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Lampião: 70 anos de um mito

26/07/2008

 

 


 

Difícil encontrar, na história universal, fora-da-lei de tamanha exposição na mídia e de vida pública tão notória quanto Lampião, que desde 1922 assumiu a dimensão de mito

Por Frederico Pernambucano de Mello

Ele não tinha menos de 1,80m de altura, ombros largos curvados para a frente, quadris estreitos, pernas finas, ossos longos e delgados, a musculatura rígida, mas não volumosa, descarnada em tendões pela ação intensa em meio físico hostil, pela alimentação irregular e por um cotidiano de sobressaltos que ocupou, desde a passagem da adolescência, uma vida de apenas 40 anos. A pele, nas porções expostas ao sol, mostrava-se cor de chocolate, e os cabelos, negros, lisos, levemente ondulados, chegavam-lhe a roçar os ombros, untados por brilhantina da melhor qualidade, a que fazia juntar respingos generosos de um dos bons perfumes que a França nos mandava à época: o Fleurs d’Amour. Não é só. No convívio com os coronéis sertanejos de maior destaque – em regra, seus protetores – aburguesa-se ao ponto de não mais dispensar o uísque White Horse, o brandy Macieira e o licor de menta. Para além do desenho de tipo humano comum no Brasil, como é esse do caboclo, sua figura particularizava-se por um sinal de pele mais escura situado abaixo do olho direito – olho que vem a perder ainda menino, por mal de nascença precipitado em acidente –, pelo predomínio crescente do branco no espaço da córnea (leucoma), com a queda parcial da pálpebra, no olho assim arruinado, e pela caminhada em movimento pendular lateral, o pé direito precisando ser sacudido para a frente por conta de ferimento à bala que retira do órgão a função recuperadora ainda na fase inicial das aventuras. Mesmo assim, corcunda ao peso dos bornais, caolho e coxo, óculos professorais a lhe desenharem a face, o Capitão Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião – como gostava de se apresentar –, impõe seu império por duas décadas, alvejado pelas volantes policiais de sete Estados da região, submetidos pelo terror em suas porções rurais. 

O traço de vida em Lampião nos remete ao nordestino ancestral, necessariamente cruento, que devassou o sertão e se impôs sobre o índio e o animal bravio, assentando as fazendas de criar ao longo dos séculos 17 e 18. O trisavô de cada um de nós. Vivesse naqueles primórdios, ele teria sido um desbravador admirável, ao lado dos seus cabras de sangue no olho, beirando as duas centenas em alguns períodos. Um colonizador de energia exemplar. No século 20 de sertão tocado pela presença coativamente organizadora do poder público, não havia lugar para seu despotismo, senão na cadeia. Como não era homem para isso, lutou até morrer, livre de canga e corda pelas caatingas que conhecia como ninguém. É assim que chega aos nossos dias sublimado em emblema de um tempo em que o Estado não conseguia andar montado em nosso cangote, a nos sugar o sangue como hoje. E virou herói ao olhar irrecorrível do povo. Do cordel de João Martins de Ataíde ao barro de Vitalino. É andar pelas feiras do sertão, Caruaru à frente. 

A morte no limiar da maturidade, realizado e depressivo, faz pensar na compulsória da Ópera de Paris aposentando os bailarinos aos 45 anos. Os desafios físicos e psicológicos do cangaço pediam um homem de 23 anos. Era a média de idade dos cabras em armas. Lúcido como sempre se mostrou, o maior dos cangaceiros tinha consciência de que num sertão tomado pela luz elétrica o seu lampião já não clareava muita coisa. Nem por isso deixou de morrer trocando tiros com a volante do tenente João Bezerra em grota vizinha ao beiço sergipano do rio São Francisco, no quebrar da barra de 28 de julho de 1938. 

