|
O escritor Graciliano Ramos, autor de Vidas Secas
|
Clássico de Graciliano Ramos completa 70 anos, com
leituras no metrô do Rio
"Ei, eu vim de longe pra contar essa historinha!",
"Você gosta de me ver na novela, aqui não, né?", "Mas você não pára
de falar!" Era Elisa Lucinda tentando conquistar a atenção de 20
adolescentes, alunos de uma escola municipal, que, dispersos, não
davam muita bola para sua inspirada leitura. A "historinha" era
Vidas Secas, o clássico brasileiro que está completando 70 anos.
Duas leituras de trechos do livro, ontem e anteontem à tarde, foram
realizadas na movimentada estação do metrô da Central do Brasil, no
Rio. A editora de Graciliano Ramos, a Record, organizadora, chamou
artistas de TV para atrair os garotos para a saga da família de
Fabiano e Sinhá Vitória. Além de Elisa, foi escalada Mel Lisboa.
Na terça-feira, ficou com Mel o capítulo dedicado à cachorra Baleia.
Sentados no chão da estação, com fome - era hora do almoço e eles
não tinham comido - e desatentos, os meninos não pareciam muito
empolgados. Alguns aproveitavam para tirar fotos da atriz; outros,
em dupla ou trio, faziam piadinhas.
Mas sempre existem as exceções. Anne Caroline Vieira, de 13 anos,
que contou não ser CDF e não ter bom desempenho na aula de
Português, foi envolvida pela narrativa. "Essa linguagem do sertão é
muito difícil, distante da gente. Mas vindo aqui, escutando a
história, é como se a gente fosse até lá. Aprendi muito."
Anne, que está na 7ª série da Escola Municipal Charles Anderson
Weaver, no subúrbio, chegou a ler um trecho também, ao microfone.
Gaguejou um pouco, tropeçou em "macambira", "espinhela", teve muita
vergonha, mas deu conta do recado.
Andreza Garcia, de 14 anos, era a mais concentrada. Acompanhava tudo
no exemplar que ganhou - a Record providenciou para cada aluno um
Vidas Secas e um Histórias de Alexandre, infanto-juvenil de
Graciliano pouco conhecido, que foi editado há poucos anos. "Estou
achando tudo muito interessante!", disse Andreza.
A seu lado, um casalzinho se se abraçava, sem se ater à leitura. Um
garoto chegou a virar de costas para o palquinho montado na estação.
Elisa, que caprichava na interpretação do capítulo sobre Fabiano,
aquele que descreve o homem que "vivia longe dos homens, só se dava
bem com os animais", reclamou bem alto: "Ah não, você está de costas
pra mim!" Ele logo se virou, envergonhado.
Mel Lisboa não se deixou abalar: "Estamos incentivando a leitura.
Mas é claro que não necessariamente as crianças vão pensar:
"Agora
vou ler todos os clássicos?", disse. "As pessoas podem passar e
parar por vários motivos: porque me viram na novela, porque tô
grávida, não importa. Isso é uma coisa legal que faço como pessoa
pública."
O funcionário do metrô Carlos Augusto Guimarães, de 33 anos, estava
emocionado: é fã de Elisa, e levou livros para que a poeta
autografasse. Ele, que adora também Graciliano, leu mais um trecho
de Vidas Secas.
Guimarães é freqüentador da Biblioteca Livros e Trilhos, ao lado da
qual foi montado o palco. "Já peguei mais de 50 livros aqui",
orgulha-se. Inaugurado em 2006, o espaço tem 3 mil livros e 5,5 mil
sócios.
Presente com Vidas Secas, São Bernardo, Alexandre e Outros Heróis e
O Estribo de Prata, o escritor alagoano parece não fazer muito a
cabeça dos usuários, que preferem os best-sellers estrangeiros (Dan
Brown, Khaled Hosseini): entre os seus, o mais lido é Vidas Secas,
emprestado só 73 vezes desde a abertura da biblioteca. No fim do
ano, uma outra unidade será aberta, esta na estação Siqueira Campos,
em Copacabana.
Para as leituras, o metrô escolheu escolas com as quais já
desenvolve projetos sociais. Intrigado, um pequeno grupo de
passageiros acabou se interessando e parou para assistir.
Marli Aparecida Rodrigues, de 56 anos, sentou-se no chão como os
meninos e ficou até o finzinho. "A leitura é vital para mim. Leio
tudo desde criança. O melhor de todos os livros é a Bíblia Sagrada",
disse. "As pessoas dizem que não existem enventos como esse, de
graça, mas quem quer participar mesmo, participa."
