Difícil
encontrar, na história universal, fora-da-lei de tamanha exposição na mídia e de
vida pública tão notória quanto Lampião, que desde 1922 assumiu a dimensão de
mito Por Frederico
Pernambucano de Mello
Ele não tinha menos de 1,80m de altura, ombros largos curvados para a frente,
quadris estreitos, pernas finas, ossos longos e delgados, a musculatura rígida,
mas não volumosa, descarnada em tendões pela ação intensa em meio físico hostil,
pela alimentação irregular e por um cotidiano de sobressaltos que ocupou, desde
a passagem da adolescência, uma vida de apenas 40 anos. A pele, nas porções
expostas ao sol, mostrava-se cor de chocolate, e os cabelos, negros, lisos,
levemente ondulados, chegavam-lhe a roçar os ombros, untados por brilhantina da
melhor qualidade, a que fazia juntar respingos generosos de um dos bons perfumes
que a França nos mandava à época: o Fleurs d’Amour. Não é só. No convívio com os
coronéis sertanejos de maior destaque – em regra, seus protetores – aburguesa-se
ao ponto de não mais dispensar o uísque White Horse, o brandy Macieira e o licor
de menta. Para além do desenho de tipo humano comum no Brasil, como é esse do
caboclo, sua figura particularizava-se por um sinal de pele mais escura situado
abaixo do olho direito – olho que vem a perder ainda menino, por mal de nascença
precipitado em acidente –, pelo predomínio crescente do branco no espaço da
córnea (leucoma), com a queda parcial da pálpebra, no olho assim arruinado, e
pela caminhada em movimento pendular lateral, o pé direito precisando ser
sacudido para a frente por conta de ferimento à bala que retira do órgão a
função recuperadora ainda na fase inicial das aventuras. Mesmo assim, corcunda
ao peso dos bornais, caolho e coxo, óculos professorais a lhe desenharem a face,
o Capitão Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião – como gostava de se
apresentar –, impõe seu império por duas décadas, alvejado pelas volantes
policiais de sete Estados da região, submetidos pelo terror em suas porções
rurais.
O traço de vida em Lampião nos remete ao nordestino ancestral, necessariamente
cruento, que devassou o sertão e se impôs sobre o índio e o animal bravio,
assentando as fazendas de criar ao longo dos séculos 17 e 18. O trisavô de cada
um de nós. Vivesse naqueles primórdios, ele teria sido um desbravador admirável,
ao lado dos seus cabras de sangue no olho, beirando as duas centenas em alguns
períodos. Um colonizador de energia exemplar. No século 20 de sertão tocado pela
presença coativamente organizadora do poder público, não havia lugar para seu
despotismo, senão na cadeia. Como não era homem para isso, lutou até morrer,
livre de canga e corda pelas caatingas que conhecia como ninguém. É assim que
chega aos nossos dias sublimado em emblema de um tempo em que o Estado não
conseguia andar montado em nosso cangote, a nos sugar o sangue como hoje. E
virou herói ao olhar irrecorrível do povo. Do cordel de João Martins de Ataíde
ao barro de Vitalino. É andar pelas feiras do sertão, Caruaru à frente.
A morte no limiar da maturidade, realizado e depressivo, faz pensar na
compulsória da Ópera de Paris aposentando os bailarinos aos 45 anos. Os desafios
físicos e psicológicos do cangaço pediam um homem de 23 anos. Era a média de
idade dos cabras em armas. Lúcido como sempre se mostrou, o maior dos
cangaceiros tinha consciência de que num sertão tomado pela luz elétrica o seu
lampião já não clareava muita coisa. Nem por isso deixou de morrer trocando
tiros com a volante do tenente João Bezerra em grota vizinha ao beiço sergipano
do rio São Francisco, no quebrar da barra de 28 de julho de 1938.
