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Reencontro com dilemas do Nordeste

29/08/2008

 

 

Foto: Divulgação

Este é o primeiro filme do diretor paulista de 83 anos desde "Cordélia, Cordélia", de 1971
 

Ao som da belíssima trilha de Anna Maria Kieffer, o diretor Rodolfo Nanni volta, 50 anos depois, à região em O Retorno

Luiz Carlos Merten

Anna Maria Kieffer já havia participado da trilha do filme de Sérgio Bianchi, Quanto Vale ou É por Quilo?, com suas canções de Alberto Nepomuceno, sobre letras de Machado de Assis. Mas a colaboração agora em O Retorno é especial. Afinal, Anna Maria, uma das mais respeitadas pesquisadoras de música erudita do País, está trabalhando com o marido, e num filme que possui um significado particular na carreira do próprio Rodolfo Nanni. Em 55 anos (desde 1953), Nanni realizou apenas dois longas de ficção, O Saci, adaptado da obra de Monteiro Lobato - reunindo, na equipe, nomes que, a seguir, fariam história no Cinema Novo, como Nelson Pereira dos Santos, Ruy Santos e Alex Viany -, e Cordélia, Cordélia, baseado na peça de Antônio Bivar.

No fim dos anos 50, Nanni viajou para o Nordeste e, influenciado por Josué de Castro, fez o documentário A Geografia da Fome, numa época em que a região enfrentava uma de suas maiores secas. Agora, 50 anos depois, Nanni percorre de novo aquela paisagem, refazendo - mesmo que não exatamente - seu roteiro pelo semi-árido. Lançado no Cine PE, Festival do Recife, O Retorno recebeu os prêmios de direção e fotografia, mais o prêmio especial da Fundação Josué de Castro. São todos prêmios importantes, e apontam para uma consagração de O Retorno. Não foram vitórias tranqüilas. Houve polêmica na coletiva de imprensa, após a exibição do filme.

O próprio repórter do Estado criticou o cineasta por um ponto que parece nevrálgico - Nanni bate, ou bateria, na tecla de que nada mudou no Nordeste, mas basta ver seu filme para perceber que tudo mudou. Tudo ou nada oferecem limites muito tênues e o próprio Nanni agora responde. "Nunca disse que as coisas não haviam mudado. O que sustento é que não ocorreram mudanças significativas na vida dos pequenos lavradores." Para eles, as estradas asfaltadas e os numerosos signos de modernidade - antenas de TV, camisetas que ostentam marcas estrangeiras - não resolveram nada.

Um desses lavradores, que se autodefine como matuto, apresenta para o governo sua solução para os problemas da falta d?água e do leito do Rio São Francisco. A cena foi muito aplaudida no Recife. Nanni preocupa-se com o problema do clima no mundo, que extrapola o Brasil. Como ele diz, não fez O Retorno contra o governo Lula nem contra qualquer outro, mas como contribuição para um debate que precisa ocorrer na sociedade (e no mundo). O próprio Nanni, frente às câmeras, fornece o fio condutor. Ele conversa com aquelas pessoas, que abrem seus casebres para ele e, mais do que isso, abrem seus corações, seus sonhos. "O que dá o tom do filme é o afeto", define o diretor.

Mais do que a direção e a fotografia (belíssima), o melhor de O Retorno é a pesquisa musical de Anna Maria. Nanni filma a pobreza, a trilha aponta para a riqueza e diversidade cultural dessas matrizes. Ele mostra o cemitério, Anna Maria celebra a água. Se o filme retoma o problema ainda não resolvido das secas, a trilha parte de antigas cantigas de fonte, gênero de matrizes ibéricas nas quais a água funciona como metáfora da vida. Os instrumentos são as rabecas, tocadas por artistas populares ou eruditos, o pife, os 8 baixos, as violas de várias épocas, incluindo a de arame. Um pouco dessas pesquisas poderão ser conferidas, independentemente do filme, no concerto que Anna Maria realiza dia 5, às 21 horas, na Sala BNDES, da Cinemateca, sobre os mouros na tradição musical do Brasil.

