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Ângelo
Monteiro
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A seleção Todas
as coisas têm língua, que reúne boa parte da obra de Ângelo Monteiro, exigiu
do autor desprendimento e autocrítica
Schneider Carpeggiani
É difícil saber
os limites do que é recurso poético, do que é informação, na seleção Todas
as coisas têm língua, que reúne boa parte da obra de Ângelo Monteiro. Na
nota biobibliográfica que acompanha o livro, o autor é descrito como “Poeta,
órfão e órfico, da poesia, de forte influência nitzschiana, permeada
subjacentemente pelo barroco ibero-brasileiro, e tendo por principal ofício
a celebração do Canto em língua portuguesa”. Tamanha preliminar faz mais
sentido quando você já conhece a literatura de Ângelo, que sofria com o já
conhecido destino de “esgotado” pelas livrarias.
Todas as
coisas têm língua chega com selo da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe).
Segundo Ângelo, não foi um processo fácil reunir os textos aqui presentes.
Um exercício que exigiu tanto uma boa dose de autocrítica quanto um certo
desprendimento, “já que o corte, em última análise, se dá no próprio tecido
poético e existencial do autor.”
Quando
olhamos uma foto antiga, algo escrito há muito tempo ou uma lembrança
irrompe, é comum vivenciarmos alguma sensação de estranhamento. Com Ângelo,
ao organizar os seus primeiros textos para esse livro, foi diferente. Houve
uma espécie de compreensão entre épocas distintas. Entre o poeta que ele foi
e o que ele é hoje, “Não poderia deixar de ser uma relação de continuidade,
porque se os meus temas falam uma única e poderosa linguagem, a linguagem em
chamas de tudo o que vive e de tudo o que morre, é porque nunca deixei de me
impregnar do mesmo espírito que anima o pensamento de Ortega y Gasset: ‘Eu
sou eu e minha circunstância, e se não a salvo, não me salvo a mim’. O tempo
é a substância de que nós tecemos para, com suas linhas, fixarmos algumas
imagens da eternidade”, explica o autor.
Boa parte do
texto reunido em Todas as coisas têm língua demonstra a aproximação que
Ângelo sempre procurou fazer entre literatura e filosofia. Uma aproximação
ciente dos seus limites: o autor gosta de dizer que teoria e ficção são
coisas bem distintas.
“Toda poesia
é necessariamente filosófica por nos levar, através da linguagem, ao
encontro do Ser, e não por pretender erroneamente se constituir em qualquer
espécie de saber, quer especulativo, quer prático. A teoria, como a
descrição, sempre foram estranhas à poesia. Daí considerar-me feliz por não
ter sido, em qualquer momento, fiel a nenhuma das duas. Por outro lado, mais
do que uma arma, vejo a poesia principalmente como uma aspiração jamais
satisfeita, conforme expressei na segunda estrofe do soneto do Exílio de
Babel (presente na seleção): ‘As visões já sonhadas na mais pura essência,/
Como incenso involátil sempre hão de pairar/ Sobre os nichos que erguemos no
amor da existência,/ Quanto então cada prece ardia sobre o altar.’”, explica
o autor.
CAMINHOS
A reunião de
textos de Ângelo deixa clara a busca de formatos diversos que o autor lançou
mão ao longo de mais de três décadas de produção poética – “Não há formato
ideal para nenhum texto. O que há, para usar uma expressão de T. S. Eliot, é
uma ordem ideal, que a cada texto realmente novo, adquire uma outra
amplitude e uma maior organicidade histórica. Por isso fiz uso
freqüentemente de várias formas, cada poema, não raro, exigindo um formato
indistinguível de sua representação estética. Daí eu achar que a forma
adequada a cada representação é o único limite para a liberdade criadora.”
Ao lermos
Ângelo Monteiro, é fácil percebermos a importância que ele sempre deu à
questão religiosa, ou mística, em sua obra. “A circunstância da minha poesia
ser assim geralmente considerada não deve obscurecer o fato dela pertencer a
uma tradição específica, a católica, veiculada por uma cultura na qual
moldei meu imaginário. Nem tampouco esquecer outro fato: de que cada mística
é inseparável de sua forma religiosa, e de que ambas têm um ponto em comum
com a poesia: a captação imediata da realidade por meio de uma fusão de
sujeito e objeto ativada pela centelha do divino em cada um de nós. Não por
acaso, os temas mais constantes na minha experiência poética são, muitas
vezes, sob o disfarce amoroso, a relação transcendental Eu-Tu e a
necessidade de permanente ultrapassagem do condicionado e do provisório”,
diz o escritor.
