Foto: Wilton Júnior/AE
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João era só sorrisos na volta ao Rio
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Apresentação no Teatro Municipal
contou com 'Você Já Foi à Bahia?' e 'Rosa Morena'
Lauro Lisboa Garcia, de O Estado de S.
Paulo
RIO - Depois
da passagem triunfal de Caetano Veloso e Roberto Carlos na sexta-feira,
nada melhor para coroar a programação do que João Gilberto, no domingo,
24, no Teatro Municipal, dentro do mesmo projeto Itaúbrasil, para
celebrar os 50 anos da Bossa Nova. O show teve um tributo a Dorival
Caymmi, morto no sábado retrasado, com três clássicos - Você Já Foi à
Bahia?, Doralice e Rosa Morena. Mais para o fim, no
bis, voltou a abordar o conterrâneo: "Vocês me dão licença de cantar uma
música de Dorival Caymmi que talvez não conheçam muito." E mandou
Você Não Sabe Amar.
Acorreu ao show de João, que começou com 54 minutos de
atraso, um número de gente de música bem maior que no do encontro de
Roberto e Caetano. O cantor baiano, aliás, era um dos convidados.
Compareceram também Gilberto Gil, Francis e Olivia Hime, Olivia
Byington, Sérgio Ricardo, Adriana Calcanhotto, Jaques Morelenbaum,
Moraes Moreira, Davi Moraes, Galvão, Carlinhos Brown, Roberta Sá, Moreno
Veloso e Pedro Sá, entre outros.
Muitos deles nunca tinham visto João tocar ao vivo e, mais do que fãs ou
curiosos, entre eles havia devotos. "João pra mim é um acontecimento
perpétuo. Já está aqui no cerebelo", exultava Caetano, ao final da
apresentação. "É sempre maravilhoso. É muita filigrana, os melismas de
Rosa Morena e Samba do Avião, que ele faz muito
sutilmente, mas que hoje fez com um pouco mais de exibição mesmo",
observou Gil, ressaltando ainda as qualidades de "grande garimpeiro dos
aluviões da música de todas as épocas".
Algumas canções do repertório de São Paulo - basicamente os clássicos da
Bossa Nova de Tom Jobim e parceiros - coincidiram no roteiro carioca,
mas é claro que foi tudo diferente. Quebrando um jejum de 14 anos sem se
apresentar no Rio, ele fez lindas homenagens à cidade com Samba do
Avião e Sinfonia do Rio de Janeiro (ambas de Tom, a segunda
em parceria com Billy Blanco). Até a tão esgarçada Wave ressurgiu
como se estivesse levantando fresquinha do mar, levada por uma prazerosa
brisa de verão. Outra que deixou os fãs em êxtase foi o bem-humorado
samba 13 de Ouro (Marino Pinto/Herivelto Martins).
A platéia conseguiu segurar o impulso de cantar junto até Desafinado.
Mas quando veio Chega de Saudade não resistiu e começou a
acompanhá-lo baixinho. João adorou o "sussurrinho" de "vai, minha
tristeza" e convidou: "Vamos fazer de novo." Mas foi com Garota de
Ipanema que ele provocou êxtase geral.
(©
Estadão)
Crítica/show
No Rio, João Gilberto aplaude e pede bis
Acompanhado pela platéia em "Chega de Saudade", músico
surpreende ao solicitar novo "sussurro" e diz: "Não quero mais ir embora!'
Rafael Andrade/Folha Imagem
O músico, no Teatro Municipal do Rio, aplaude o público; "Vamos
fazer de novo?', pede, ao fim de "Chega de Saudade" |
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RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Com 55 minutos de atraso (ninguém reclamou), João Gilberto entrou no palco
do Teatro Municipal do Rio, na noite de domingo, e selou um pacto de amor
com a platéia carioca, para a qual não cantava desde 1994. Foi longamente
aplaudido em todos os 30 sambas e canções que desfiou durante uma hora e 20
minutos, repetindo boa parte do repertório que apresentara em São Paulo na
semana anterior. Mas, quase ao fim, deu-se uma surpresa.
Ao começar "Chega de Saudade", de Tom e Vinicius, foi
acompanhado à meia-voz pela platéia. Sabendo-se que ele não gosta de
interferências externas enquanto canta, alguns gelaram -como João Gilberto
iria reagir? Pois ele levou o samba até o fim. Quando terminou, fez uma
pausa e disse, sorrindo: "Gostei desse sussurro. Vamos fazer de novo?". E
puxou um novo "Chega de Saudade", com a letra inteira sendo cantada duas
vezes pelo público, e ele, com ar de grande satisfação, acompanhando-o ao
violão e aos contracantos.