Serviço

O Retorno (Brasil/2008, 80 min.) - Documentário. Dir. Rodolfo Nanni. Livre. Cotação: Regular

(© Estadão)


'O Retorno' revisita região do nordeste 50 anos depois

Documentário, que marca a volta à direção do veterano Rodolfo Nanni, se espelha em 'O Drama das Secas'

Neusa Barbosa, da Reuters

SÃO PAULO - O documentário O Retorno marca a volta à direção do veterano cineasta Rodolfo Nanni, que retoma o tema de um filme anterior, feito há 50 anos, seguindo o mesmo itinerário, no agreste e sertão nordestinos, entre os estados de Pernambuco e Alagoas. A produção recebeu os prêmios de melhor direção e fotografia (para Roberto Santos Filho) no Cine PE, em abril. O filme estréia em São Paulo nesta sexta-feira, 29. 

Este é o primeiro filme do diretor paulista de 83 anos desde Cordélia, Cordélia, de 1971. O trabalho se espelha no documentário O Drama das Secas (1958), feito com uma pequena verba obtida por Josué de Castro, então presidente da Associação Mundial da Luta contra a Fome.

O diretor centra seu foco na situação dos pequenos lavradores nordestinos e encontra um Brasil modificado pela introdução do Bolsa Família - programa assistencial que é mencionado em diversos depoimentos ao longo do filme.

Pelo interior e nas imediações de cidades como Garanhuns, Águas Belas, Itaíba, Manari, Tanacaru, Serra Talhada e Pesqueira, mostra-se que, muitas vezes, existem açudes, às vezes imensos. A água, porém, continua, como há 50 anos, não chegando às pequenas propriedades. Falta ainda, como faltava há cinco décadas, um projeto amplo de irrigação.

Para muitos dos personagens do documentário, continua a necessidade imperiosa de buscar longe a água de cada dia, numa cacimba ou lata, carregada à cabeça.

Se é visível que o Bolsa Família moderou significativamente os efeitos da fome e da desnutrição, nem este programa nem nenhuma outra medida governamental serviu ainda para elevar os níveis educacionais e profissionais dessas populações. A falta de acesso à escola é uma das queixas mais freqüentes entre os moradores entrevistados, particularmente os mais jovens.

Um ponto alto está na trilha sonora, cuidadosamente pesquisada pela cantora e pesquisadora Anna Maria Kieffer, mulher do diretor, com a parceria do também pesquisador Gilmar de Carvalho. Partindo da inspiração de cantigas que identificam a água como metáfora da vida, a trilha constrói uma sofisticada moldura sonora. Recorre também a sons de instrumentos locais, tais como pífanos, violas de arame, vozes e percussão. Tudo isso confere uma identidade regional e mesmo poética ao filme.

(© Estadão)


Crítica/"O Retorno"

Diretor mostra o que não mudou no sertão

DO COLUNISTA DA FOLHA

Os documentários "Cabra Marcado para Morrer" (1984), de Eduardo Coutinho, e "O Tempo e o Lugar" (2008), de Eduardo Escorel, já adotavam o procedimento de voltar, anos depois, a lugares e personagens filmados anteriormente, e incorporavam no filme "novo" imagens do "antigo".

Em "O Retorno", de Rodolfo Nanni, essa operação se radicaliza: o veterano cineasta, realizador do clássico infantil "O Saci" (1953), voltou às regiões do semi-árido nordestino onde havia filmado, em 1958, o documentário "O Drama da Seca".

A sobreposição das vívidas imagens atuais com as captadas em preto-e-branco há meio século produz uma espécie de vertigem.

Por um lado, tudo mudou: nas camisetas com logotipos conhecidos, nas motos que acompanham um funeral, numa ou noutra antena de TV, aquele fim de mundo recebe as sobras da moderna sociedade de consumo.

Mas tudo continua como era: os lavradores dependendo do trabalho de sol a sol e do Bolsa Família para sustentar sua numerosa prole, sempre à mercê das imprevisíveis chuvas.