Ela, como Anne, como Andreza e outros poucos, não se importaram com
o ruído dos trens indo e vindo, com as conversas ao celular. Nem se
deixaram tomar pela dificuldade de se transportar, estando no
ambiente asséptico do metrô, para a aridez do sertão de Fabiano,
Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e Baleia. Não
é à toa que Vidas Secas, lançado em 1938, está em sua 106ª edição
(já foram vendidos mais de 1,5 milhão de exemplares).
(©
Estadão)
Academia decifra Guel Arraes
Grupo de Estudo Mídia e Cultura Contemporânea analisa a
multiplicidade da obra do diretor pernambucanoRenato Mota
Especial para o JC
O cineasta pernambucano Guel Arraes visto sob uma ótica
multidisciplinar dos acadêmicos, onde vários aspectos da sua obra e
importância para o cinema e a TV brasileira são levados em consideração.
Essa é a idéia por trás do livro Guel Arraes: um inventor no audiovisual
brasileiro,(Companhia Editora de Pernambuco, 350 páginas) editado pelos
jornalistas e professores de comunicação Alexandre Figueirôa e Yvana
Fechine. A obra reúne artigos escritos pelos próprios editores e pelos
pesquisadores Cláudio Bezerra, Maria Eduarda da Mota Rocha, Aline Grego
e Ana Paula Campos, todos membros do grupo de estudo em Mídia e Cultura
Contemporânea da Universidade Católica de Pernambuco.
De acordo com Yvana Fechine, a iniciativa de lançar um trabalho de
análise sobre Guel Arraes partiu de uma discussão sobre qualidade na TV
brasileira. “Há essa necessidade de buscar referências de qualidade para
o que é produzido para a televisão. O cinema, por exemplo, possui uma
base muito bem fundamentada para se diferenciar o que é bom e o que não
é, mas a TV não tem esse estudo crítico. Então, a partir disso,
começamos a estudar o Guel, que para nós é um referencial de qualidade”,
explica.
O cineasta é diretor de um dos núcleos mais produtivos da Rede Globo,
e responsável por programas como Armação ilimitada, TV Pirata, Programa
legal, Comédia da vida privada e Central da periferia. “Além desse
histórico na televisão, ele também transformou a estética do audiovisual
nacional ao transpor minisséries da TV para o cinema, como em O auto da
Compadecida, Lisbela e o prisioneiro e A invenção do Brasil, e produzir
filmes inspirados na cultura popular”, completa Yvana.
O livro não se limita a debater Guel Arraes como artista, mas também
como paradoxo. “Ele conseguiu criar um padrão dentro do chamado ‘padrão
Globo’. É incrível como ele conseguiu esse espaço de experimentalismo na
maior emissora comercial do País”, diz Yvana. Para Alexandre Figuerôa,
um dos méritos do livro é justamente é ser multidisciplinar. “O grupo é
formado por vários especialistas, cada um em seu campo, e usamos esse
nosso conhecimento para jogarmos várias luzes em cima de um mesmo
tópico”, conta o jornalista.
Além de conter os artigos dos pesquisadores, o trabalho também pode
servir como referência para outros projetos de discussão sobre a
produção audiovisual brasileira. “As nossas visões estão lá, mas ao fim
do livro colocamos os depoimentos que colhemos com o próprio Guel, nas
entrevistas que realizamos. Esses depoimentos estão abertos à novas
interpretações, e podem ser utilizados livremente por outros
pesquisadores”, explica Figuerôa. Como parte da edição do livro foi
acompanhada pelo próprio Guel, trechos do depoimento foram esclarecidos
pelo cineasta. “Como ele já tinha lido parte dos artigos, em certos
momentos ele faz uma auto-análise”, conta Yvana.
Os pesquisadores ainda fizeram um “inventário” relacionando toda a
obra do cineasta. Produções em que foi diretor, co-diretor, redator,
diretor artístico e produtor, tanto para o cinema quanto para a TV estão
relacionados.
O lançamento “acadêmico” do livro acontece hoje, durante a Intercom,
em Natal (RN). “Como o livro tem esse viés acadêmico, antecipamos o
lançamento para o evento. Porém, o livro não possui uma linguagem muito
pesada, e é acessível ao público interessado em cinema e TV”, afirma o
jornalista. Um lançamento oficial deve acontecer no Recife até outubro,
quando então o livro passará a ser vendido nas lojas.
O lançamento também marca a estréia do selo editorial da Companhia
Editora de Pernambuco (Cepe). “Fazer o livro pela Cepe foi importante
para marcar território. Tivemos propostas de outras editoras, mas
achamos melhor fechar com uma local, para que o trabalho fosse
reconhecidamente pernambucano”, conta Figuerôa.
(©
PE 360 Graus) |