O homem do Nordeste, em particular, ao lado de brasileiros e estrangeiros cada vez em maior número, tem-se mostrado sensível à sedução desse épico popular ao alcance da mão, quase de nossos dias, que se enquadra na moldura geral do que temos chamado de irredentismo brasileiro, definido pela postura daqueles grupos sociais que não aceitaram, desde os primórdios da colonização, mais pela atitude que por palavras, fraternizar com valores europeus de civilização. Nada de acumulação, de propriedade, de moeda, de tempo linear, de pontualidade, de comércio, de subjugação religiosa. Nada, enfim, daqueles cabrestos que sustentavam o mercantilismo como ideologia dominante no mundo ocidental nos séculos 15 e 16, transpostos para a Terra dos Papagaios através das concepções culturais portuguesas do Quinhentismo e do Seiscentismo. A essa gama de novidades, reagiam por trás de individualismo elegante, captado na frase que permeia boa parte dos documentos reinóis do século do Descobrimento: eles vivem sem lei nem rei e são felizes. Foi assim que o europeu que aqui aportava, atolando o pé na carne morena das índias – como disse Gilberto Freyre –, retratou o nativo que estava encontrando. E quedou siderado no instante seguinte, acusando o impacto de tanta liberdade sobre a alma de quem velejava com os olhos arregalados sobre os monstros e gigantes do boato fenício poetizado pelos gregos, e que, no Velho Mundo como aqui, sobrevivia vergado ao cambão de chumbo da Coroa portuguesa e do Papado de Roma. Um Papado com Inquisição ateada em fogueiras. Uma Coroa absolutista. 

O cangaço é a expressão contínua de irredentismo que falta agregar à historiografia brasileira dos cinco séculos de colonização. Uma historiografia de longa data sensível às recorrências irmãs desse irredentismo de chapéu de couro, representadas pela intermitência infalível do levante indígena, do quilombo predominantemente negro e da revolta social branca ou mestiça, à frente, quanto à última, a tragédia de Canudos. Não é o cangaço, nessa visão que propusemos, fenômeno surgido do nada, solto no tempo e no espaço, como se pensou até ontem, mas parte – e parte tão ilustre quanto as que acabamos de mencionar – do desvio de fogo que corre parelhas com o leito central de nossa história, a de expressão majoritária, a impor finalmente os valores reinóis a ferro e fogo, no instante em que as raças castanhas baixaram a cabeça à subjugação pelo branco europeu. Nem todos. Houve quem apanhasse a luva e saísse a campo em defesa do nicho de existência tradicional de pais, avós e bisavós, é quanto temos demonstrado em livros e artigos. 

O cangaço de Lampião, o mais conhecido pelos brasileiros nos dias que correm, marchando para se confundir com o próprio conceito, não foi senão o canto de cisne dessa vertente contínua, secular, minoritária e metarracial – branco, preto, índio ou mestiço, você podia ascender à chefia de grupo – em nossa história, sem que se esteja a negar o diferencial de volume e requinte presente nos 20 anos de aventuras daquele que seria chamado pela imprensa, ainda em vida, de Rei do Cangaço, Tigre do Sertão e Terror do Nordeste, à base do talento pessoal e do engajamento de massa que logrou carrear para suas fileiras. A ele ficamos a dever o ocaso portentoso do cangaço, explorado até mesmo pelo New York Times e pelo Paris Soir, a se ocuparem das peripécias do bando, de 1930 até o desfecho de 1938. 

