperança”, diz Anderson: “Me especializar aqui com o professor e, quem sabe, um dia ser como ele”.

Para Juan Carlos de Souza Oliveira, 19, que a exemplo de Anderson vai representar a ONG em São Paulo, a oficina concretiza um sonho antigo. “Antes de começar aqui, eu já era curioso, desde meu primeiro violão. Mas, nesse tempo que estou aqui, já fez muita diferença. Até na qualidade dos reparos, colagem adequada, diferença de acabamento. Aqui aprendi a fazer bem-feito”, explica esbanjando segurança.  

(© JC Online)


Alunos buscam mercado nas escolas de música

Além da abertura de um campo profissional, a oficina de luthieria do Criança Esperança de Rio Doce oferece aos jovens que dela participam uma oportunidade diferenciada de socialização. A possibilidade de ampliação deste exercício de cidadania pode estar na interação da ONG com escolas de música do poder público.

Para Cleyton Douglas Elias dos Santos, 19 anos, ele e os colegas têm se tornado referências para os amigos que tocam e apreciam música. “Quando eles têm alguma coisa quebrada, a gente explica ou traz para cá e conserta. Já é uma forma de aplicar na aula”, conta. Cleyton diz ainda que aquilo que a mãe dele vê como entretenimento ou um conhecimento a mais, ele encara como possibilidade profissional. Aluno da tarde, sempre que pode vai à aula também pela manhã.

Único integrante da primeira turma, que funcionou há três anos no ateliê do instrutor Paulo Sérgio Nunes, Paulo Rodrigo Silva Peçanha, 20, cursa o 5º período de psicologia, mas não abandonou a técnica. “Expandi muito a minha visão do que seria a luthieria em si. Entrei com a visão de consertar instrumentos, mas vi que tem a possibilidade de produzir arte e dar a possibilidade ao músico de mostrar sua arte”, define.

Para Paulo Sérgio, um passo importante seria se seus alunos pudessem aplicar seus conhecimentos no conserto de instrumentos das escolas de músicas do Estado, como o CPM e o Centro de Criatividade Musical, no Recife, e o Cemo, em Olinda. Ele pretende levar a idéia para a diretoria destas instituições. (M.T.)

(© JC Online)


Meneses seduz Campos com justiça

Afora as incertezas políticas, o evento teve momentos brilhantes com o violoncelista e sua parceira, a pianista Fany Solter

João Marcos Coelho

Indefinições no campo da política cultural costumam custar caro. E não apenas para os diretamente envolvidos, mas sobretudo para a população, que vê a Osesp e o Festival de Inverno de Campos do Jordão, os dois principais projetos musicais dos últimos anos em São Paulo, em tensos e angustiantes momentos de total incerteza.

Os primeiros dez dias do 39º Festival só reforçam essa praga provinciana que historicamente acomete a vida musical brasileira. O diretor-artístico, maestro Roberto Minczuk, e o diretor-executivo, Clodoaldo Medina, amanheceram demitidos na manhã de quarta-feira. Acordaram no dia seguinte confirmados pelo próprio secretário de Cultura, João Sayad. Por isso, e mesmo tendo contrato apenas até dezembro próximo, Minczuk sentiu-se fortalecido e aproveitou o segundo fim de semana para acenar até com a provável temática da próxima edição, a 40ª, em julho de 2009: música francesa, a julgar pela pista musical do extra no concerto com a Orquestra Sinfônica Brasileira no sábado: a célebre Marcha do Toreador da Carmen de Bizet.

Musicalmente, o violoncelista Antônio Meneses dominou com justiça a cena em Campos. Na tarde-noite de sexta-feira, demonstrou mais uma vez seu enorme amadurecimento na prática camerística. Por um lado, frustrou os que aguardavam sua interpretação da sonata para violoncelo de Chopin (as partes de piano não chegaram a tempo às mãos de Fany Solter, sua parceira). Mas, de outro, compensou-nos com dois fogos de artifício incandescentes: as três peças-fantasia Opus 73 de Schumann e a Sonata para Violoncelo de Debussy.

