Soriano é autor de canções de enorme sucesso nacional a partir dos anos 70
Cantor romântico lutava contra câncer de próstata
desde 2006; ele estava internado desde o fim de agosto
Lauro Lisboa Garcia, de O Estado de
S.Paulo
Waldick Soriano, um dos maiores ídolos da canção
romântica brasileira, morreu nesta quinta-feira, 4, no Rio, aos 75
anos, em conseqüência de câncer de próstata. O cantor e compositor
descobriu ser portador da doença em 2006. No início deste mês, seu
estado de saúde se agravou, com o câncer já atingindo outras partes
do corpo, segundo os médicos. Autor de canções de enorme sucesso
nacional a partir dos anos 70, como Paixão de um Homem, A Carta,
Tortura de Amor, A Dama de Vermelho e Eu Não Sou Cachorro Não,
Waldick recebeu recentemente uma terna homenagem em vida da atriz
Patrícia Pillar, que dirigiu e escreveu o roteiro (em parceria com
Fausto Nilo e Quito Ribeiro) do documentário Waldick - Sempre no Meu
Coração.
Até agora só exibido em festivais, o filme compõe,
junto com as canções, um retrato tocante e melancólico do cantor,
que teve 14 mulheres ao longo da vida, mas diz que jamais encontrou
a felicidade com nenhuma delas. Nos últimos anos, passou a morar
sozinho, em Fortaleza, rejeitando o afeto das que se arrastavam de
paixão por ele. Uma delas o definiu como "muito seco e indiferente
consigo mesmo." Em depoimento para o filme, lamentou: "Sou famoso, e
daí? Me falta tanta coisa... Sei que não vou encontrar ninguém pra
dizer: estou contigo."
Nascido em Caetité, no sertão da Bahia, Eurípedes
Waldick Soriano trabalhou como lavrador, engraxate e garimpeiro
antes de tentar a vida artística. "Saí de minha terra num caminhão
de rapadura. Tinha meu sonho, mas não sabia onde ia parar." Prometeu
voltar só se "vencesse na vida".
Quando chegou a São Paulo, aos 27 anos, já trazia
na mala canções como Ninguém É de Ninguém, Quem És Tu? - sua
primeira gravação e com a qual começou a ficar conhecido no início
dos anos 60 -, e Tortura de Amor, cuja letra foi vetada pela censura
em 1974. Algum gênio do regime militar achou que a referência à
tortura era mensagem cifrada de subversivo. Uma vez liberada, a
canção, um bolero composto em 1962, da melhor concepção de Waldick,
tornou-se grande sucesso na voz do cantor. Depois ganhou releituras
nas vozes de Nelson Gonçalves, Fagner, Fafá de Belém, Maria Creuza e
o grupo português Clã, entre outros.
Com censura ou não, Waldick se tornou um fenômeno
popular nos anos 70, com suas canções tocando nas rádios de todo o
País. Até quem torcia o nariz para a música "cafona" se surpreendia
assobiando alguma coisa dele, ou, mesmo que fosse em tom de
zombaria, repetindo o bordão "eu não sou cachorro, não". "Antes
diziam que era cafona, agora é brega", observou Waldick. "Eu prefiro
dizer que sou romântico." Sua figura inspirada no cowboy
cinematográfico Durango Kid virou um clássico: óculos escuros e
terno e chapéu pretos.
A saudade sempre serviu de inspiração para várias
canções, segundo ele próprio dizia. "Toda minha música é alguma
coisa de mim", comentou no filme de Patrícia Pillar. "Se não tenho
motivo, não faço música. Às vezes a gente tem de fingir que é feliz.
Isso dói, mas a gente acostuma." Mulherengo, aventureiro, boêmio e
beberrão, como definiu um velho amigo no documentário, Waldick
sofreu com o que mais temia: a solidão.
Um episódio determinante para tanta
dor-de-cotovelo, segundo algumas de suas mulheres, foi o fato de ser
sido rejeitado pelos pais ainda menino. Seqüestrado pela mãe ainda
menino, foi recuperado pelo pai que o entregou para ser criado por
outra família. "Sei que não vou encontrar ninguém pra dizer: estou
contigo. Refratário a relações fraternas - não se dava bem nem com o
próprio filho - disse: "Meu amigo é meu travesseiro."
Em 2002 as atenções voltaram-se de novo para ele
com o lançamento do livro Eu Não Sou Cachorro, Não - Música Popular
Cafona e Ditadura Militar, do jornalista Paulo César Araújo, cujo
título já é uma homenagem a ele. Neste excelente estudo sobre o
tema, Waldick e seus similares e contemporâneos são tratados com a
dignidade que até então não tinham por parte da elite cultural.
Com um pouco mais de verniz, Waldick também ganhou
homenagem no CD coletivo Eu não Sou Cachorro Mesmo, de 2007. Dando
tratamento "chique" ao brega, cantores e bandas da cena indie, como
Fino Coletivo, Móveis Coloniais de Acaju, Clube do Balanço, Fernanda
Takai, Lula Queiroga e Silvério Pessoa,
recriaram sucessos dos anos 70. A faixa de abertura é o clássico
Tortura de Amor.