Difícil encontrar, na história universal, fora-da-lei de tamanha exposição na mídia e de vida pública tão arejada quanto Lampião. Freqüentador de oficiais de polícia, de prefeitos, de parlamentares, inclusive federais, e de ao menos um governador de Estado, blindado, este, em interventor federal a partir de 1935: o de Sergipe. Um oficial do Exército, dublê de político a partir da Revolução de 30, com acesso direto ao presidente Vargas, de quem receberia presente invejável no começo da velhice: cartório na Rua Sete de Setembro, no Rio de Janeiro. O arquivo que o cangaceiro conduzia num dos bornais, apanhado por morte, fez-se motivo de constrangimento para as autoridades ao ter o conteúdo coado pela imprensa, mesmo que de modo vago. Seria abafado em poucas horas, sem margem a exame detido. Não destruído, como até se compreenderia nas circunstâncias, mas vendido a peso de ouro aos emitentes e subscritores apavorados mas ainda poderosos. Estava ali a elite do Baixo São Francisco em correspondência animada com o Rei do Cangaço. Da autoridade pública ao latifundiário. Ao comerciante de grosso cabedal. A inocência ficando por conta de bilhete de pessoa pobre pedindo dinheiro para “acudir a despesas com os filhos no colégio, na capital”. Ou do retrato de cunhada com sobrinhos. Ao menos uma foto de oficial de polícia foi identificada. Certo comandante de força volante veterano no ofício. Com dedicatória ao destinatário... 

Lampião fez por onde ficar tão conhecido. E não se credite o renome apenas a uma existência rocambolesca que nem mesmo Ponson du Terrail seria capaz de maquinar. Os anos de correria guerreira por sete Estados da região respondem por boa parte dessa nomeada, é certo. Como as duas biografias em livro erudito, publicadas ainda em vida do cangaceiro, nos anos de 1926 e 1934, assinadas por Érico de Almeida e Ranulfo Prata – exemplar da segunda destas, recolhido por morte, trazendo anotações do biografado à margem – para além das centenas de folhetos de cordel com façanhas antigas ou da véspera, cantadas pela flor dos poetas do gênero, um Francisco das Chagas Batista, um João Martins de Ataíde, um José Bernardo da Silva, para não falar dos tantos anônimos, do repentista de déu em déu, do cego rabequeiro de pátio de feira, recorrentes no louvor de gesta. 

Não há relato de Lampião hostilizando poeta. Ao contrário. Sob as estrelas de couro de seu império, a tradição do encontro discreto da viola com o punhal, ergue-se a norma averbada junto a toda a cabroeira, da chã da caatinga à ponta da serra, não sendo rara no período a ocorrência de pedido de guerreiro a menestrel para que lhe “tirasse uma obra”, ao que se seguia o relato paciente da façanha a se alongar em tema com poucos dias. E o interesse invariável do recebimento. Dia tal, às tantas horas, em ponto determinado, por intermédio do portador fulano, tudo sob “resguardo de boca”, de interesse recíproco. Assim foi produzido o Adeus com que o chefe se despediu do pasto pernambucano de berço, no meado de 1928, obrigado a refugiar-se na Bahia. Um poema longo e sentido, além de irrepreensível quanto ao roteiro dos lugares do vezo. 

Os fotógrafos também não padeciam às mãos de Lampião, sendo longa a lista dos que documentaram o bando a partir de 1922, à frente Genésio Gonçalves de Lima, de Triunfo, Pernambuco, a quem se seguiriam Lauro Cabral de Oliveira e Pedro Maia, em 1926; Francisco Ribeiro e José Otávio, 1927; Alcides Fraga, 1928; Eronides de Carvalho, 1929; e Benjamin Abrahão Botto, em 1936. O último iria além dos demais, conferindo gesto e movimento ao cangaço, deixando para trás a velha posição de sentido, inteiriçada, e chegando ao instantâneo. Não satisfeito com a imagem de todo modo estática da fotografia, bate mão de câmera cinematográfica moderna, uma Ica de 35mm, da Zeiss, e filma o bando comendo à sombra rala de uma quixabeira, dançando ao som de gaita de beiço, rezando o Ofício de Nossa Senhora – todos de joelhos e descobertos –, ensaiando passos da coreografia guerreira habitual, risonhos, nutridos, ornamentados, o chefe recebendo o carinho de Maria Bonita, ao se perfumar, ao ler a revista nacional Noite Ilustrada, ao tomar seu brandy de fim de tarde, a mostrar as cartucheiras cheias de moedas de ouro, os bornais caprichosamente bordados com flores. Honesto, Benjamin não deixa de mostrar o mosquetão e o punhal de quatro palmos nas mãos implacáveis do dono. Para que ninguém pensasse estar diante de cena de recreio em estação d’águas européia. Lampião não somente se presta a tudo para mostrar ao mundo o sucesso a que chegara na vida de sua escolha: num assomo de comunicação, fala para a câmera demoradamente, mesmo sabendo tratar-se de filme mudo. Tange o patético. E abre para nós o desafio da leitura labial. Encerrado o trabalho, escreve carta de autenticação em favor de Benjamin, que a faz publicar em fac-simile no Diario de Pernambuco de 18 de fevereiro de 1937. Do sírio recebe – contrapartida valiosa em circunstância de falsificação de correspondência – grande quantidade de cartões-de-visita e postais com a própria foto no anverso, fumando, cachorro ao pé, debaixo do chapéu de couro. Quantos brasileiros ostentariam esse requinte em 1936? 

