Notícias
Sentimento solto na língua

20/08/2008

 

 

Ângelo Monteiro
 

A seleção Todas as coisas têm língua, que reúne boa parte da obra de Ângelo Monteiro, exigiu do autor desprendimento e autocrítica

Schneider Carpeggiani

É difícil saber os limites do que é recurso poético, do que é informação, na seleção Todas as coisas têm língua, que reúne boa parte da obra de Ângelo Monteiro. Na nota biobibliográfica que acompanha o livro, o autor é descrito como “Poeta, órfão e órfico, da poesia, de forte influência nitzschiana, permeada subjacentemente pelo barroco ibero-brasileiro, e tendo por principal ofício a celebração do Canto em língua portuguesa”. Tamanha preliminar faz mais sentido quando você já conhece a literatura de Ângelo, que sofria com o já conhecido destino de “esgotado” pelas livrarias.

Todas as coisas têm língua chega com selo da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). Segundo Ângelo, não foi um processo fácil reunir os textos aqui presentes. Um exercício que exigiu tanto uma boa dose de autocrítica quanto um certo desprendimento, “já que o corte, em última análise, se dá no próprio tecido poético e existencial do autor.”

Quando olhamos uma foto antiga, algo escrito há muito tempo ou uma lembrança irrompe, é comum vivenciarmos alguma sensação de estranhamento. Com Ângelo, ao organizar os seus primeiros textos para esse livro, foi diferente. Houve uma espécie de compreensão entre épocas distintas. Entre o poeta que ele foi e o que ele é hoje, “Não poderia deixar de ser uma relação de continuidade, porque se os meus temas falam uma única e poderosa linguagem, a linguagem em chamas de tudo o que vive e de tudo o que morre, é porque nunca deixei de me impregnar do mesmo espírito que anima o pensamento de Ortega y Gasset: ‘Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo, não me salvo a mim’. O tempo é a substância de que nós tecemos para, com suas linhas, fixarmos algumas imagens da eternidade”, explica o autor.

Boa parte do texto reunido em Todas as coisas têm língua demonstra a aproximação que Ângelo sempre procurou fazer entre literatura e filosofia. Uma aproximação ciente dos seus limites: o autor gosta de dizer que teoria e ficção são coisas bem distintas.

“Toda poesia é necessariamente filosófica por nos levar, através da linguagem, ao encontro do Ser, e não por pretender erroneamente se constituir em qualquer espécie de saber, quer especulativo, quer prático. A teoria, como a descrição, sempre foram estranhas à poesia. Daí considerar-me feliz por não ter sido, em qualquer momento, fiel a nenhuma das duas. Por outro lado, mais do que uma arma, vejo a poesia principalmente como uma aspiração jamais satisfeita, conforme expressei na segunda estrofe do soneto do Exílio de Babel (presente na seleção): ‘As visões já sonhadas na mais pura essência,/ Como incenso involátil sempre hão de pairar/ Sobre os nichos que erguemos no amor da existência,/ Quanto então cada prece ardia sobre o altar.’”, explica o autor.

CAMINHOS

A reunião de textos de Ângelo deixa clara a busca de formatos diversos que o autor lançou mão ao longo de mais de três décadas de produção poética – “Não há formato ideal para nenhum texto. O que há, para usar uma expressão de T. S. Eliot, é uma ordem ideal, que a cada texto realmente novo, adquire uma outra amplitude e uma maior organicidade histórica. Por isso fiz uso freqüentemente de várias formas, cada poema, não raro, exigindo um formato indistinguível de sua representação estética. Daí eu achar que a forma adequada a cada representação é o único limite para a liberdade criadora.”

Ao lermos Ângelo Monteiro, é fácil percebermos a importância que ele sempre deu à questão religiosa, ou mística, em sua obra. “A circunstância da minha poesia ser assim geralmente considerada não deve obscurecer o fato dela pertencer a uma tradição específica, a católica, veiculada por uma cultura na qual moldei meu imaginário. Nem tampouco esquecer outro fato: de que cada mística é inseparável de sua forma religiosa, e de que ambas têm um ponto em comum com a poesia: a captação imediata da realidade por meio de uma fusão de sujeito e objeto ativada pela centelha do divino em cada um de nós. Não por acaso, os temas mais constantes na minha experiência poética são, muitas vezes, sob o disfarce amoroso, a relação transcendental Eu-Tu e a necessidade de permanente ultrapassagem do condicionado e do provisório”, diz o escritor.