Ao aplaudir a platéia, exclamou: "Só tem um problema. Não
quero mais ir embora!". Então, arregaçou a manga do braço direito, como se
os trabalhos fossem começar ali. Atacou de "Garota de Ipanema", da qual o
público também participou, e fechou com um "O Pato" cheio de quebradas
diferentes, vocalizes e truques de conjuntos vocais.
Só então saiu do palco. Foi aplaudido por cinco minutos,
mas não voltou. Tudo bem. Os sorrisos nos rostos, nas escadarias do
Municipal, eram a prova de que todos tinham caído no visgo do sedutor.
Mas, no começo, houve quem temesse pelo pior. João
Gilberto entrou cantando ainda mais baixo que de costume, como se não
soubesse o que esperar daquela noite. Foi assim nos três Caymmis com que
abriu o recital ("Você Já Foi à Bahia?", "Doralice" e "Rosa Morena") e na
pequena jóia "Treze de Ouro", de Herivelto Martins e Marino Pinto, criada
pelos Anjos do Inferno em 1949. Mas o público mostrou que estava ao seu
lado, apurando os ouvidos e se esforçando para não respirar, ofegar ou ter
crises de asma. Em "Meditação", de Tom e Newton Mendonça, e "Preconceito",
de Wilson Batista e Marino Pinto, o volume parecia restabelecido. Com "Samba
do Avião", só de Tom, já estávamos em velocidade de cruzeiro.
Então, a inesperada delícia: sua interpretação de dois
movimentos da "Sinfonia do Rio de Janeiro", de Billy Blanco e Jobim,
cantados originalmente, em 1954, por Dick Farney e Nora Ney. São conhecidos
registros particulares por João Gilberto dessa antecessora direta da bossa
nova, mas ele nunca a gravou comercialmente. O ciclo Jobim, com vários
parceiros, continuou com "Ligia", "Caminhos Cruzados", "Desafinado",
"Corcovado" e, mais impressionante, um "Retrato em Branco e Preto" em que
ele exibiu seus incríveis foles de 77 anos, sustentando as frases
longuíssimas e mortíferas.
Vendo-o ao vivo, é fácil entender por que ele se diz um
"cantor de sambas". Foi com indisfarçável prazer que se entregou a "Isto
Aqui, o que É?", de Ary Barroso, "Não Vou Pra Casa", de Antonio Almeida e
Roberto Roberti, e "Tim-tim por Tim", de Geraldo Jacques e Haroldo Barbosa.
Nesta, lembrou-se dos Cariocas, que a lançaram, e os chamou de "professores
de música do Brasil". Citou seus nomes um por um e perguntou, "Cadê Os
Cariocas?". Não por acaso, dois deles, Badeco e Quartera, integrantes
originais do conjunto, quase chorando, estavam nos camarotes, misturados às
celebridades, estas ignoradas pelo público diante do astro maior.
Avaliação: ótimo
(©
Folha de S. Paulo)
João é todo sorrisos na volta ao Rio
Cantor deixa em êxtase público que lotou o Teatro Municipal no domingo
Lauro Lisboa Garcia
Muita gente do meio musical reclama da escassez de espaço para boa música no
Rio, da infra-estrutura e acústica de algumas casas, da falta de interesse
por novidades e do comportamento do público carioca e tal. Mas o que se viu
neste fim de semana foi algo redentor. Depois da passagem triunfal de
Caetano Veloso e Roberto Carlos na sexta-feira, nada melhor para coroar a
programação do que João Gilberto, anteontem, no Teatro Municipal, dentro do
mesmo projeto Itaúbrasil, para celebrar os 50 anos da bossa nova.
Acorreu ao show de João, que começou com 54 minutos de atraso, um número de
gente de música bem maior que no do encontro de Roberto e Caetano. O cantor
baiano, aliás, era um dos convidados. Compareceram também Gilberto Gil,
Francis e Olivia Hime, Olivia Byington, Sérgio Ricardo, Adriana Calcanhotto,
Jaques Morelenbaum, Moraes Moreira, Davi Moraes, Galvão, Carlinhos Brown,
Roberta Sá, Moreno Veloso e Pedro Sá, entre outros.
