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Caetano, o Rei e o show de naftalina

27/08/2008

 

 

Fotos: JF Diório/AE

Caetano e Roberto Carlos homenageiam Tom Jobim
 

Mais preocupados em lustrar prestígio de Tom Jobim do que em ousar e suplantar-se, totens da MPB fazem noite tediosa

Crítica

Jotabê Medeiros

Os melhores momentos do show de Roberto Carlos e Caetano Veloso em homenagem a Tom Jobim acontecem quando o próprio Tom Jobim, no telão, surge cantando suas canções e tocando-as ao piano. É um efeito sintomático: quando a homenagem, ao vivo, é menos vibrante do que a imagem vítrea, a memória, algo vai errado.

Roberto e Caetano fizeram de tudo para Tom Jobim: bajularam-no, superlativaram-no, choraram-no. A platéia entendeu, compreendeu, participou, emocionou-se junto - talvez mais pela própria força das canções do que pela grandeza das versões. Mas tudo que Roberto & Caetano não conseguiram foi fazer com que a obra de Tom suplantasse a solenidade, a paródia, o gesto imitador. Aboleraram Tom Jobim, regrediram sua canção à idade da pré-bossa, ao barroquismo da fase Orlando Silva (nem ao menos um Mário Reis pintou ali).

Naftalínico, o concerto cedeu à nostalgia, à vontade de que o tempo fique congelado, que as coisas sejam imutáveis e polidas ad infinitum. O pianista Daniel Jobim, neto de Tom, usava o chapéu característico do avô, como que para reiterar a onipresença do compositor. Um gesto dispensável, já que o próprio repertório tinha essa função.

Foi como num jogral escolar em homenagem ao Duque de Caxias ou coisa parecida, em que as qualidades do homenageado são discorridas de forma artificial, mal ensaiada. Um lustro tedioso num monolito de ouro.

Caetano (animado com suas sambadinhas à Rubens Barrichello) mostra que é mais eficiente nas versões de clássicos da chamada música brega brasileira (como fez em Moça, de Wando, ou Sozinho, de Peninha). Aí, ele consegue "emprestar" elegância e prestígio à canção e, em contrapartida, revestir-se de sua "sinceridade". Mas, confrontado com a fineza de Jobim, parece diluir-se, perder lastro ou, então, é apenas reiterativo, com reverência exagerada.

Há pouca ousadia no repertório: Garota de Ipanema, Samba do Avião, duas vezes Chega de Saudade. Um dos momentos é quando Caetano, em seu set solo, canta Caminho de Pedra. "Essa é uma canção não muito conhecida de Tom Jobim. No disco de Elizeth, que ouvi com Bethânia em Salvador, nos anos 60. Fico feliz em ter a chance de cantá-la aqui, com orquestra. Muito modestamente e muito inseguramente, mas com coração", avisou, ao finalizar com um "peeeeedra" de doer os ouvidos.

E a voz de Roberto é tamanha que às vezes ela precisa de controle. Sim, nós já sabemos da extensão de sua voz, ele não precisava exibir-se tanto. E ele ousa muito pouco também, porque não é do seu feitio - mas bem que podia ter algum ás na manga. Apenas um número poderia dizer-se que é surpreendente: Por Causa de Você. Roberto lembra da forma como foi composta - Jobim a deu a Dolores Duran, que a levou ao camarim e fez uma letra para ela escrevendo com "lápis de sobrancelha".

As duas orquestras seguiam caminhos diametralmente opostos. Em Roberto Carlos, sob a regência de Eduardo Lages, a big band servia à música romântica de salão, marca do ?Rei? nas últimas décadas. Com Jaques Morelenbaum, sideman de Caetano, ela ia ao ponto extremo de sofisticação, mas as idas e vindas sugeriam alguma esquizofrenia aos ouvidos.

Claro, não seria honesto dizer que foi tudo um porre. Houve bons momentos, especialmente nos números menos solenes, como em Tereza da Praia, que Caetano e Roberto trataram como uma espécie de embolada. A cenografia e a direção do show eram de bom-gosto, com intervenções precisas, procedentes, sem exageros rocambolescos.