O homem do Nordeste, em particular, ao lado de brasileiros e estrangeiros cada
vez em maior número, tem-se mostrado sensível à sedução desse épico popular ao
alcance da mão, quase de nossos dias, que se enquadra na moldura geral do que
temos chamado de irredentismo brasileiro, definido pela postura daqueles grupos
sociais que não aceitaram, desde os primórdios da colonização, mais pela atitude
que por palavras, fraternizar com valores europeus de civilização. Nada de
acumulação, de propriedade, de moeda, de tempo linear, de pontualidade, de
comércio, de subjugação religiosa. Nada, enfim, daqueles cabrestos que
sustentavam o mercantilismo como ideologia dominante no mundo ocidental nos
séculos 15 e 16, transpostos para a Terra dos Papagaios através das concepções
culturais portuguesas do Quinhentismo e do Seiscentismo. A essa gama de
novidades, reagiam por trás de individualismo elegante, captado na frase que
permeia boa parte dos documentos reinóis do século do Descobrimento: eles vivem
sem lei nem rei e são felizes. Foi assim que o europeu que aqui aportava,
atolando o pé na carne morena das índias – como disse Gilberto Freyre –,
retratou o nativo que estava encontrando. E quedou siderado no instante
seguinte, acusando o impacto de tanta liberdade sobre a alma de quem velejava
com os olhos arregalados sobre os monstros e gigantes do boato fenício poetizado
pelos gregos, e que, no Velho Mundo como aqui, sobrevivia vergado ao cambão de
chumbo da Coroa portuguesa e do Papado de Roma. Um Papado com Inquisição ateada
em fogueiras. Uma Coroa absolutista.
O cangaço é a expressão contínua de irredentismo que falta agregar à
historiografia brasileira dos cinco séculos de colonização. Uma historiografia
de longa data sensível às recorrências irmãs desse irredentismo de chapéu de
couro, representadas pela intermitência infalível do levante indígena, do
quilombo predominantemente negro e da revolta social branca ou mestiça, à
frente, quanto à última, a tragédia de Canudos. Não é o cangaço, nessa visão que
propusemos, fenômeno surgido do nada, solto no tempo e no espaço, como se pensou
até ontem, mas parte – e parte tão ilustre quanto as que acabamos de mencionar –
do desvio de fogo que corre parelhas com o leito central de nossa história, a de
expressão majoritária, a impor finalmente os valores reinóis a ferro e fogo, no
instante em que as raças castanhas baixaram a cabeça à subjugação pelo branco
europeu. Nem todos. Houve quem apanhasse a luva e saísse a campo em defesa do
nicho de existência tradicional de pais, avós e bisavós, é quanto temos
demonstrado em livros e artigos.
O cangaço de Lampião, o mais conhecido pelos brasileiros nos dias que correm,
marchando para se confundir com o próprio conceito, não foi senão o canto de
cisne dessa vertente contínua, secular, minoritária e metarracial – branco,
preto, índio ou mestiço, você podia ascender à chefia de grupo – em nossa
história, sem que se esteja a negar o diferencial de volume e requinte presente
nos 20 anos de aventuras daquele que seria chamado pela imprensa, ainda em vida,
de Rei do Cangaço, Tigre do Sertão e Terror do Nordeste, à base do talento
pessoal e do engajamento de massa que logrou carrear para suas fileiras. A ele
ficamos a dever o ocaso portentoso do cangaço, explorado até mesmo pelo New York
Times e pelo Paris Soir, a se ocuparem das peripécias do bando, de 1930 até o
desfecho de 1938.