Com jornalistas, a solicitude não podia ser a mesma: “São umas pestes pra aumentarem as coisas”. Mesmo assim, assinalam-se duas entrevistas dignas do nome concedidas no Juazeiro, Ceará; em 1926 e em Tucano, Bahia, 1929, transcritas na imprensa diária das duas capitais e logo espalhadas por todo o Brasil. 

É difícil imaginar alguém que sangra a punhal sete soldados no meio de uma tarde qualquer de 1929, pintando de vermelho o pátio da delegacia de Queimadas, Bahia, para entregar-se ao mais animado forró no salão da Prefeitura na hora seguinte, os cabras rodopiando com as damas da comunidade, e que à noite, no acampamento, luz de fifó, usa a quicé para cortar na vaqueta alvíssima uma estrela de oito pontas que costura, daí a pouco, na aba do chapéu de recruta, a sovela furando o couro num tempo sem relógio. Mas ele existiu. E encarnava o paradoxo. 

Foi o mais brutal cangaceiro que se possa imaginar, em quem a solução violenta era a primeira que se insinuava ante conflito ou simples futrica de coiteiro, mas se mostrava calmo e bem educado no trato com as pessoas, caindo na confiança de quase todos os padres e chefes políticos sertanejos. Costurava e bordava de maneira exímia, no pano e em couro, na máquina Singer de mão, depois de rabiscar o molde em papel, incentivando seus rapazes a fazerem o mesmo. Um critério de subida na hierarquia mole do bando. E uma higiene mental intuitiva, pode-se concluir. Falava baixo, mas era obedecido cegamente. Ria pouco, mas gostava muito de se divertir. Da dança – pé de valsa notório – e do jogo do 31 a dinheiro. Fumava e bebia moderadamente. Escrevia com eficácia, humor e um grão de ironia. Capaz de produzir o primeiro desenho de sua história de vida, através de relatos incansáveis a auxiliares e coiteiros – desde os anos verdes de vaqueiro, amansador de burro brabo e tropeiro, ofícios duros, o segundo considerado, a bem dizer, mortal – e de revolucionar a funcionalidade e a estética dos equipamentos de que se serviam os cangaceiros, redesenhando-os e reestilizando-os com talento inegável. É ver as fotos de antes de sua chegada e da fase em que atuou. O longo par de décadas que Leonardo Mota reconheceu em livro – de 1930 ter sido o “tempo de Lampião”. O tempo de uma requintada saga nordestina que foi capaz de nos legar a própria marca da região: a meia-lua com estrela. E que se apagou há 70 anos, sem perder a chama.

