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Reedição traz Furtado em "antilivro acadêmico"

18/07/2008

 

 

O economista Celso Furtado
 

Crítica/"Criatividade e Dependência"

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Criatividade e Dependência" vale muito mais pelo ensaio sobre criatividade do que pelo discurso sobre dependência. Não que a análise de Celso Furtado (1920-2004) sobre dependência esteja datada nessa reedição do livro publicado há 30 anos. Se eventos citados caíram no esquecimento, continuam de pé os argumentos do economista que reinterpretou o Brasil, explicando-o a partir de sua posição na periferia do capitalismo. Isso, porém, pode ser encontrado em obras mais ambiciosas do autor, como "Formação Econômica do Brasil".

Definido pelo próprio Furtado como "antilivro acadêmico", "Criatividade..." ostenta maior vivacidade intelectual justamente quando o escritor abre o leque de temas, conectando-os sem as amarras da metodologia. Da tragédia grega à física quântica, Furtado passeia pela história da civilização.

Os fios são muitos, mas nunca estão soltos. Convergem para o assunto central de Furtado: a importância de uma "revolução cognitiva", que implicaria restaurar o saber como fim em si mesmo. É esse o corolário do diagnóstico segundo o qual o conhecimento só é valorizado como meio, em geral meio de servir aos poderes instituídos. Furtado busca suporte a essa percepção em Nietzsche. Trata-se da aproximação improvável entre o intelectual reformista, leitor de Marx, e o filósofo que despreza a política como a busca da felicidade para o maior número.

Racional e transcendente

A sintonia, no entanto, logo se estabelece num campo comum. Para ambos, as forças que engendram a difusão da racionalidade são as mesmas que conduzem à destruição da capacidade criadora do homem.

O racional, que prevalece a partir das revoluções burguesas, seria tão daninho para a criatividade quanto, antes dela, o transcendente. Nos dois casos, a liberdade, que se confunde com criatividade, fica reduzida a uma relação de subordinação; é apenas um instrumento que serve ao fim da acumulação.

O que Furtado e Nietzsche propugnam é uma liberdade através da qual o homem possa não apenas transformar a sociedade -como tem feito, sobretudo pelo conhecimento científico- mas se autotransformar.

A caminhada conjunta dos dois é profícua, mas não dura muito. Ao contrário do filósofo, Furtado tem em mente também o desenvolvimento econômico, que a ele interessa enquanto processo de mudança social. Afinal, é a emergência de um excedente que "abre aos membros de uma sociedade um horizonte de opções" e amplia o campo do possível, "esse espaço intermediário entre o ser e o nada [...], dentro do qual se concretizam as potencialidades humanas".

Escrito em Paris, "Criatividade e Dependência" encarece a liberdade em sentido amplo, fazendo parecer desimportante a circunstância do exílio que seu autor amargava.

OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" (Publifolha)

CRIATIVIDADE E DEPENDÊNCIA
Autor: Celso Furtado
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38 (224 págs.)
Avaliação: ótimo

(© Folha de S. Paulo)

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