Difícil encontrar, na história universal, fora-da-lei de tamanha exposição na
mídia e de vida pública tão arejada quanto Lampião. Freqüentador de oficiais de
polícia, de prefeitos, de parlamentares, inclusive federais, e de ao menos um
governador de Estado, blindado, este, em interventor federal a partir de 1935: o
de Sergipe. Um oficial do Exército, dublê de político a partir da Revolução de
30, com acesso direto ao presidente Vargas, de quem receberia presente invejável
no começo da velhice: cartório na Rua Sete de Setembro, no Rio de Janeiro. O
arquivo que o cangaceiro conduzia num dos bornais, apanhado por morte, fez-se
motivo de constrangimento para as autoridades ao ter o conteúdo coado pela
imprensa, mesmo que de modo vago. Seria abafado em poucas horas, sem margem a
exame detido. Não destruído, como até se compreenderia nas circunstâncias, mas
vendido a peso de ouro aos emitentes e subscritores apavorados mas ainda
poderosos. Estava ali a elite do Baixo São Francisco em correspondência animada
com o Rei do Cangaço. Da autoridade pública ao latifundiário. Ao comerciante de
grosso cabedal. A inocência ficando por conta de bilhete de pessoa pobre pedindo
dinheiro para “acudir a despesas com os filhos no colégio, na capital”. Ou do
retrato de cunhada com sobrinhos. Ao menos uma foto de oficial de polícia foi
identificada. Certo comandante de força volante veterano no ofício. Com
dedicatória ao destinatário...
Lampião fez por onde ficar tão conhecido. E não se credite o renome apenas a uma
existência rocambolesca que nem mesmo Ponson du Terrail seria capaz de maquinar.
Os anos de correria guerreira por sete Estados da região respondem por boa parte
dessa nomeada, é certo. Como as duas biografias em livro erudito, publicadas
ainda em vida do cangaceiro, nos anos de 1926 e 1934, assinadas por Érico de
Almeida e Ranulfo Prata – exemplar da segunda destas, recolhido por morte,
trazendo anotações do biografado à margem – para além das centenas de folhetos
de cordel com façanhas antigas ou da véspera, cantadas pela flor dos poetas do
gênero, um Francisco das Chagas Batista, um João Martins de Ataíde, um José
Bernardo da Silva, para não falar dos tantos anônimos, do repentista de déu em
déu, do cego rabequeiro de pátio de feira, recorrentes no louvor de gesta.
Não há relato de Lampião hostilizando poeta. Ao contrário. Sob as estrelas de
couro de seu império, a tradição do encontro discreto da viola com o punhal,
ergue-se a norma averbada junto a toda a cabroeira, da chã da caatinga à ponta
da serra, não sendo rara no período a ocorrência de pedido de guerreiro a
menestrel para que lhe “tirasse uma obra”, ao que se seguia o relato paciente da
façanha a se alongar em tema com poucos dias. E o interesse invariável do
recebimento. Dia tal, às tantas horas, em ponto determinado, por intermédio do
portador fulano, tudo sob “resguardo de boca”, de interesse recíproco. Assim foi
produzido o Adeus com que o chefe se despediu do pasto pernambucano de berço, no
meado de 1928, obrigado a refugiar-se na Bahia. Um poema longo e sentido, além
de irrepreensível quanto ao roteiro dos lugares do vezo.
Os fotógrafos também não padeciam às mãos de Lampião, sendo longa a lista dos
que documentaram o bando a partir de 1922, à frente Genésio Gonçalves de Lima,
de Triunfo, Pernambuco, a quem se seguiriam Lauro Cabral de Oliveira e Pedro
Maia, em 1926; Francisco Ribeiro e José Otávio, 1927; Alcides Fraga, 1928;
Eronides de Carvalho, 1929; e Benjamin Abrahão Botto, em 1936. O último iria
além dos demais, conferindo gesto e movimento ao cangaço, deixando para trás a
velha posição de sentido, inteiriçada, e chegando ao instantâneo. Não satisfeito
com a imagem de todo modo estática da fotografia, bate mão de câmera
cinematográfica moderna, uma Ica de 35mm, da Zeiss, e filma o bando comendo à
sombra rala de uma quixabeira, dançando ao som de gaita de beiço, rezando o
Ofício de Nossa Senhora – todos de joelhos e descobertos –, ensaiando passos da
coreografia guerreira habitual, risonhos, nutridos, ornamentados, o chefe
recebendo o carinho de Maria Bonita, ao se perfumar, ao ler a revista nacional
Noite Ilustrada, ao tomar seu brandy de fim de tarde, a mostrar as cartucheiras
cheias de moedas de ouro, os bornais caprichosamente bordados com flores.