Muitos deles nunca tinham visto João tocar ao vivo e, mais do que fãs ou
curiosos, entre eles havia devotos. "João pra mim é um acontecimento
perpétuo. Já está aqui no cerebelo", exultava Caetano, ao final da
apresentação. "É sempre maravilhoso. É muita filigrana, os melismas de Rosa
Morena e Samba do Avião, que ele faz muito sutilmente, mas que hoje fez com
um pouco mais de exibição mesmo", observou Gil, ressaltando ainda as
qualidades de "grande garimpeiro dos aluviões da música de todas as épocas".
Sérgio Ricardo, de quem João sempre cantou músicas "nas intimidades", diz
que ficou surpreso quando o cantor incluiu O Nosso Olhar no roteiro de São
Paulo, e repetiria anteontem com resultado ainda mais bonito. "Foi muito
surpreendente o fato de ele cantar uma música minha, porque não é muito o
estilo dele. Mas tudo o que ele faz tem sempre uma mágica."
Pedro Sá, guitarrista da banda de Caetano, conta que chegou às 3 horas da
manhã do dia em que se abriram as vendas de ingressos (que se acabaram três
horas depois). "Aí tinha um cara na fila que tinha um ingresso sobrando para
o show de Caetano e Roberto. Dei muita sorte."
"É uma viagem em que João leva a gente sempre para um lugar muito bom",
definiu Moraes Moreira. "E por tudo que eu conheço dele, posso dizer que
esse show de hoje foi muito especial." Seu jovem filho Davi Moraes, "graças
a Deus", viu João pela quarta vez: "É sempre como se fosse a primeira vez.
Ele está cantando do jeito maravilhoso que a gente conhece, é sempre
emocionante demais."
Pois a "viagem" começou com um lindo tributo a Dorival Caymmi, morto no
sábado retrasado, com três clássicos - Você Já Foi à Bahia?, que cantou duas
vezes seguidas, variando o andamento, Doralice e Rosa Morena - na seqüência.
"Dorival Caymmi, vocês sabem", disse João ao terminar a primeira. Para os
bons entendedores, bastou. Melhor demonstração de respeito do que o
silêncio, pela memória do supremo baiano que prenunciou a bossa de João, só
mesmo ele cantando.
Mais para o fim, no bis, voltou a abordar o conterrâneo: "Vocês me dão
licença de cantar uma música de Dorival Caymmi que talvez não conheçam
muito." E mandou outra pedrada: Você Não Sabe Amar. Algumas canções do
repertório de São Paulo - basicamente os clássicos da bossa nova de Tom
Jobim e parceiros - coincidiram no roteiro carioca, mas é claro que foi tudo
diferente. E até mais caloroso. Quebrando um jejum de 14 anos sem se
apresentar no Rio, ele fez lindas homenagens à cidade com Samba do Avião e
Sinfonia do Rio de Janeiro (ambas de Tom, a segunda em parceria com Billy
Blanco).
Samba do Avião foi um momento especial. João repetiu cinco vezes a letra,
trocando e suprimindo palavras, numa versão diferente da outra, como se
estivesse depurando-a até encontrar o ponto exato. Fez até um belo solo
instrumental, que poderia ser mais longo, de tão interessante que foi, para
se notar a dinâmica de seus acordes. A Sinfonia caiu como um bálsamo em sua
louvação a Copacabana.
Até a tão esgarçada Wave ressurgiu como se estivesse levantando fresquinha
do mar, levada por uma prazerosa brisa de verão. Foi uma daquelas
interpretações que superam todas as outras já feitas da canção, incluindo as
do próprio João. O mesmo pode-se dizer da italiana Estate.
Outra que deixou os fãs em êxtase foi o bem-humorado samba 13 de Ouro
(Marino Pinto/Herivelto Martins), com que ele já tinha surpreendido o
público paulistano. Para Caetano foi um dos destaques do show. Não conhecia
"aquela da macumbeira", como também foi novidade para ele e todo mundo um
trecho de uma composição de Severino Filho, que nem João lembrou direito da
letra (e pediu desculpas por isso). Foi num dos dois momentos em que exaltou
as qualidades dos Cariocas, "grande conjunto vocal", e os homenageou
cantando só a parte final de Tim Tim por Tim Tim, deixando um sabor de
"quero mais".
Sem tapete no palco, sem beber uma gota de água sequer nem precisar afinar
muito as cordas do violão, como aconteceu no primeiro show no Auditório
Ibirapuera, João, do alto de seus 77 anos, ainda impressiona não só pela
vitalidade, mas pelas nuances criativas de interpretação e harmonias
inesperadas.