Frederico Pernambucano de Mello é escritor e historiador

(© Continente Multicultural)


Lembranças de Lampião

Há 70 anos morria Virgolino Ferreira da Silva, admirado por muitos pela coragem no enfrentamento dos oligarcas do sertão 

Janice Kiss

Herói ou bandido? Definir Lampião ainda é um assunto controverso passados 70 anos da morte do rei do cangaço, completados neste mês. Traído por um de seus companheiros, Virgolino Ferreira da Silva, sua mulher Maria Bonita - que largou o primeiro casamento para segui-lo - e nove de seus cangaceiros foram apanhados numa emboscada na Gruta de Angico, em Sergipe. Todos eles foram decapitados pela polícia de Alagoas, com o aval do governo Getúlio Vargas, e suas cabeças, expostas em praça pública. Desde muito pequena, a jornalista Vera Ferreira, de 55 anos de idade, soube do fim cruel de seus avós e da curta e intensa história deles, vivida no Nordeste do Brasil. Eles foram perseguidos sem trégua por 16 anos (1922-1938) por militares de oito estados da região. Por isso, a mãe de Vera, dona Expedita Ferreira - única filha do casal - foi criada por coiteiros, como eram conhecidos os protetores do bando. "Quando criança, não era fácil ser identificada como neta deles. Havia muita ignorância em torno do assunto", comenta. Mas, aos 13 anos de idade, durante o lançamento de um livro que reuniu ex-integrantes do grupo (Dadá, Labareda, Balão Criança, Dulce, Zé Sereno e Sila), Vera se deu conta que sua família havia deixado marcas indeléveis no Brasil. Na adolescência, ela decidiu que iria preservar a memória do cangaço no país.

Uma de suas missões foi a de explicar o movimento dentro da história de um sertão pobre, em decorrência da seca extremada, dos conflitos de terra e da rivalidade entre famílias que travavam verdadeiras guerras. O escritor Sérgio Dantas, do Rio Grande do Norte, pesquisa o assunto há dez anos e define o aparecimento do cangaço como um poder paralelo, em conseqüência de um Estado que não cumpria sua função de manter a estabilidade. "Foi uma espécie de convulsão social, mas sem nenhuma visão revolucionária", explica. Portanto, o lema de fazer justiça com as próprias mãos transformou Virgolino, o mercador nascido em Serra Talhada, Pernambuco, em Lampião, o cangaceiro, que começou o ofício vingando a morte do pai ao lado de dois irmãos. Mas sua habilidade e valentia logo o colocaram na posição de líder de um bando que dominou várias cidades, saqueou comércios, devastou fazendas e sacrificou vidas.

Para muitos pesquisadores, Lampião e seu grupo eram o reflexo de uma sociedade arcaica e metáfora do isolamento de uma região - o sertão. "No entanto, essa é a nossa história e, por isso, devemos conhecê-la sem preconceitos", analisa Vera. Na visão da neta, a criação de um museu - o Museu do Cangaço - poderia reunir peças, imagens, livros e depoimentos para formar um acervo representativo daquela época. Por enquanto, alguns objetos estão guardados em uma pequena sala no Museu do Sertão, em Alagoas. Se os pertences e as histórias estivessem abertas ao público, muita gente teria a oportunidade de conhecer certas particularidades do homem que semeou terror e morte em seu caminho. Ele era vaidoso - só usava perfume francês -, adornava os dedos com anéis, vestia-se de maneira extravagante, com cores berrantes, e usava chapéus imensos enfeitados com medalhas, colares e broches. As roupas dele e do bando eram costuradas por Maria Bonita e outras mulheres que apareceram no cangaço depois dela. O gosto pela ostentação era tamanho que Lampião distribuía fotografias suas nos povoados por onde passava. Foi a extrema preocupação com a imagem, inclusive, que o levou a contratar o mascate e fotógrafo libanês Benjamin Abrahão para documentar as atividades do grupo. Por isso, o movimento conseguiu ser registrado com seu líder, que morreu aos 41 anos de idade, desafiando autoridades policiais e políticas.