Em um dos seus poemas presentes no livro, Por enquanto, Ângelo diz que jamais entendeu a vida. Mas será que o processo de reunir os textos para este livro o ajudou? “A vida, de modo algum, será entendida racionalmente, e isso pela simples razão de que ela transcende todos os conceitos, porque anterior e posterior a todas as nossas reflexões. E a poesia não nos ajuda a entendê–la mas, ao contrário, nos abisma cada vez mais em sua profundidade enigmática.

Na segunda estrofe de um dos Hinos da descoberta talvez se encontre minha melhor interpretação sobre ela: ‘A vida detém meu leme/A vida é flor que me treme/ A vida é o carinho estreme/ Que não se pede: se dá./ E a morte é doce ressábio/ Que ao percorrer todo lábio/ O beijo resgatará.’”

(© JC Online)

 


Tempo de lembrar Maximiano

Por ocasião dos dez anos de morte do autor, é relançado o livro Sem lei nem rei, escrito há 40 anos e considerado o ápice de sua obra

Schneider Carpeggiani

A primeira cena é rica em detalhes e se abre para o leitor como aqueles painéis que recobrem todos os pontos de uma parede, em que é impossível a visão encontrar ponto de fuga – “Lamparina esticava as passadas. Lembrava-se de sua terra, do verde das canas, do massapé lambuzado dos pés opilados dos seus companheiros. Nota-se quando se passa de um engenho para o outro. São os cercados, as plantas de cana, as sedes dos engenhos com seus bueiros sacudindo fumaça, ou de fogo morto, no abandono, na tristeza, enroscando-se neles como as jitirianas em espirais. Ali era diferente. Ninguém sabia onde era o início ou o fim de uma fazenda”.

A obsessão de Maximiano Campos (1940/1998) em fazer as cores da suas narrativas saltarem à nossa frente, retorna com a nova edição do romance Sem lei nem rei. O livro, que completa 40 anos, foi o auge da sua criação literária, retomando/renovando um dos temas favoritos da tradição literária brasileira, o impasse que é o interior do país. O difícil processo de transformar em pátria o que escapou/sobrou da civilização. A obra volta às livrarias com selo da Editora Escrituras e prefácios de Raimundo Carrero e Antonio Campos (filho de Maximiano).

A nova edição faz parte do calendário pelos 10 anos de morte de Maximiano, que tem início hoje, às 19h, na Praça de Eventos do Shopping Paço Alfândega. Haverá abertura da exposição fotográfica Maximiano Campos, sem lei nem rei, com curadoria de Betânia Corrêa de Araújo, lançamento da edição comemorativa do livro, e entrega dos prêmios do 4º Concurso Literário Maximiano Campos. Amanhã, às 18h30, no auditório da Livraria Cultura, o poeta Marcus Accioly irá debater a importância do romance e está marcada ainda a sessão de autógrafos do livro Para ler Maximiano Campos, de Luiz Carlos Monteiro.

Com selo da editora Bagaço, o livro é um cartão de visitas para a obra do autor. “Reunimos um pequeno perfil biográfico dele e artigos de jornais e revistas que ajudam a esclarecer o que ele escreveu”, explica Monteiro.

Sem lei nem rei é fruto de um ano (1968) famoso por fissuras. A obra nascia entre os dois movimentos literários que ainda explicam como se escreve e se lê em Pernambuco – a Geração 65 de autores como Alberto da Cunha Melo e Marcus Accioly e o Movimento Armorial. O livro de Maximiano parece reter em si as diferentes tensões que esses dois pólos lançam. Segundo o ensaio de Antonio Campos, a obra espelha bem o ciclo de leitores que perseguia o imaginário do seu pai na época -– Tolstói, Kazantizákis, Hemingway, Ariano Suassuna, José Lins do Rego e Gilberto Freyre,

“O ano em que esse livro veio a público integra um período difícil no Brasil, imediatamente anterior ao Ato Institucional nº 5, em que canhões do 4º Exército costumavam ancorar diuturnamente na Faculdade de Direito do Recife. O medo era uma tônica nos lugares, as metáforas surgiam como balsas de salvação para os poetas náufragos, sendo as milícias não-oficiais sertanejas um ideal utópico a ser explorado pelos romancistas”, situa Antonio Campos.