Honesto, Benjamin não deixa de mostrar o mosquetão e o punhal de quatro palmos
nas mãos implacáveis do dono. Para que ninguém pensasse estar diante de cena de
recreio em estação d’águas européia. Lampião não somente se presta a tudo para
mostrar ao mundo o sucesso a que chegara na vida de sua escolha: num assomo de
comunicação, fala para a câmera demoradamente, mesmo sabendo tratar-se de filme
mudo. Tange o patético. E abre para nós o desafio da leitura labial. Encerrado o
trabalho, escreve carta de autenticação em favor de Benjamin, que a faz publicar
em fac-simile no Diario de Pernambuco de 18 de fevereiro de 1937. Do sírio
recebe – contrapartida valiosa em circunstância de falsificação de
correspondência – grande quantidade de cartões-de-visita e postais com a própria
foto no anverso, fumando, cachorro ao pé, debaixo do chapéu de couro. Quantos
brasileiros ostentariam esse requinte em 1936?
Com jornalistas, a solicitude não podia ser a mesma: “São umas pestes pra
aumentarem as coisas”. Mesmo assim, assinalam-se duas entrevistas dignas do nome
concedidas no Juazeiro, Ceará; em 1926 e em Tucano, Bahia, 1929, transcritas na
imprensa diária das duas capitais e logo espalhadas por todo o Brasil.
É difícil imaginar alguém que sangra a punhal sete soldados no meio de uma tarde
qualquer de 1929, pintando de vermelho o pátio da delegacia de Queimadas, Bahia,
para entregar-se ao mais animado forró no salão da Prefeitura na hora seguinte,
os cabras rodopiando com as damas da comunidade, e que à noite, no acampamento,
luz de fifó, usa a quicé para cortar na vaqueta alvíssima uma estrela de oito
pontas que costura, daí a pouco, na aba do chapéu de recruta, a sovela furando o
couro num tempo sem relógio. Mas ele existiu. E encarnava o paradoxo.
Foi o mais brutal cangaceiro que se possa imaginar, em quem a solução violenta
era a primeira que se insinuava ante conflito ou simples futrica de coiteiro,
mas se mostrava calmo e bem educado no trato com as pessoas, caindo na confiança
de quase todos os padres e chefes políticos sertanejos. Costurava e bordava de
maneira exímia, no pano e em couro, na máquina Singer de mão, depois de rabiscar
o molde em papel, incentivando seus rapazes a fazerem o mesmo. Um critério de
subida na hierarquia mole do bando. E uma higiene mental intuitiva, pode-se
concluir. Falava baixo, mas era obedecido cegamente. Ria pouco, mas gostava
muito de se divertir. Da dança – pé de valsa notório – e do jogo do 31 a
dinheiro. Fumava e bebia moderadamente. Escrevia com eficácia, humor e um grão
de ironia. Capaz de produzir o primeiro desenho de sua história de vida, através
de relatos incansáveis a auxiliares e coiteiros – desde os anos verdes de
vaqueiro, amansador de burro brabo e tropeiro, ofícios duros, o segundo
considerado, a bem dizer, mortal – e de revolucionar a funcionalidade e a
estética dos equipamentos de que se serviam os cangaceiros, redesenhando-os e
reestilizando-os com talento inegável. É ver as fotos de antes de sua chegada e
da fase em que atuou. O longo par de décadas que Leonardo Mota reconheceu em
livro – de 1930 ter sido o “tempo de Lampião”. O tempo de uma requintada saga
nordestina que foi capaz de nos legar a própria marca da região: a meia-lua com
estrela. E que se apagou há 70 anos, sem perder a chama.