O show começou um tanto estranho. João parecia rouco, com a voz cansada, e
se atrapalhou um pouco com a letra de Doralice. Mas a partir de Meditação
(Tom Jobim/Newton Mendonça), inserindo pausas e onomatopéias, já com a voz
mais aquecida, o show deslanchou. Já no bis, ele dá uma leve derrapada no
verso final de Da Cor do Pecado, mas em vez da seriedade com que conduzia
Doralice, desta vez ele se divertiu com o deslize, e o público mais ainda.
Este foi um dos vários momentos de um João sorridente, como em Disse Alguém
(versão do standard americano All of Me), buliçoso no remelexo de Isto Aqui
o Que É? (Ary Barroso), De Conversa em Conversa (Lúcio Alves/Haroldo
Barbosa) e Não Vou pra Casa (Antônio Almeida/Roberto Roberti). Teve Lígia,
sem ele pronunciar de novo o nome da musa de Tom Jobim, e outras passagens
de grande delicadeza poética como Chove Lá Fora (Tito Madi), Caminhos
Cruzados (Tom Jobim/Newton Mendonça) e Sinfonia do Rio de Janeiro, das mais
encantadoras do concerto.
A platéia conseguiu segurar o impulso de cantar junto até Desafinado. Mas
quando veio Chega de Saudade não resistiu e começou a acompanhá-lo baixinho.
João adorou o "sussurrinho" de "vai, minha tristeza" e convidou: "Vamos
fazer de novo." E toca outra vez, sem cantar, só fazendo de vez em quando um
contracanto discreto para o vocal da platéia.
De Tom em Tom, antes de Garota de Ipanema disse que não queria mais ir
embora, e arregaçou a manga direita da camisa e do paletó, para mais um
êxtase geral. E não é que ele até atendeu ao pedido de uma fã e mandou ver O
Pato no fim? "Cadê vocês?", convocou na hora de fazer "qüem qüem". Pela
ovação final, o público do teatro lotado queria mais e mais. Não teve, mas
voltou pra casa com um sorriso tão grande quanto o de João.
(©
Estadão)
João Gilberto compensa atraso e faz bis com 10 músicas
Fotos: Eduardo Nicolau/AE
Cantor se desculpou por atraso, homenageou dono do hotel
Maksoud Plaza e mandou um "São Paulo, I love you"
Jotabê Medeiros, Lauro Lisboa Garcia e Livia
Deodato
SÃO PAULO
- João Gilberto foi generoso com o público paulista que foi assistir ao seu
concorrido show na noite desta quinta-feira, 14, no Auditório Ibirapuera.
Sem fazer nenhuma reclamação do som ou do ar-condicionado, o cantor e
violonista ícone da Bossa Nova compensou o longo atraso de mais de uma hora
e meia do início da apresentação com um bis de 10 músicas. Foram 30 canções
ao todo. A última delas, Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinícius
de Morais. João pediu desculpas pelo atraso e se justificou com o cansaço da
viagem de volta de Nova York, onde esteve recentemente. O pedido de
desculpas foi aceito com aplausos.
Um momento inusitado do show foi a homenagem que fez a
Henry Maksoud, dono do Hotel Maksoud Plaza. "Ele inventou um hotel... é o
castelo da hospitalidade. É tão lindo, aquela varanda...", divagou o baiano,
que volta a se apresentar nesta sexta-feira, 15, no Auditório Ibirapuera.
Às 21h45 - 45 minutos após o horário marcado para começar
o show de João Gilberto - o crítico musical Zuza Homem de Mello foi ao
microfone do auditório do Ibirapuera e disse: "como vocês podem imaginar,
vamos ter de esperar mais um pouquinho. O timing do artista é o seu violão.
O que eu posso dizer é que o avião já decolou, já aterrissou e ele já está a
caminho."
A expectativa do público era grande - e da imprensa ainda
maior. Passava das 22 horas, quando alguns repórteres e cerca de 25
fotógrafos começaram a se aglomerar na entrada lateral do Auditório
Ibirapuera, cujo acesso é voltado para a Avenida Pedro Álvares Cabral. Onde
estaria João Gilberto?
Às 22h10, a equipe do Auditório Ibirapuera veio pedir
organização para a imprensa: que se formasse uma fila lateral para não
atrapalhar a entrada de João Gilberto. Dois minutos depois e lá estava ele
descendo do carro, cabisbaixo, sem dar uma palavra. E um mundo de fotógrafos
disputando centenas de flashes.
Monique Gardenberg, da Dueto, a produtora do show de João
Gilberto, justificou o atraso. Informou à reportagem que o cantor havia
desembargado e já estava próximo do Parque Ibirapuera. "É o tempo dele, não
há a menor maneira de contrariar", disse. Já no elevador do prédio, ela
confirmou. "Agora está tudo bem. "Perguntada por que a cadeira que o artista
iria usar no show ainda não estava no palco, disse: "Ele quer testar
antes."