Juntas, contam pouco mais de 20 minutos de música. Mas são extraordinárias. Schumann, pelo contagiante cantabile de temas encantatórios que colam nos ouvidos. Debussy, em obra de plena maturidade, pela sua marca registrada, uma mistura rara de humor sarcástico e melancolia poética. Fany Solter foi uma parceira à altura de Antonio.

Na primeira parte do concerto na capela do palácio de inverno, duas estréias mundiais de compositores brasileiros e o celebrado ciclo das Sete Romanzas Sobre Texto de Alexander Blok, de Dmitri Shostakovich. O belo e curto Vocalise de André Previn serviu como ''warm-up'' para o grupo, formado por Meneses, a soprano Rosana Lamosa, Daniel Guedes e Fany Solter no frio fim de tarde. Tanto Marco Padilha como Cirlei de Hollanda escreveram três canções cada um somente com acompanhamento de violoncelo. Ambos possuem excelente domínio técnico, mas não chegam a resultados excepcionais. Talvez Cirlei, villa-lobiana e generosa nas melodias, tenha construído canções mais cativantes, sobre poemas de Drummond. O desnível em relação ao maravilhoso ciclo de Shostakovich ficou claro quando Lamosa, inspirada, obteve ótima performance neste ciclo em que contracena com cada um dos instrumentos em separado, depois em duos e só na derradeira canção, Música, conta com o trio. A rigor, apenas Fany Solter parecia meio desencaixada do grupo (quem gostou pode conferir CD Warner de 2006 do Beaux Arts Trio, ou seja, Daniel Hope, Menahem Pressler e Antonio Meneses, e Joan Rodgers).

QUIXOTE

No sábado, Antonio foi novamente a estrela. Desta vez no Auditório Claudio Santoro, em concerto da Orquestra Sinfônica Brasileira. Ele brilhou no Don Quixote Opus 36, de Richard Strauss, obra que gravou em 1994 com a Filarmônica de Berlim e Karajan para a Deutsche Grammophon. A seu lado, atuou como Sancho Pança o jovem Gabriel Marin, que há quatro anos foi bolsista em Campos e vencedor da Bolsa Eleazar de Carvalho e hoje é viola-solo da OSB. Ótima a proposta de Minczuk aliando a música com a projeção de textos e gravuras de Doré e Dalí: capturou o público, fazendo todos acompanharem no detalhe, a cada variação, as aventuras e desventuras do genial cavaleiro andante. Pena que por vários momentos a orquestra tenha encoberto o cello-Quixote e a viola-Sancho Pança - desatenções musicalmente imperdoáveis. Trata-se, porém, de partitura difícil, em que a orquestra no geral foi bem. Um dos destaques foi o spalla Pablo de Leon. Não. Você não leu errado. Este Pablo é o mesmo Pablo de Leon spalla da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal de São Paulo, que no sábado atuou como spalla da OSB. Talvez as 20 vagas ainda não preenchidas na orquestra sejam responsáveis por certo desequilíbrio. Afinal, nem sempre funciona bem o enxerto de músicos de outras orquestras.

A primeira parte teve dois tempos distintos. Na fogosa Abertura Candide de Leonard Bernstein, Minczuk foi perfeito. Manteve o alto nível nos Prelúdios, poema sinfônico de Liszt. A orquestra, porém, se respondeu muito bem em Bernstein, claudicou um pouco em Liszt. Antonio escolheu bem o extra,um movimento de uma das suítes para violoncelo-solo de Bach. Só Bach mesmo seria adequado naquele momento, logo depois de Strauss descrever com maestria compungida, no violoncelo, a morte do fidalgo Quixote. O clima de encantamento, porém, rompeu-se com extras no mínimo desnecessários.

(© Estadão, 15.07.2008)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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