Frederico Pernambucano de Mello é
escritor e historiador
(© Continente
Multicultural)
Lembranças de Lampião
Há 70 anos morria Virgolino Ferreira da Silva, admirado por muitos pela
coragem no enfrentamento dos oligarcas do sertão
Janice KissHerói ou bandido? Definir Lampião ainda é um assunto controverso passados
70 anos da morte do rei do cangaço, completados neste mês. Traído por um de
seus companheiros, Virgolino Ferreira da Silva, sua mulher Maria Bonita -
que largou o primeiro casamento para segui-lo - e nove de seus cangaceiros
foram apanhados numa emboscada na Gruta de Angico, em Sergipe. Todos eles
foram decapitados pela polícia de Alagoas, com o aval do governo Getúlio
Vargas, e suas cabeças, expostas em praça pública. Desde muito pequena, a
jornalista Vera Ferreira, de 55 anos de idade, soube do fim cruel de seus
avós e da curta e intensa história deles, vivida no Nordeste do Brasil. Eles
foram perseguidos sem trégua por 16 anos (1922-1938) por militares de oito
estados da região. Por isso, a mãe de Vera, dona Expedita Ferreira - única
filha do casal - foi criada por coiteiros, como eram conhecidos os
protetores do bando. "Quando criança, não era fácil ser identificada como
neta deles. Havia muita ignorância em torno do assunto", comenta. Mas, aos
13 anos de idade, durante o lançamento de um livro que reuniu ex-integrantes
do grupo (Dadá, Labareda, Balão Criança, Dulce, Zé Sereno e Sila), Vera se
deu conta que sua família havia deixado marcas indeléveis no Brasil. Na
adolescência, ela decidiu que iria preservar a memória do cangaço no país.
Uma de suas missões foi a de explicar o movimento dentro da história de
um sertão pobre, em decorrência da seca extremada, dos conflitos de terra e
da rivalidade entre famílias que travavam verdadeiras guerras. O escritor
Sérgio Dantas, do Rio Grande do Norte, pesquisa o assunto há dez anos e
define o aparecimento do cangaço como um poder paralelo, em conseqüência de
um Estado que não cumpria sua função de manter a estabilidade. "Foi uma
espécie de convulsão social, mas sem nenhuma visão revolucionária", explica.
Portanto, o lema de fazer justiça com as próprias mãos transformou
Virgolino, o mercador nascido em Serra Talhada, Pernambuco, em Lampião, o
cangaceiro, que começou o ofício vingando a morte do pai ao lado de dois
irmãos. Mas sua habilidade e valentia logo o colocaram na posição de líder
de um bando que dominou várias cidades, saqueou comércios, devastou fazendas
e sacrificou vidas.
Para muitos pesquisadores, Lampião e seu grupo eram o reflexo de uma sociedade
arcaica e metáfora do isolamento de uma região - o sertão. "No entanto, essa é a
nossa história e, por isso, devemos conhecê-la sem preconceitos", analisa Vera.
Na visão da neta, a criação de um museu - o Museu do Cangaço - poderia reunir
peças, imagens, livros e depoimentos para formar um acervo representativo
daquela época. Por enquanto, alguns objetos estão guardados em uma pequena sala
no Museu do Sertão, em Alagoas. Se os pertences e as histórias estivessem
abertas ao público, muita gente teria a oportunidade de conhecer certas
particularidades do homem que semeou terror e morte em seu caminho. Ele era
vaidoso - só usava perfume francês -, adornava os dedos com anéis, vestia-se de
maneira extravagante, com cores berrantes, e usava chapéus imensos enfeitados
com medalhas, colares e broches. As roupas dele e do bando eram costuradas por
Maria Bonita e outras mulheres que apareceram no cangaço depois dela. O gosto
pela ostentação era tamanho que Lampião distribuía fotografias suas nos povoados
por onde passava. Foi a extrema preocupação com a imagem, inclusive, que o levou
a contratar o mascate e fotógrafo libanês Benjamin Abrahão para documentar as
atividades do grupo. Por isso, o movimento conseguiu ser registrado com seu
líder, que morreu aos 41 anos de idade, desafiando autoridades policiais e
políticas.