Lá fora, havia uma certa confusão com gente chorando
porque seus nomes não estavam na lista de convidados do cantor. É que João
Gilberto mandou avisar por meio da imprensa que queria ter na platéia amigos
de São Paulo que ele há muito tempo não via. Muitos vieram. Um deles foi
Álvaro de Moya, jornalista, escritor, produtor, ilustrador e diretor de
cinema e televisão, que trabalhou com o cantor na TV Excelsior nos anos 60.
Moya lembrou de quando o recebia no programa e se divertiu muito numa
ocasião em que João e Orlando Silva (a quem ele imitava no início da
carreira) se encontraram no programa. "Bibi Ferreira pediu para João imitar
Orlando e ele imitou."
O poeta Galvão, dos Novos Baianos, foi outro desses
convidados e trouxe sua banda. "Não falei com ele esses dias, porque quando
está perto de fazer show, é muito difícil encontrar João", disse. Galvão é
um dos privilegiados a freqüentar a intimidade do pai da bossa nova. "Ele
toca pra mim no apartamento, estou acostumado a vê-lo trabalhando nas
canções, mas mesmo assim, toda vez que vou a show dele, sempre tem uma
surpresa." No hall do Auditório figuravam ilustres, como Manuel Pires da
Costa, presidente da Bienal, Roberto Civita, presidente do Grupo Abril, o
publicitário Nizan Guanaes, o ator Wagner Moura e o produtor Nelson Motta.
A expectativa pela apresentação de João Gilberto se seguiu
até o último minuto. Quando a voz pré-gravada de uma locutora pediu "por
favor, ocupem seus lugares", o público que esperava havia mais de uma hora
explodiu em gargalhada. O show estava previsto para começar às 21 horas.
Depois de uma breve apresentação de Homem de Melo, João
Gilberto entrou no palco às 22h37, trazendo seu violão, bastante aplaudido.
Sentou-se na cadeira de madeira que os contra-regras haviam trazido dez
minutos antes, junto com um apoio para os pés, os dois microfones e um
banquinho onde acomodaram uma toalha, uma garrafa de água e um copo.
Desculpas
O cantor começou o show às 22h38 pedindo desculpas pelo
longo atraso. "Vocês me desculpem o atraso. Dizem que eu atraso, mas não
atraso, não. É que tive de fazer uma viagem anteontem e cheguei atrasado",
justificou. "Vocês me desculpem", repetiu. Em seguida, abriu o roteiro de
canções com o clássico Aos Pés da Cruz, de Marino Pinto e Zé da
Zilda. Perto do fim da música, para espanto geral, entrou o sinal sonoro de
desligamento de um computador, provavelmente aquele utilizado antes para
exibir a programação da casa.
E quem disse que show de João não tem surpresa? Pois foi o
que aconteceu na segunda música, quando interpretou um bem-humorado e
desconhecido samba que fala de uma "nega macumbeira" que "tem um 13 de ouro
pendurado no pescoço" e "se vê um gato preto dá doce pra Cosme e Damião".
O primeiro clássico da bossa nova veio em seguida,
Wave, de Tom Jobim. Foi quando surgiram projeções de imagens
caleidoscópicas no telão ao fundo, algo não muito comum nos shows de João,
que em seguida cantou Caminhos Cruzados (também de Jobim, com
Newton Mendonça). Ao final da canção, agradeceu: "Obrigado. São Paulo, I
love you."
Antes de interpretar Doralice, de Dorival Caymmi
(a mais aplaudida até então), foi que João teceu loas a Henry Maksoud,
elogiando o "castelo de hospitalidade" que é o hotel. "É tão lindo, aquela
varanda." E continuou: "Me desculpem vocês, um beijo, Henry." Explicou
também que a pulseira no punho esquerdo não era um enfeite, mas "um
bracelete astrológico". Houve comentários de que o atraso não foi por conta
de viagem nenhuma, mas que ele estava jantando com Maksoud no hotel.
De todo modo, a espera compensou. Entre outros clássicos,
ele ainda cantou Rosa Morena (Dorival Caymmi) e Desafinado
(Tom Jobim/Vinicius de Moraes). Após 20 músicas, João Gilberto deixou o
palco, mas retornou para o bis, presenteando o público com mais 10 canções e
finalizando a apresentação, à 0h05, com Garota de Ipanema.
(©
Estadão)
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