As andanças para recompor a História e as próprias raízes fizeram com que Vera Ferreira se aproximasse de lugares por onde os avós tinham passado. Ela percebeu que muita coisa mudou no sertão. Grande parte dos habitantes de Serra Talhada, antes envergonhados por tê-lo como conterrâneo, agora sente orgulho. Nas festas juninas recém-encerradas, dezenas de pessoas se esbaldaram a valer trajadas de cangaceiros. No entanto, a exclusão social e geográfica ainda residem no sertão. Por essa razão, ela teve a idéia de criar uma OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, a Sociedade do Cangaço, para desenvolver projetos com comunidades sergipanas. Um deles recebeu o nome de Linhas da Vida, cujo objetivo é gerar emprego e renda a partir da confecção de bolsas e bornais com aplicações dos elementos usados pelos cangaceiros em suas indumentárias. Os materiais são criados pela desenhista Germana de Araújo, que pretende implantar um curso de serigrafia para a confecção de camisetas (wwww.lampiaoemaria.com.br).

No mês passado, Lampião, Maria Bonita e seu bando tiveram a vida revisitada durante a Primeira Semana do Cangaço, que ocorreu em Aracaju, SE. Quem esteve por lá entendeu como eles se tornaram o mito que, tempos depois, gerou novelas, livros, músicas e filmes.

(© Globo Rural)


Trajetória de Lampião permanece viva no Sertão pernambucano

Na próxima segunda-feira (28), faz 70 anos da morte do polêmico Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. O rei do cangaço fez uma trajetória que marcou a história do Nordeste brasileiro e permanece viva no dia-a-dia do sertanejo.

Na cidade de Serra Talhada, onde nasceu, no Sertão pernambucano, está preservada a memória do homem que aterrorizou a região. A cidade ainda se chamava Vila Bela quando Lampião nasceu no Sítio Passagem das Pedras.

O lugar está preservado e a casa da família foi reconstruída sobre os velhos alicerces, para que o visitante possa conhecer melhor a história do homem que, até hoje, impressiona milhares de pessoas pelo Brasil e pelo mundo afora.

No centro de Serra Talhada, a memória do Capitão Lampião é guardada no Museu do Cangaço, ao mesmo tempo, um centro de estudos e pesquisas. No local, estão disponíveis livros, DVDs, fotos e documentos que ajudam a contar como foram os dias do começo de século passado, quando Lampião e seu bando desafiaram a polícia e dividiram opiniões.

Há 17 anos, um plebiscito perguntava aos moradores da terra natal de Lampião se ele era um bandido ou um herói. Eles decidiriam se Virgulino Ferreira deveria ou não ganhar uma estátua em local público.

A votação terminou com 72% por cento de aprovação. Até hoje, a estátua não foi colocada em lugar nenhum. Mas a vida de Lampião nunca deixou de interessar ao povo daqui. O xaxado, diversão dos cangaceiros, ainda é preservado na cidade.

Todos ainda se impressionam com a influência que o capitão Lampião tinha sobre os outros “cabras” do bando. O cabelo grande, por exemplo, é uma delas, como explica o pesquisador Anildomá de Souza.

“Em 1927, com a morte do irmão de Lampião, Antônio Ferreira, ele fez uma promessa de deixar o cabelo crescer. E cresceu, ele manteve seu cabelo grande. E como lampião inspirava todos os outros cangaceiros, então a moda do cabelo grande pegou dentro do cangaço a partir de Lampião”, ilustrou Anildomá.

Mas a influência não ficava apenas nos cabelos: se estendia às roupas – que Lampião preparava pessoalmente, habilidoso que era na máquina de costura – e a todos os adornos que fazia questão de usar. Como autênticos sertanejos, os cangaceiros usavam muitos adereços em couro.

Em um sítio, no meio da caatinga, um mestre artesão perpetua a imagem que o rei de cangaço criou. José Luís Barbosa, o Zé do Mestre, perdeu as contas de quantos chapéus – iguais aos que os cangaceiros usavam – já fez.