Em um dos
seus poemas presentes no livro, Por enquanto, Ângelo diz que jamais entendeu
a vida. Mas será que o processo de reunir os textos para este livro o
ajudou? “A vida, de modo algum, será entendida racionalmente, e isso pela
simples razão de que ela transcende todos os conceitos, porque anterior e
posterior a todas as nossas reflexões. E a poesia não nos ajuda a entendê–la
mas, ao contrário, nos abisma cada vez mais em sua profundidade enigmática.
Na segunda
estrofe de um dos Hinos da descoberta talvez se encontre minha melhor
interpretação sobre ela: ‘A vida detém meu leme/A vida é flor que me treme/
A vida é o carinho estreme/ Que não se pede: se dá./ E a morte é doce
ressábio/ Que ao percorrer todo lábio/ O beijo resgatará.’”
(©
JC Online)
Tempo de lembrar Maximiano
Por
ocasião dos dez anos de morte do autor, é relançado o livro Sem lei nem
rei, escrito há 40 anos e considerado o ápice de sua obra
Schneider Carpeggiani
A primeira
cena é rica em detalhes e se abre para o leitor como aqueles painéis que
recobrem todos os pontos de uma parede, em que é impossível a visão
encontrar ponto de fuga – “Lamparina esticava as passadas. Lembrava-se
de sua terra, do verde das canas, do massapé lambuzado dos pés opilados
dos seus companheiros. Nota-se quando se passa de um engenho para o
outro. São os cercados, as plantas de cana, as sedes dos engenhos com
seus bueiros sacudindo fumaça, ou de fogo morto, no abandono, na
tristeza, enroscando-se neles como as jitirianas em espirais. Ali era
diferente. Ninguém sabia onde era o início ou o fim de uma fazenda”.
A
obsessão de Maximiano Campos (1940/1998) em fazer as cores da suas
narrativas saltarem à nossa frente, retorna com a nova edição do romance
Sem lei nem rei. O livro, que completa 40 anos, foi o auge da sua
criação literária, retomando/renovando um dos temas favoritos da
tradição literária brasileira, o impasse que é o interior do país. O
difícil processo de transformar em pátria o que escapou/sobrou da
civilização. A obra volta às livrarias com selo da Editora Escrituras e
prefácios de Raimundo Carrero e Antonio Campos (filho de Maximiano).
A nova
edição faz parte do calendário pelos 10 anos de morte de Maximiano, que
tem início hoje, às 19h, na Praça de Eventos do Shopping Paço Alfândega.
Haverá abertura da exposição fotográfica Maximiano Campos, sem lei nem
rei, com curadoria de Betânia Corrêa de Araújo, lançamento da edição
comemorativa do livro, e entrega dos prêmios do 4º Concurso Literário
Maximiano Campos. Amanhã, às 18h30, no auditório da Livraria Cultura, o
poeta Marcus Accioly irá debater a importância do romance e está marcada
ainda a sessão de autógrafos do livro Para ler Maximiano Campos, de Luiz
Carlos Monteiro.
Com selo
da editora Bagaço, o livro é um cartão de visitas para a obra do autor.
“Reunimos um pequeno perfil biográfico dele e artigos de jornais e
revistas que ajudam a esclarecer o que ele escreveu”, explica Monteiro.
Sem lei
nem rei é fruto de um ano (1968) famoso por fissuras. A obra nascia
entre os dois movimentos literários que ainda explicam como se escreve e
se lê em Pernambuco – a Geração 65 de autores como Alberto da Cunha Melo
e Marcus Accioly e o Movimento Armorial. O livro de Maximiano parece
reter em si as diferentes tensões que esses dois pólos lançam. Segundo o
ensaio de Antonio Campos, a obra espelha bem o ciclo de leitores que
perseguia o imaginário do seu pai na época -– Tolstói, Kazantizákis,
Hemingway, Ariano Suassuna, José Lins do Rego e Gilberto Freyre,
“O ano em
que esse livro veio a público integra um período difícil no Brasil,
imediatamente anterior ao Ato Institucional nº 5, em que canhões do 4º
Exército costumavam ancorar diuturnamente na Faculdade de Direito do
Recife. O medo era uma tônica nos lugares, as metáforas surgiam como
balsas de salvação para os poetas náufragos, sendo as milícias
não-oficiais sertanejas um ideal utópico a ser explorado pelos
romancistas”, situa Antonio Campos.
Sem lei
nem rei é um livro de denúncia. Sua trama enfoca como os coronéis e
fazendeiros açoitavam os cangaceiros ou os entregavam às volantes
policiais. Mesmo com a dureza da trama, o autor distribui inúmeros oásis
poéticos pelo texto, em passagens como “No seu mundo o verde parecia
visita, chegando sempre como se pedisse licença, durando pouco”.
