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Jovino viaja pelos ritmos do agreste

29/08/2008

 

 

Foto: Divulgação

Jovino Santos Neto
 

Músico lança o CD Alma do Nordeste com apresentação no Sesc Pompéia

Lauro Lisboa Garcia

Quem teve a oportunidade de ver a lendária banda do alagoano Hermeto Pascoal atuar, nos anos 70 até o início dos 90, certamente vai se lembrar do nome e do som de Jovino Santos Neto. Ouvindo o novo CD do pianista e compositor, Alma do Nordeste - que lança hoje no Sesc Pompéia -, é notável a influência daquela sonoridade em seu trabalho. Em especial pelo "sotaque" nordestino, que ele aprimorou nos 15 anos em que trabalhou com Hermeto. Mas como diz Jovino, a influência mais importante não está "no exterior da música" resultante da simbiose entre os músicos daquela banda, "mas na atitude".

Há outros 15 anos Jovino vive em Seattle (Estados Unidos) e este é o primeiro de seus seis CDs lançado no Brasil. O fato de morar longe daqui não o distanciou da musicalidade brasileira, ao contrário. "Houve, sim, uma aproximação, porque deu pra gente ver a coisa de uma forma mais objetiva", diz Jovino.

Esta é a primeira incursão mais profunda do músico pelos ritmos nordestinos. Nos discos anteriores sempre tinha algo do gênero - "um frevo aqui, um maracatu ali" -, mas desta vez ele elaborou um trabalho de pesquisa, não só com o intuito de "refletir o estilo nordestino", mas também de visitar a região, acompanhando os passos do livro Alma do Nordeste, que Nery Camello publicou em 1936.

Relato de um folclorista, o livro, segundo Jovino, tem muito poucas referências musicais. "As observações são mais genéricas, tem uma citação de uma cantoria aqui, de uma de viola ali, mas em geral ele fala do potencial da terra, do que ele via de riqueza e da pobreza nos lugares."

Esses aspectos mais pitorescos, Jovino diz que usou "apenas como se fosse uma maneira de alinhavar um roteiro". O que aconteceu com ele e sua mulher durante a viagem foi muito diferente do que Camello vivenciou. Foi "uma imersão total" no convívio com sanfoneiros, gente do samba de coco, grupos de boi e outros. "O que me marcou bastante foi a atitude deles, o grande orgulho que eles têm da cultura do lugar onde vivem. Já conhecia muitos desses ritmos, mas ter estado lá, ter entrado no clima do ambiente deles foi uma outra experiência."

A improvisação, que sempre fez parte do trabalho de Jovino, também está presente. "Embora haja essa forma jazzística, que é assim que as pessoas vêem meu trabalho e eu também não vou negar, evitei colocar linhas melódicas de jazz e blues neste disco, para não sair do contexto. Há improvisos, mas dentro da linguagem do repente, do forró, do baião."

Carlos Malta (sopros) e Márcio Bahia (bateria), que tocaram com ele na banda de Hermeto, Toninho Ferragutti (acordeão), Dudu Lima (baixo) e Gabriel Grossi (gaita), entre outros, são alguns dos músicos de primeira linha que Jovino chamou para gravar as composições que criou a partir dessa pesquisa. O resultado é um trabalho de conjunto coeso. Inteiramente instrumental, o álbum é uma estimulante viagem pela vasta musicalidade nordestina. E ainda conta com um belo projeto gráfico e versos do cordelista Marcos Haurélio para ilustrar cada faixa.

(© Estadão)


Alma do Nordeste, uma aquarela multicolorida

Martin Gladu

Agradável, colinas verdejantes, provavelmente a primavera em mente, quando pensamos no Nordeste do Brasil. Rica em cultura e tradições, bem como em clorofila, as áreas de Pernambuco, Paraíba, Sergipe e, particularmente, o Estado costeiro de Alagoas, tendo todos produzido muitos renomados artistas. Um destes, multiinstrumentista e compositor, Hermeto Pascoal, um fascinante músico iconoclasta, teve em sua banda Jovino Santos Neto no período de 1977 a 1992.

Em "Alma do Nordeste", Jovino Neto oferece um programa diversificado, que inclui uma ampla aquarela multicolorida de peças típicas e musicalmente transpostas através de pessoais encontros com a alma, o espírito e a diversidade cultural da região. Como seu mentor, o pianista transmite a beleza e o apelo multifacetado do Nordeste.

Com a colaboração de um grupo de competentes músicos brasileiros, Jovino Neto emoldura suas músicas em um som contemporâneo, com toques jazzísticos, em uma suave fusão, que às vezes se aproxima de um clima festivo. Fora deste clima, chama a atenção o tom rascante do gaitista Gabriel Grossi em duas faixas "Rede, Sossego e Chamego" e "Biboca", bem como o baixista Dudu Lima, cujo toque relembra Jaco Pastorius. Apesar do estilo composicional e aspirações artísticas, muitos encontrarão nesta música uma confortável extensão do popular trabalho de Pat Metheny nos anos 80 e início dos anos 90.

Jovino Neto foi largamente influenciado pelo percussionista Airto Moreira. Assim não surpreende encontrar uma forte pegada e técnica de mestre no baterista Márcio Bahia, especialmente em "Amoreira" e "Forró Vino", com firmes acentos sincopados.

Exemplificando o velho ditado que toda música é tradicional, a faixa que abre o disco "Festa na Macuca" relembra o toque do acordeon ouvido em ocasiões festivas na Louisiana. Dentro da herança africana e consequentemente mais ritualística, "Passareio" é uma vinheta percussiva, com um par de flautas "chorando" sobre sons naturais com ritmo repetitivo da batida da bateria.

Em suma, não se precisa ir tão longe para entender este peculiar patrocínio do Ministério da Cultura e da Petrobras, a gigante energética, além da própria qualidade artística, " Alma do Nordeste" de alguma forma simboliza uma sociológica dicotomia brasileira: Entusiasticamente olhando para o futuro, ainda que sob o peso de sua história, procurando caminhos que honrem seu passado, enquanto que, ao mesmo tempo, siga além dele.

(© AllAboutJazz)

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