As histórias de Lampião, que ouviu do pai – contemporâneo do mais temido dos cangaceiros –, ele adora contar para aqueles que o visitam. “Ele aproximou-se de Ipueira, da casa de Xavier, que era fazendeiro, à procura de ver se conseguia uns dez contos de réis. Só que ao chegar ao pátio da fazenda, o pessoal recebeu ele foi com espingarda. Aí, na troca de tiros, morreu Tempero, um cabra de Lampião”, narrou Zé do Mestre.

Além dos chapéus, ele faz também bolsas em couro, como as que os cangaceiros usavam. “Isso aqui, ele usava muito era pra botar dinheiro, ouro, essas coisa assim mais necessárias”, explica. “Até hoje, vem muita encomenda pra gente fazer pra memoriar os cangaceiros”, completou o artesão.

Para Zé do Mestre, assim como para todo sertanejo e muitos brasileiros, um ciclo que poderia ter terminado há 70 anos, com a morte de Lampião, ainda está cheio de vida. “Há pessoas que me perguntam: Zé do Mestre, Lampião foi um bandido ou um herói? Eu digo: não, ele foi uma história”, orgulha-se o sertanejo.

(© PE 360 Graus)


Filme mostra saga de mulher que busca saber se é neta de Lampião

Documentário "Sangue de Cangaceiro" mostra luta da telefonista baiana Maria Deuza de Oliveira

 

Para marcar os 70 anos da morte do casal de cangaceiros Lampião e Maria Bonita, que ocorreu no dia 28 de julho de 1938, a produtora de cinema Ludo Filmes está concluindo o documentário "Sangue de Cangaceiro", dirigido por Brígida Rodrigues, Gustavo Brandão e Glauco Araújo. O filme narra a saga da telefonista Maria Deuza de Oliveira, de 55 anos, que luta para comprovar se é ou não neta do casal mais conhecido no cangaço.

 

Maria Deuza de Oliveira é baiana e mora em São Paulo desde os 12 anos. Ela é filha de Ananias de Oliveira, carpinteiro de 78 anos, irmão de Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita - que acompanhou Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, no cangaço, no século XX.

 

"Em maio de 2006, Deuza viajou com o pai para a cidade de Paulo Afonso, na Bahia, onde reencontrou primos e tios. Naquela ocasião, ela soube, por meio de comentários de seus familiares, de uma história que mudou sua vida desde aquele momento: seu pai poderia ser filho de Maria Bonita e Lampião", conta Glauco Araújo, um dos diretores do documentário.

 

Ananias e o seu irmão Arlindo de Oliveira, mestre de obras de 77 anos foram criados como irmãos gêmeos por Maria de Oliveira Déa, mãe de Maria Bonita e sogra de Lampião. Segundo relatos de historiadores, mãe e filha ficaram grávidas ao mesmo tempo. Maria Bonita teria deixado o seu filho para ser criado, em segredo, por sua mãe.

 

A telefonista tenta fazer o exame de DNA desde 2006, mas enfrenta a resistência de Expedita Ferreira Nunes e de Vera Ferreira, respectivamente a única filha reconhecida e a neta do casal. O caso está na Justiça.

 

"Deuza, seu pai Ananias, o seu tio Arlindo e o irmão deles, Ozéas de Oliveira, que mora em Paulo Afonso, já coletaram amostras para um exame de DNA num laboratório de genética, em São Paulo. Falta agora a amostra genética de Expedita Ferreira Nunes, oficialmente única filha herdeira do casal de cangaceiros. Ela se recusou a fazer o exame. O resultado, até o momento, deu negativo, mas os geneticistas garantem que só será possível ter um resultado categórico caso o exame fosse feito com material genético de Expedita", explica a diretora Brígida Rodrigues, que aguarda a decisão da Justiça sobre o caso para finalizar o filme.

(© Jornale Curitiba)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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