Aos 80 anos,
Gilvan Lemos é um exemplo de escritor que construiu pacientemente uma sólida
carreira literária a despeito da pouca divulgação de sua obra e de sua
incontornável timidez
Por Cristiano Ramos
Ele não foi um menino debruçado sobre livros, preferia os gibis. O seu
primeiro romance, de 700 páginas, achou melhor queimar. O autor em questão
não possui títulos acadêmicos, sua educação formal não passou do primário,
máximo que os garotos pobres de São Bento do Una podiam. Nascido em 1º de
julho de 1928, não exerceu empregos curiosos nem teve algo seu adaptado para
o cinema; candidato à Academia Pernambucana de Letras, teve apenas um voto
entre 38 possíveis.
É conhecida sua aversão a entrevistas, mesmo quando na segurança do
apartamento simples no centro do Recife, onde mora sozinho até hoje, sem
filhos ou esposa. Mas toda tarde é possível vê-lo na Nossa Livraria, na Rua
do Riachuelo, passando despercebido pela maioria dos leitores que não o
reconhecem como o escritor de mais de duas dezenas de livros.
E o que pode haver para comemorar em seu octogésimo aniversário? Muito,
decerto. Pois Gilvan Lemos está onde muitos desejariam: longe de ser um
fenômeno editorial ou midiático – o que poderia estar circunscrito a
explicações transitórias e alheias à qualidade de suas narrativas – e ainda
mais distante de ser ignorado pela crítica, que por diversas vezes o
sublinhou entre os mais competentes da literatura brasileira.
Estes parágrafos podem causar estranheza, pois, hoje, o reconhecimento
parece se exigir produto de uma crítica eminentemente laudatória. Mas, da
análise fria à mais entusiasmada, tudo leva à valorização da carreira
literária de Gilvan, construída sem facilidades ou sobressaltos – a vitória
de um homem comum, assim como nos parecem seus protagonistas, heróis
modernos que seguem resistindo à aparente impossibilidade de transcendência.
O
primeiro romance publicado, por exemplo, o Noturno sem música (1956), foi
terminado em pouco mais de um mês, bem menos do que levaria para quitar a
máquina de escrever. Para publicá-lo, tirou empréstimo de 18 contos de réis.
E boa parte dos 500 exemplares foi distribuída entre críticos que não lhe
dedicaram atenção alguma, apesar de ter ficado entre os vencedores de um
concurso de inéditos, empatado com O visitante, de um certo Osman Lins.
Este, sim, fez para o Estado de S. Paulo uma das poucas críticas sobre
aquela estréia, em um texto que impressiona tanto pelo rigor como pela
admiração insuspeita:
“(...) sem o devido conhecimento da língua e insistindo, por vezes, em
motivos aos quais o seu depoimento nada vem acrescentar, como o relato das
primeiras inquietações sexuais, Gilvan Lemos, com uma prosa maltratada e
expressiva, com a sua visão elementar das coisas, sua memória aflita, sua
imaginação viril e uma sensibilidade estranha, escreveu um dos melhores
romances já produzidos pela ainda incipiente novelística pernambucana.”
Cristiano Ramos é
jornalista e apresentador do Opinião Pernambuco.
(© Continente
Multicultural)