Maximiano era implacável com seus personagens, mas parece que gostava de
oferecer “descanso” ao leitor durante sua travessia numa terra que é
guiada por uma moral própria, indiferente a tudo ao seu redor.
Em seu
artigo, Raimundo Carrero destacou que o livro retoma e renova um caminho
iniciado por nomes como José Lins do Rego, até “porque não existe
renovação sem tradição, ainda quando se tenta destruí-la” – como aquele
1968 tão bem tentou fazer.
(©
JC Online)
Leitor é prioridade em festival
O Festival A Letra e a Voz chega à sua sexta edição afinando o tripé
literatura + formação de leitor + circulação do livro. “Nós
procuramos dividir as atividades de uma forma que contemplem o
leitor que está se formando, a discussão literária propriamente dita
e como fazer o livro chegar ao público consumidor. Foi importante
pensar num evento que tenha toda essa amplitude”, destacou Heloísa
Arcoverde, responsável pela Gerência Operacional de Literatura e
Editoração da PCR, que organiza o evento.
Ao
contrário dos anos anteriores, A Letra e a Voz não coincide com o
Dia do Poeta Recifense. A abertura será domingo, no Teatro de Santa
Isabel (ver destaques na arte ao lado), com concerto da Orquestra
Sinfônica do Recife e recital poético. “Em geral, nosso calendário
tem início no dia 16 de agosto, mas este ano decidimos mudar de data
por causa da Bienal Internacional do Livro de São Paulo e das
Olimpíadas”, continuou Heloísa.
Os
homenageados deste ano são Alberto da Cunha Melo, Orismar Rodrigues
(ambos falecidos ano passado), Gilvan Lemos e Josué de Castro. O
sociólogo, inclusive, ganhará a exposição Os Recifes de Josué de
Castro, com curadoria de Betânia Correia de Araújo, no Museu da
Cidade do Recife, e será tema de uma série de debates. Serão
lembrados ainda os centenários de Machado de Assis (morte) e de
Guimarães Rosa (nascimento). O escritor Raimundo Carrero também será
homenageado pelos seus 60 anos (completados em dezembro passado).
Num projeto organizado por Marcelo Pereira (editor do Caderno C),
nomes como José Castello irão distutir a obra em eterna mutação do
autor.
A
programação do festival trará para o Recife escritores que raramente
(ou nunca) discutem suas obras por aqui. É o caso de Milton Hatoum,
que há uns bons anos estava devendo uma conversa com o público
recifense. Ele debate com o professor da UFPE Lourival Holanda e
lançará seu novo romance, o elogiado Órfãos do Eldorado. Também
estão confirmadas as presenças do poeta e filósofo Antonio Cícero,
de Eduardo Gianetti e de Lourenço Mutarelli, que irá discutir as
interfaces entre quadrinhos e literatura e autografar seu romance A
arte de produzir efeito sem causa.
Assim
como aconteceu em anos anteriores, o festival abre seus tentáculos
por várias partes da cidade. Estão marcados debates e eventos por
lugares como: Livraria Cultura, na Saraiva Mega Store, Santa Isabel,
Fafire, Refinaria Multicultural Nascedouro de Peixinhos e Senai.
Na
programação do festival, estão agendados os minicursos Narrativas
breves – e outras nem tanto, com Marcelino Freire, Literatura &
cinema, com Fernando Monteiro, Kalligráphos/Caligrafia experimental,
com Cláudio Gil, e A formação do palhaço, com Mario Fernando
Bolognese. Para todas as oficinas ainda existem vagas disponíveis.
As inscrições podem ser realizadas pelo e-mail gole@recife.pe.gov.br
ou pelo telefone 3232-2898.
Na
programação, não poderia faltar lugar para a Recitata – abreviação
de Recife em cantata – uma espécie de torneio poético com objetivo
de divulgar os poetas da cidade e a oralidade de suas poesias. Essa
competição, que entra em sua terceira edição, com direito a comissão
julgadora, irá conceder uma premiação em dinheiro que varia entre R$
600 e R$ 1.400 para o primeiro colocado. Segundo Heloísa, mais de
100 poetas já se inscreveram.
“Na
minha opinião, o que diferencia o A Letra e a Voz de outros eventos
literários é que o foco do festival não é a festa, mas o conteúdo
das discussões”, explica a organizadora.
(©
JC Online)
»
Veja programação completa
do "Festival A Letra e a Voz" |