As andanças para recompor a História e as próprias raízes fizeram com que
Vera Ferreira se aproximasse de lugares por onde os avós tinham passado. Ela
percebeu que muita coisa mudou no sertão. Grande parte dos habitantes de
Serra Talhada, antes envergonhados por tê-lo como conterrâneo, agora sente
orgulho. Nas festas juninas recém-encerradas, dezenas de pessoas se
esbaldaram a valer trajadas de cangaceiros. No entanto, a exclusão social e
geográfica ainda residem no sertão. Por essa razão, ela teve a idéia de
criar uma OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, a
Sociedade do Cangaço, para desenvolver projetos com comunidades sergipanas.
Um deles recebeu o nome de Linhas da Vida, cujo objetivo é gerar emprego e
renda a partir da confecção de bolsas e bornais com aplicações dos elementos
usados pelos cangaceiros em suas indumentárias. Os materiais são criados
pela desenhista Germana de Araújo, que pretende implantar um curso de
serigrafia para a confecção de camisetas (wwww.lampiaoemaria.com.br).
No mês passado, Lampião, Maria Bonita e seu bando tiveram a vida
revisitada durante a Primeira Semana do Cangaço, que ocorreu em Aracaju, SE.
Quem esteve por lá entendeu como eles se tornaram o mito que, tempos depois,
gerou novelas, livros, músicas e filmes.
(© Globo
Rural)
Trajetória de Lampião permanece viva no Sertão pernambucano
Na próxima segunda-feira (28), faz 70 anos da morte do polêmico
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. O rei do cangaço fez uma
trajetória que marcou a história do Nordeste brasileiro e permanece viva
no dia-a-dia do sertanejo.
Na cidade de Serra Talhada, onde nasceu, no Sertão pernambucano, está
preservada a memória do homem que aterrorizou a região. A cidade ainda
se chamava Vila Bela quando Lampião nasceu no Sítio Passagem das Pedras.
O lugar está preservado e a casa da família foi reconstruída sobre os
velhos alicerces, para que o visitante possa conhecer melhor a história
do homem que, até hoje, impressiona milhares de pessoas pelo Brasil e
pelo mundo afora.
No centro de Serra Talhada, a memória do Capitão Lampião é guardada no
Museu do Cangaço, ao mesmo tempo, um centro de estudos e pesquisas. No
local, estão disponíveis livros, DVDs, fotos e documentos que ajudam a
contar como foram os dias do começo de século passado, quando Lampião e
seu bando desafiaram a polícia e dividiram opiniões.
Há 17 anos, um plebiscito perguntava aos moradores da terra natal de
Lampião se ele era um bandido ou um herói. Eles decidiriam se Virgulino
Ferreira deveria ou não ganhar uma estátua em local público.
A votação terminou com 72% por cento de aprovação. Até hoje, a estátua
não foi colocada em lugar nenhum. Mas a vida de Lampião nunca deixou de
interessar ao povo daqui. O xaxado, diversão dos cangaceiros, ainda é
preservado na cidade.
Todos ainda se impressionam com a influência que o capitão Lampião tinha
sobre os outros “cabras” do bando. O cabelo grande, por exemplo, é uma
delas, como explica o pesquisador Anildomá de Souza.
“Em 1927, com a morte do irmão de Lampião, Antônio Ferreira, ele fez uma
promessa de deixar o cabelo crescer. E cresceu, ele manteve seu cabelo
grande. E como lampião inspirava todos os outros cangaceiros, então a
moda do cabelo grande pegou dentro do cangaço a partir de Lampião”,
ilustrou Anildomá.
Mas a influência não ficava apenas nos cabelos: se estendia às roupas –
que Lampião preparava pessoalmente, habilidoso que era na máquina de
costura – e a todos os adornos que fazia questão de usar. Como
autênticos sertanejos, os cangaceiros usavam muitos adereços em couro.
Em um sítio, no meio da caatinga, um mestre artesão perpetua a imagem
que o rei de cangaço criou. José Luís Barbosa, o Zé do Mestre, perdeu as
contas de quantos chapéus – iguais aos que os cangaceiros usavam – já
fez.
