Foto: Divulgação
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Este é o primeiro filme do diretor paulista de 83 anos desde "Cordélia,
Cordélia", de 1971
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Ao som da belíssima trilha de Anna Maria Kieffer, o
diretor Rodolfo Nanni volta, 50 anos depois, à região em O Retorno
Luiz Carlos Merten
Anna Maria Kieffer já havia participado da trilha do
filme de Sérgio Bianchi, Quanto Vale ou É por Quilo?, com suas canções
de Alberto Nepomuceno, sobre letras de Machado de Assis. Mas a
colaboração agora em O Retorno é especial. Afinal, Anna Maria, uma das
mais respeitadas pesquisadoras de música erudita do País, está
trabalhando com o marido, e num filme que possui um significado
particular na carreira do próprio Rodolfo Nanni. Em 55 anos (desde
1953), Nanni realizou apenas dois longas de ficção, O Saci, adaptado da
obra de Monteiro Lobato - reunindo, na equipe, nomes que, a seguir,
fariam história no Cinema Novo, como Nelson Pereira dos Santos, Ruy
Santos e Alex Viany -, e Cordélia, Cordélia, baseado na peça de Antônio
Bivar.
No fim dos anos 50, Nanni viajou para o Nordeste e, influenciado por
Josué de Castro, fez o documentário A Geografia da Fome, numa época em
que a região enfrentava uma de suas maiores secas. Agora, 50 anos
depois, Nanni percorre de novo aquela paisagem, refazendo - mesmo que
não exatamente - seu roteiro pelo semi-árido. Lançado no Cine PE,
Festival do Recife, O Retorno recebeu os prêmios de direção e
fotografia, mais o prêmio especial da Fundação Josué de Castro. São
todos prêmios importantes, e apontam para uma consagração de O Retorno.
Não foram vitórias tranqüilas. Houve polêmica na coletiva de imprensa,
após a exibição do filme.
O próprio repórter do Estado criticou o cineasta por um ponto que parece
nevrálgico - Nanni bate, ou bateria, na tecla de que nada mudou no
Nordeste, mas basta ver seu filme para perceber que tudo mudou. Tudo ou
nada oferecem limites muito tênues e o próprio Nanni agora responde.
"Nunca disse que as coisas não haviam mudado. O que sustento é que não
ocorreram mudanças significativas na vida dos pequenos lavradores." Para
eles, as estradas asfaltadas e os numerosos signos de modernidade -
antenas de TV, camisetas que ostentam marcas estrangeiras - não
resolveram nada.
Um desses lavradores, que se autodefine como matuto, apresenta para o
governo sua solução para os problemas da falta d?água e do leito do Rio
São Francisco. A cena foi muito aplaudida no Recife. Nanni preocupa-se
com o problema do clima no mundo, que extrapola o Brasil. Como ele diz,
não fez O Retorno contra o governo Lula nem contra qualquer outro, mas
como contribuição para um debate que precisa ocorrer na sociedade (e no
mundo). O próprio Nanni, frente às câmeras, fornece o fio condutor. Ele
conversa com aquelas pessoas, que abrem seus casebres para ele e, mais
do que isso, abrem seus corações, seus sonhos. "O que dá o tom do filme
é o afeto", define o diretor.
Mais do que a direção e a fotografia (belíssima), o melhor de O Retorno
é a pesquisa musical de Anna Maria. Nanni filma a pobreza, a trilha
aponta para a riqueza e diversidade cultural dessas matrizes. Ele mostra
o cemitério, Anna Maria celebra a água. Se o filme retoma o problema
ainda não resolvido das secas, a trilha parte de antigas cantigas de
fonte, gênero de matrizes ibéricas nas quais a água funciona como
metáfora da vida. Os instrumentos são as rabecas, tocadas por artistas
populares ou eruditos, o pife, os 8 baixos, as violas de várias épocas,
incluindo a de arame. Um pouco dessas pesquisas poderão ser conferidas,
independentemente do filme, no concerto que Anna Maria realiza dia 5, às
21 horas, na Sala BNDES, da Cinemateca, sobre os mouros na tradição
musical do Brasil.