Há em "O Retorno" uma curiosa tensão interna. Cineasta de formação refinada, que estudou pintura e cinema em Paris, Rodolfo Nanni se entrega, em vários momentos, à busca claramente estética, refletida nos belos enquadramentos, na captação delicada da luz (a fotografia é de Roberto Santos Filho), na sutil trilha sonora de Anna Maria Kieffer.

Mas esse impulso de arte é, de certo modo, sufocado pelo viés sociológico e por uma intenção política demasiado explícita. A locução, pelo próprio diretor, é discursiva e reiterativa, lembrando as denúncias sociais da época do CPC (Centro Popular de Cultura) do início dos anos 60.

Tudo bem que as mazelas são praticamente as mesmas, mas o discurso -tanto político como cinematográfico- não precisa se repetir.

A arte atenta para o inesperado, o único; a sociologia e a política, ao contrário, buscam o padrão, a estatística.

Em "O Retorno", convivem as duas coisas: a curiosidade pelo singular (como na cena em que velhas índias realizam sua dança ritual numa choça de pau-a-pique) e a ânsia por uma explicação globalizante e homogeneizadora. A vida escapa pelas bordas. (JGC)

O RETORNO
Produção: Brasil, 2008
Direção: Rodolfo Nanni
Onde: estréia hoje no Cine Bombril e no Unibanco Arteplex
Classificação indicativa: livre
Avaliação: bom

(© Folha de S. Paulo)


"O Retorno" revisita região do nordeste 50 anos depois

SÃO PAULO (Reuters) - O documentário "O Retorno" marca a volta à direção do veterano cineasta Rodolfo Nanni, que retoma o tema de um filme anterior, feito há 50 anos, seguindo o mesmo itinerário, no agreste e sertão nordestinos, entre os estados de Pernambuco e Alagoas.

Este é o primeiro filme do diretor paulista de 83 anos desde "Cordélia, Cordélia", de 1971. O trabalho se espelha no documentário "O Drama das Secas" (1958), feito com uma pequena verba obtida por Josué de Castro, então presidente da Associação Mundial da Luta contra a Fome.

"O Retorno" recebeu os prêmios de melhor direção e fotografia (para Roberto Santos Filho) no Cine PE, em abril. O filme estréia em São Paulo nesta sexta-feira.

O diretor centra seu foco na situação dos pequenos lavradores nordestinos e encontra um Brasil modificado pela introdução do Bolsa Família -- programa assistencial que é mencionado em diversos depoimentos ao longo do filme.

Pelo interior e nas imediações de cidades como Garanhuns, Águas Belas, Itaíba, Manari, Tanacaru, Serra Talhada e Pesqueira, mostra-se que, muitas vezes, existem açudes, às vezes imensos. A água, porém, continua, como há 50 anos, não chegando às pequenas propriedades.

Falta ainda, como faltava há cinco décadas, um projeto amplo de irrigação.

Para muitos dos personagens do documentário, continua a necessidade imperiosa de buscar longe a água de cada dia, numa cacimba ou lata, carregada à cabeça.

Se é visível que o Bolsa Família moderou significativamente os efeitos da fome e da desnutrição, nem este programa nem nenhuma outra medida governamental serviu ainda para elevar os níveis educacionais e profissionais dessas populações.

A falta de acesso à escola é uma das queixas mais freqüentes entre os moradores entrevistados, particularmente os mais jovens.

Um ponto alto está na trilha sonora, cuidadosamente pesquisada pela cantora e pesquisadora Anna Maria Kieffer, mulher do diretor, com a parceria do também pesquisador Gilmar de Carvalho.

Partindo da inspiração de cantigas que identificam a água como metáfora da vida, a trilha constrói uma sofisticada moldura sonora. Recorre também a sons de instrumentos locais, tais como pífanos, violas de arame, vozes e percussão. Tudo isso confere uma identidade regional e mesmo poética ao filme. (Por Neusa Barbosa, do Cineweb)

(© UOL Cinema)

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