Sem lei nem rei é um livro de denúncia. Sua trama enfoca como os coronéis e fazendeiros açoitavam os cangaceiros ou os entregavam às volantes policiais. Mesmo com a dureza da trama, o autor distribui inúmeros oásis poéticos pelo texto, em passagens como “No seu mundo o verde parecia visita, chegando sempre como se pedisse licença, durando pouco”. Maximiano era implacável com seus personagens, mas parece que gostava de oferecer “descanso” ao leitor durante sua travessia numa terra que é guiada por uma moral própria, indiferente a tudo ao seu redor.

Em seu artigo, Raimundo Carrero destacou que o livro retoma e renova um caminho iniciado por nomes como José Lins do Rego, até “porque não existe renovação sem tradição, ainda quando se tenta destruí-la” – como aquele 1968 tão bem tentou fazer.

(© JC Online)


Leitor é prioridade em festival

O Festival A Letra e a Voz chega à sua sexta edição afinando o tripé literatura + formação de leitor + circulação do livro. “Nós procuramos dividir as atividades de uma forma que contemplem o leitor que está se formando, a discussão literária propriamente dita e como fazer o livro chegar ao público consumidor. Foi importante pensar num evento que tenha toda essa amplitude”, destacou Heloísa Arcoverde, responsável pela Gerência Operacional de Literatura e Editoração da PCR, que organiza o evento.

Ao contrário dos anos anteriores, A Letra e a Voz não coincide com o Dia do Poeta Recifense. A abertura será domingo, no Teatro de Santa Isabel (ver destaques na arte ao lado), com concerto da Orquestra Sinfônica do Recife e recital poético. “Em geral, nosso calendário tem início no dia 16 de agosto, mas este ano decidimos mudar de data por causa da Bienal Internacional do Livro de São Paulo e das Olimpíadas”, continuou Heloísa.

Os homenageados deste ano são Alberto da Cunha Melo, Orismar Rodrigues (ambos falecidos ano passado), Gilvan Lemos e Josué de Castro. O sociólogo, inclusive, ganhará a exposição Os Recifes de Josué de Castro, com curadoria de Betânia Correia de Araújo, no Museu da Cidade do Recife, e será tema de uma série de debates. Serão lembrados ainda os centenários de Machado de Assis (morte) e de Guimarães Rosa (nascimento). O escritor Raimundo Carrero também será homenageado pelos seus 60 anos (completados em dezembro passado). Num projeto organizado por Marcelo Pereira (editor do Caderno C), nomes como José Castello irão distutir a obra em eterna mutação do autor.

A programação do festival trará para o Recife escritores que raramente (ou nunca) discutem suas obras por aqui. É o caso de Milton Hatoum, que há uns bons anos estava devendo uma conversa com o público recifense. Ele debate com o professor da UFPE Lourival Holanda e lançará seu novo romance, o elogiado Órfãos do Eldorado. Também estão confirmadas as presenças do poeta e filósofo Antonio Cícero, de Eduardo Gianetti e de Lourenço Mutarelli, que irá discutir as interfaces entre quadrinhos e literatura e autografar seu romance A arte de produzir efeito sem causa.

Assim como aconteceu em anos anteriores, o festival abre seus tentáculos por várias partes da cidade. Estão marcados debates e eventos por lugares como: Livraria Cultura, na Saraiva Mega Store, Santa Isabel, Fafire, Refinaria Multicultural Nascedouro de Peixinhos e Senai.

Na programação do festival, estão agendados os minicursos Narrativas breves – e outras nem tanto, com Marcelino Freire, Literatura & cinema, com Fernando Monteiro, Kalligráphos/Caligrafia experimental, com Cláudio Gil, e A formação do palhaço, com Mario Fernando Bolognese. Para todas as oficinas ainda existem vagas disponíveis. As inscrições podem ser realizadas pelo e-mail gole@recife.pe.gov.br ou pelo telefone 3232-2898.

Na programação, não poderia faltar lugar para a Recitata – abreviação de Recife em cantata – uma espécie de torneio poético com objetivo de divulgar os poetas da cidade e a oralidade de suas poesias. Essa competição, que entra em sua terceira edição, com direito a comissão julgadora, irá conceder uma premiação em dinheiro que varia entre R$ 600 e R$ 1.400 para o primeiro colocado. Segundo Heloísa, mais de 100 poetas já se inscreveram.

“Na minha opinião, o que diferencia o A Letra e a Voz de outros eventos literários é que o foco do festival não é a festa, mas o conteúdo das discussões”, explica a organizadora.

(© JC Online)

» Veja programação completa do "Festival A Letra e a Voz"

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


powered by FreeFind