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Centenário reaviva Solano Trindade

24/07/2008

 

 

O poeta Solano Trindade
 

Poeta pernambucano que flagrou a fome no País e foi perseguido pelos seus versos é lembrado em eventos culturais e em documentário que estréia hoje

Schneider Carpeggiani

Liberto Trindade tinha oito anos quando a polícia invadiu sua casa. Com a violência da ação, caiu no chão e diz que nunca mais voltou a ser uma criança (em suas próprias palavras) “normal”. Passou a sofrer de dores de cabeça e “de distúrbios” que ele mal consegue explicar. Eram os anos 40, auge do Governo de Gaspar Dutra. A ação foi motivada por um punhado de versos infames do seu pai, Solano (1908/1974), que teimou em ver o que não devia, nas constantes viagens que fazia entre Rio de Janeiro e Caxias – fome. A paisagem da janela do trem inspirou versos em que as palavras ressoam como o barulho da máquina correndo sobre os trilhos: “estação de Caxias/ de novo a dizer/ de novo a correr/ tem gente com fome/ tem gente com fome/ tem gente com fome.”

O flagra que Solano Trindade deu na fome renderia barulho ainda por mais algumas décadas. O poema Tem gente com fome, em 1973, foi musicado pelo Secos & Molhados, colorido grupo que contrastava com os cinzentos anos vividos pelo Brasil. A censura proibiu a veiculação da faixa. E proibiu repetidamente até que em 1979 o ex-vocalista Ney Matogrosso conseguiu gravá-la no álbum Seu tipo. “Eles liberaram a música do nada”, lembrou o cantor, em entrevista para o documentário Solano Trindade – 100 anos, vídeo de 35 minutos da dupla Alessandro Guedes e Helder Vieira.

O documentário tem estréia dupla hoje, aniversário dos 100 anos do escritor, ativista pelos direitos negros, ator, teatrólogo e artista plástico. O primeiro acontece no auditório da Livraria Cultura, às 19h. O segundo, no Espaço dos Pontos de Cultura, dentro do Festival de Inverno de Garanhuns, às 21h.

O projeto da dupla revela ao público, pela primeira vez, detalhes sobre a vida e a luta de Solano. Entre eles, a citada violência sofrida por Liberto, quando da invasão da polícia, e uma conversa com D. Maria da Penha, 98 anos, única irmã do poeta a continuar morando no Recife, no bairro da Cabanga. “Foi muito difícil juntar todos os pedaços da vida dele, porque não há livro dele ou sobre ele nas livrarias e as informações são muito desencontradas. Só conseguimos montar as peças a partir de depoimentos orais”, explica Helder. Um dos depoimentos mais fortes do vídeo é do ator Sérgio Mamberti, que conviveu com Solano e o considera “seu mestre”.

O documentário que estréia hoje é apenas a primeira parte do projeto de Helder/Alessandro. Aprovado pela Lei Rouanet e em processo de captação de recursos, o passo seguinte é passar o vídeo para película e fazer gravações fora do Estado. Em Garanhuns, junto com a exibição do documentário, haverá um recital poético com a presença de Fernando Chile, Valmir Jordão, Cida Pedrosa, Silvana Menezes, Ceça e Rogério Barata. Será uma edição especial do projeto Quartas literárias. Cida Pedrosa fará uma leitura de uma carta que ela escreveu para Solano, que o JC publica com exclusividade (ver ao lado).

Solano será o homenageado do festival A letra e a voz, que a PCR realiza mês que vem. Na ocasião, a Fundação de Cultura lança livro de poemas de Solano falando de Pernambuco, organizado pela escritora Inaldete Pinheiro. A última edição das obras do poeta foi de 2001, reunindo seus quatro livros e hoje esgotada. A Fliporto, marcada para novembro, presta homenagem ao escritor com debate entre Inaldete e Cláudia Cordeiro, viúva de Alberto da Cunha Melo, grande estudioso da obra de Solano.

Militância não ofuscou talento

Um dos temas mais polêmicos da literatura é o da existência de poéticas características de certos grupos. Haveria uma escrita feminina, gay ou negra? “É claro que existe uma literatura negra. A nossa literatura procura recontar por um outro ponto de vista fatos históricos”, é o que aponta o professor colaborador no mestrado em letras da UFPI, Elio Ferreira. Em sua tese de doutorado, ele comparou Solano Trindade com o poeta norte-americano Langston Hughes.

“Nossa idéia do Brasil foi construída a partir da imagem do índio durante o romantismo. Autores como Solano trouxeram a imagem do negro para a formação do País”, aponta Elio. “É claro que existe uma literatura negra, que é um texto que fala do lugar do negro na sociedade”, acredita o psicólogo, músico e escritor Lepê Correia. “Apesar da poesia de Solano ser concreta e política, ele não deixava de ser suave, de tratar das coisas com carinho. Ele cantava a mulher, as crianças, o maracatu. A poesia dele não se limitava apenas ao negro e dava voz também a garis, prostitutas...”, continua Lepê. Para a escritora Inaldete Pinheiro, Solano foi pioneiro ao assumir que era negro na literatura brasileira.

A escritora Cida Pedrosa complementa que, apesar da importância da militância de Solano, não “é possível esquecer que ele foi um poeta capaz de imagens muito fortes, um grande autor.” (S.C.)

(© JC Online)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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