Houve dois concertos cruciais das homenagens à bossa nova nesses últimos dias, os dois do projeto Itaú Brasil: o de João Gilberto, mestre do estilo, e o de Caetano e Roberto, epígonos de João. Por que o de João é mais moderno, menos necrófilo? Talvez porque João é a criatura que se confunde com sua criação - ele parece ter sido engolido pela música, está em uma simbiose doida e sonha com o desaparecimento em pleno palco. Essa condição o salva da armadilha de ser cover de si mesmo.

A bossa de Caetano e Roberto, ao menos nesse show, está doente e chamaram dois totens da MPB para fazer a necrópsia.

Frases

"Errei de novo..."
ROBERTO CARLOS,
após dizer que Caetano Veloso cantaria sozinho a partir dali, sendo corrigido pelo parceiro, que, como fizera antes no Rio, anunciou solo de Daniel Jobim na hora errada

"Mas tem fim, sim. Tem que ter, bicho!"
ROBERTO,
no meio da letra de A Felicidade, após o verso que diz "tristeza não tem fim..."

"Não sei como é que eu consigo cantar de tanta emoção"
ROBERTO,
antes de cantar Eu Sei que Vou te Amar

"Desse cara aqui eu não vou dizer nada"
CAETANO,
para enfatizar que Roberto Carlos não precisa de apresentação

"Fico feliz em ter a chance de cantá-la aqui (a canção Caminho de Pedra), com orquestra. Muito modestamente e muito inseguramente, mas com coração"
CAETANO

"Roberto está aqui desde às 16 horas. Ele busca a perfeição e fica ainda mais nervoso e ansioso pela responsabilidade em cantar a obra de Tom Jobim"
DODY SIRENA,
empresário de Roberto Carlos, sobre a gravação que vai ser exibida na TV Globo no próximo dia 14

"Onde é que está o Wanderley? Ah, você tá aí? Eu não tinha te visto aí na penumbra..."
ROBERTO,
procurando pelo músico Benedito Wanderley, seu pianista, na apresentação dos músicos


"Canta uma do Roberto pra gente"
VESGO,
apresentador do programa Pânico na TV, dirigindo-se ao ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, na área externa do Auditório Ibirapuera, antes do início do show

(© Estadão)


Crítica

Roberto e Caetano fazem show chato

Primeiro espetáculo que reuniu os dois cantores em São Paulo foi modorrento e marcado pela turba de celebridades

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Celebridades loucas para aparecer, fotógrafos emperrando a passagem, portões que não abrem, artistas que se atrasam, excesso de convidados, inserções abusivas de agradecimentos a patrocinadores, desrespeito ao público em geral.

Duas coisas marcaram o aniversário de 50 anos da bossa nova. A que preponderou até aqui foi, certamente, esse frenesi coletivo pelo bochicho nos eventos de comemoração.

A outra ecoou na pequena série de espetáculos arrogantes e modorrentos, que começaram com as apresentações de João Gilberto, no último dia 14, e terminariam ontem, com o último dos concertos que reuniram os míticos Roberto Carlos e Caetano Veloso, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo.

Eventos elitistas, onde cantar baixinho sobre o amor, a saudade, o Corcovado e as belezas da orla carioca legitimavam o privilégio e a sofisticação de uma casta.

Na apresentação da segunda-feira, a dupla não se saiu mal. Nem poderia. Alguém duvida que esses dois gigantes da música popular brasileira podem cantar "Garota de Ipanema" ou "Chega de Saudade" muito bem? É claro que não.

O problema do espetáculo não era esse. E sim o seu conceito. Ambos os artistas aceitaram passivamente fazer um show contido, bem-comportado, de arranjos convencionais, e que não trouxe nada diferente ou intrigante para um público cuja última coisa que parecia querer era se surpreender.

O primeiro bloco, o de Caetano, foi melhor. O cantor, emocionado, abriu o coração para interpretar faixas que o haviam influenciado. "Caminho de Pedra" e "O que Tinha de Ser" foram o melhor da noite.
Acontece que Caetano, que sempre foi genial por tentar sair do padrão, ao lado de Roberto se intimidou. Fantasiou-se de sujeito mais velho e, para não destoar do rei, evitou dançar ou adotar o gestual típico que leva aos palcos e dá graça a seus próprios shows.