Serviço
O Retorno (Brasil/2008, 80 min.) - Documentário. Dir. Rodolfo Nanni.
Livre. Cotação: Regular
(©
Estadão)
Documentário, que marca a volta à direção do veterano
Rodolfo Nanni, se espelha em 'O Drama das Secas'
Neusa Barbosa, da Reuters
SÃO
PAULO - O documentário O Retorno marca a volta à direção do
veterano cineasta Rodolfo Nanni, que retoma o tema de um filme anterior,
feito há 50 anos, seguindo o mesmo itinerário, no agreste e sertão
nordestinos, entre os estados de Pernambuco e Alagoas. A produção
recebeu os prêmios de melhor direção e fotografia (para Roberto Santos
Filho) no Cine PE, em abril. O filme estréia em São Paulo nesta
sexta-feira, 29.
Este é o primeiro filme do diretor paulista de 83 anos
desde Cordélia, Cordélia, de 1971. O trabalho se espelha no
documentário O Drama das Secas (1958), feito com uma pequena
verba obtida por Josué de Castro, então presidente da Associação Mundial
da Luta contra a Fome.
O diretor centra seu foco na situação dos pequenos lavradores
nordestinos e encontra um Brasil modificado pela introdução do Bolsa
Família - programa assistencial que é mencionado em diversos depoimentos
ao longo do filme.
Pelo interior e nas imediações de cidades como Garanhuns, Águas Belas,
Itaíba, Manari, Tanacaru, Serra Talhada e Pesqueira, mostra-se que,
muitas vezes, existem açudes, às vezes imensos. A água, porém, continua,
como há 50 anos, não chegando às pequenas propriedades. Falta ainda,
como faltava há cinco décadas, um projeto amplo de irrigação.
Para muitos dos personagens do documentário, continua a necessidade
imperiosa de buscar longe a água de cada dia, numa cacimba ou lata,
carregada à cabeça.
Se é visível que o Bolsa Família moderou significativamente os efeitos
da fome e da desnutrição, nem este programa nem nenhuma outra medida
governamental serviu ainda para elevar os níveis educacionais e
profissionais dessas populações. A falta de acesso à escola é uma das
queixas mais freqüentes entre os moradores entrevistados,
particularmente os mais jovens.
Um ponto alto está na trilha sonora, cuidadosamente pesquisada pela
cantora e pesquisadora Anna Maria Kieffer, mulher do diretor, com a
parceria do também pesquisador Gilmar de Carvalho. Partindo da
inspiração de cantigas que identificam a água como metáfora da vida, a
trilha constrói uma sofisticada moldura sonora. Recorre também a sons de
instrumentos locais, tais como pífanos, violas de arame, vozes e
percussão. Tudo isso confere uma identidade regional e mesmo poética ao
filme.
(©
Estadão)
Crítica/"O Retorno"
Diretor mostra o que não mudou no sertão
DO COLUNISTA DA FOLHA
Os documentários "Cabra Marcado para Morrer" (1984),
de Eduardo Coutinho, e "O Tempo e o Lugar" (2008), de Eduardo Escorel,
já adotavam o procedimento de voltar, anos depois, a lugares e
personagens filmados anteriormente, e incorporavam no filme "novo"
imagens do "antigo".
Em "O Retorno", de Rodolfo Nanni, essa operação se
radicaliza: o veterano cineasta, realizador do clássico infantil "O
Saci" (1953), voltou às regiões do semi-árido nordestino onde havia
filmado, em 1958, o documentário "O Drama da Seca".
A sobreposição das vívidas imagens atuais com as
captadas em preto-e-branco há meio século produz uma espécie de
vertigem.
Por um lado, tudo mudou: nas camisetas com logotipos
conhecidos, nas motos que acompanham um funeral, numa ou noutra antena
de TV, aquele fim de mundo recebe as sobras da moderna sociedade de
consumo.
Mas tudo continua como era: os lavradores dependendo
do trabalho de sol a sol e do Bolsa Família para sustentar sua numerosa
prole, sempre à mercê das imprevisíveis chuvas.