As histórias de Lampião, que ouviu do pai – contemporâneo do mais temido
dos cangaceiros –, ele adora contar para aqueles que o visitam. “Ele
aproximou-se de Ipueira, da casa de Xavier, que era fazendeiro, à
procura de ver se conseguia uns dez contos de réis. Só que ao chegar ao
pátio da fazenda, o pessoal recebeu ele foi com espingarda. Aí, na troca
de tiros, morreu Tempero, um cabra de Lampião”, narrou Zé do Mestre.
Além dos chapéus, ele faz também bolsas em couro, como as que os
cangaceiros usavam. “Isso aqui, ele usava muito era pra botar dinheiro,
ouro, essas coisa assim mais necessárias”, explica. “Até hoje, vem muita
encomenda pra gente fazer pra memoriar os cangaceiros”, completou o
artesão.
Para Zé do Mestre, assim como para todo sertanejo e muitos brasileiros,
um ciclo que poderia ter terminado há 70 anos, com a morte de Lampião,
ainda está cheio de vida. “Há pessoas que me perguntam: Zé do Mestre,
Lampião foi um bandido ou um herói? Eu digo: não, ele foi uma história”,
orgulha-se o sertanejo.
(©
PE 360 Graus)
Filme mostra saga de mulher que busca saber se é neta de Lampião
Documentário "Sangue de Cangaceiro" mostra luta da telefonista baiana Maria
Deuza de Oliveira
Para marcar os 70 anos da morte do casal de cangaceiros Lampião e Maria
Bonita, que ocorreu no dia 28 de julho de 1938, a produtora de cinema Ludo
Filmes está concluindo o documentário "Sangue de Cangaceiro", dirigido por
Brígida Rodrigues, Gustavo Brandão e Glauco Araújo. O filme narra a saga da
telefonista Maria Deuza de Oliveira, de 55 anos, que luta para comprovar se
é ou não neta do casal mais conhecido no cangaço.
Maria Deuza de Oliveira é baiana e mora em São Paulo desde os 12 anos. Ela é
filha de Ananias de Oliveira, carpinteiro de 78 anos, irmão de Maria Gomes
de Oliveira, a Maria Bonita - que acompanhou Virgulino Ferreira da Silva, o
Lampião, no cangaço, no século XX.
"Em maio de 2006, Deuza viajou com o pai para a cidade de Paulo Afonso, na
Bahia, onde reencontrou primos e tios. Naquela ocasião, ela soube, por meio
de comentários de seus familiares, de uma história que mudou sua vida desde
aquele momento: seu pai poderia ser filho de Maria Bonita e Lampião", conta
Glauco Araújo, um dos diretores do documentário.
Ananias e o seu irmão Arlindo de Oliveira, mestre de obras de 77 anos foram
criados como irmãos gêmeos por Maria de Oliveira Déa, mãe de Maria Bonita e
sogra de Lampião. Segundo relatos de historiadores, mãe e filha ficaram
grávidas ao mesmo tempo. Maria Bonita teria deixado o seu filho para ser
criado, em segredo, por sua mãe.
A telefonista tenta fazer o exame de DNA desde 2006, mas enfrenta a
resistência de Expedita Ferreira Nunes e de Vera Ferreira, respectivamente a
única filha reconhecida e a neta do casal. O caso está na Justiça.
"Deuza, seu pai Ananias, o seu tio Arlindo e o irmão deles, Ozéas de
Oliveira, que mora em Paulo Afonso, já coletaram amostras para um exame de
DNA num laboratório de genética, em São Paulo. Falta agora a amostra
genética de Expedita Ferreira Nunes, oficialmente única filha herdeira do
casal de cangaceiros. Ela se recusou a fazer o exame. O resultado, até o
momento, deu negativo, mas os geneticistas garantem que só será possível ter
um resultado categórico caso o exame fosse feito com material genético de
Expedita", explica a diretora Brígida Rodrigues, que aguarda a decisão da
Justiça sobre o caso para finalizar o filme.
(©
Jornale Curitiba)
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