Já Roberto não fugiu em nada de seu formato. Não foi ele quem cantou bossa nova, foi a bossa nova que entrou no seu universo. Se depois de "Insensatez" ele emendasse uma canção qualquer de ser repertório, digamos "Jesus Cristo", e saísse distribuindo rosas ao público, ninguém estranharia. Quando Roberto está no palco, é apenas um show de Roberto o que vemos. Seja qual for o set list.

Quando cantaram juntos, foram artificiais, entre sorrisos amarelos e abraços pela metade. Algum humor em "Teresa da Praia". Nada demais em "A Felicidade". Fecha-se a cortina, acendem-se as luzes, o público aplaude... olhando para trás! Claro, era a última chance de vislumbrar suas celebridades favoritas saindo de cena.

Pobre Tom Jobim...

Avaliação: ruim

(© Folha de S. Paulo)


Show de Roberto e Caetano em SP renderá especial de TV

Homenagem para Tom Jobim começou uma hora depois do previsto com a música Garota de Ipanema

Livia Deodato e Jotabê Medeiros, de O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO - Desde 16 horas, Roberto Carlos encontrava-se no Auditório Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, local do show que estava previsto para começar às 21 horas desta segunda-feira, 25. No domingo, também havia passado a tarde inteira acertando detalhes do som. "Roberto busca a perfeição e fica ainda mais nervoso e ansioso pela responsabilidade em cantar canções de Tom Jobim", justificou o seu empresário, Dody Sirena. Já Caetano Veloso é uma outra história. "Ele só vai mesmo chegar no horário marcado para o início do show. Já ensaiou o suficiente", comentou Sirena.

A apreensão do Rei também se agravou pelo fato de essa primeira apresentação em São Paulo ter sido escolhida como cenário para um programa especial da TV Globo, que vai ao ar no próximo dia 14 de setembro. Oito câmeras de alta definição foram posicionadas por todo o auditório para focar os melhores ângulos daquele que promete ser um show histórico da dupla. "Vamos recolher bastante material para futuramente produzirmos um filme", acrescentou o diretor televisivo Jodele Larcher, responsável por toda a gravação. 

Luminares 

Uma hora depois do horário previsto, às 22 horas, o show teve início ao som de Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Minutos antes, o crítico Zuza Homem de Mello leu um texto, no qual ressaltou que a dupla que subiria ao palco era formada por "artistas luminares". Roberto vestiu seu usual terno azul, a cor predileta não só dele como também da TV Globo ("parece que essa cor tem melhor definição na TV", disse Sirena). Na seqüência, cantaram Wave e Águas de Março, com o neto de Tom, Daniel Jobim, ao piano. 

Roberto Carlos, que prepara os festejos de seus 50 anos de carreira no ano que vem, parecia relaxado e mais tranqüilo do que em anos recentes. Divertiu-se muito durante a versão de Tereza da Praia, que ele e Caetano cantam como um duelo verbal, e no meio da letra de A Felicidade, após o verso "a tristeza não tem fim", ele disse: "Mas tem fim sim. Tem que ter, bicho!". 

Com Wanderley, músico da banda de Roberto, e Daniel Jobim ao piano, tocando a quatro mãos, e Jaques Morelenbaum no violoncelo, eles cantaram Chega de Saudade e emendaram em seguida Se Todos Fossem Iguais a Você, antes da qual Roberto disse: "Tô cantando essa canção para Tom Jobim". O show terminou às 23h25 com a segunda interpretação de Chega de Saudade. 

Sirena afirmou que, depois do show, Roberto descansaria, pois além da apresentação que fará hoje, tem outro evento fechado para convidados no interior de São Paulo, em uma comemoração da TV Globo. O empresário de Roberto ressalta que os shows da dupla são mesmo históricos, pois há uma chance quase nula de conciliar a agenda de ambos novamente. "Roberto está com pouquíssimo tempo e cheio de compromissos por aqui, como a gravação do especial de fim de ano, além de diversos outros no exterior." Assim como no primeiro dia do show de João Gilberto, ocorrido há cerca de dez dias, o que se pôde notar foi uma marcante presença de famosos. Rodrigo Santoro, Daniella Cicarelli, Edu Guedes e Abílio Diniz fizeram a festa dos fotógrafos.

(© Estadão)

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