Há em "O Retorno" uma curiosa tensão interna. Cineasta
de formação refinada, que estudou pintura e cinema em Paris, Rodolfo
Nanni se entrega, em vários momentos, à busca claramente estética,
refletida nos belos enquadramentos, na captação delicada da luz (a
fotografia é de Roberto Santos Filho), na sutil trilha sonora de Anna
Maria Kieffer.
Mas esse impulso de arte é, de certo modo, sufocado
pelo viés sociológico e por uma intenção política demasiado explícita. A
locução, pelo próprio diretor, é discursiva e reiterativa, lembrando as
denúncias sociais da época do CPC (Centro Popular de Cultura) do início
dos anos 60.
Tudo bem que as mazelas são praticamente as mesmas,
mas o discurso -tanto político como cinematográfico- não precisa se
repetir.
A arte atenta para o inesperado, o único; a sociologia
e a política, ao contrário, buscam o padrão, a estatística.
Em "O Retorno", convivem as duas coisas: a curiosidade
pelo singular (como na cena em que velhas índias realizam sua dança
ritual numa choça de pau-a-pique) e a ânsia por uma explicação
globalizante e homogeneizadora. A vida escapa pelas bordas.
(JGC)
O RETORNO
Produção: Brasil, 2008
Direção: Rodolfo Nanni
Onde: estréia hoje no Cine Bombril e no Unibanco Arteplex
Classificação indicativa: livre
Avaliação: bom
(©
Folha de S. Paulo)
"O Retorno" revisita região do
nordeste 50 anos depois
SÃO PAULO (Reuters) - O documentário "O Retorno" marca
a volta à direção do veterano cineasta Rodolfo Nanni, que retoma o tema
de um filme anterior, feito há 50 anos, seguindo o mesmo itinerário, no
agreste e sertão nordestinos, entre os estados de Pernambuco e Alagoas.
Este é o primeiro filme do diretor paulista de 83 anos
desde "Cordélia, Cordélia", de 1971. O trabalho se espelha no
documentário "O Drama das Secas" (1958), feito com uma pequena verba
obtida por Josué de Castro, então presidente da Associação Mundial da
Luta contra a Fome.
"O Retorno" recebeu os prêmios de melhor direção e
fotografia (para Roberto Santos Filho) no Cine PE, em abril. O filme
estréia em São Paulo nesta sexta-feira.
O diretor centra seu foco na situação dos pequenos
lavradores nordestinos e encontra um Brasil modificado pela introdução
do Bolsa Família -- programa assistencial que é mencionado em diversos
depoimentos ao longo do filme.
Pelo interior e nas imediações de cidades como
Garanhuns, Águas Belas, Itaíba, Manari, Tanacaru, Serra Talhada e
Pesqueira, mostra-se que, muitas vezes, existem açudes, às vezes
imensos. A água, porém, continua, como há 50 anos, não chegando às
pequenas propriedades.
Falta ainda, como faltava há cinco décadas, um projeto
amplo de irrigação.
Para muitos dos personagens do documentário, continua
a necessidade imperiosa de buscar longe a água de cada dia, numa cacimba
ou lata, carregada à cabeça.
Se é visível que o Bolsa Família moderou
significativamente os efeitos da fome e da desnutrição, nem este
programa nem nenhuma outra medida governamental serviu ainda para elevar
os níveis educacionais e profissionais dessas populações.
A falta de acesso à escola é uma das queixas mais
freqüentes entre os moradores entrevistados, particularmente os mais
jovens.
Um ponto alto está na trilha sonora, cuidadosamente
pesquisada pela cantora e pesquisadora Anna Maria Kieffer, mulher do
diretor, com a parceria do também pesquisador Gilmar de Carvalho.
Partindo da inspiração de cantigas que identificam a
água como metáfora da vida, a trilha constrói uma sofisticada moldura
sonora. Recorre também a sons de instrumentos locais, tais como pífanos,
violas de arame, vozes e percussão. Tudo isso confere uma identidade
regional e mesmo poética ao filme. (Por Neusa
Barbosa, do Cineweb)
(©
UOL
Cinema)
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