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A obra da intérprete Maria Bethânia

11/09/2008

 

 


 

Cantora recebe distinção antes concedida apenas a compositores, e relembra canções marcantes de sua carreira

Roberta Pennafort

“Sim, sei bem/ Que nunca serei alguém/ Sei, de sobra/ Que nunca terei uma obra.” Foi com os versos de Sim, Sei Bem, poema de Fernando Pessoa musicado por Sueli Costa, que Maria Bethânia abriu o show que sucedeu à entrega de seu Prêmio Shell de Música, na terça-feira à noite, no Vivo Rio.

Pela primeira vez, a láurea foi concedida a uma intérprete, e não a um compositor (nos últimos 26 anos, já foram homenageados de Tom Jobim a Jorge Benjor). O júri (dois jornalistas, um professor, um produtor cultural e dois produtores musicais) considerou que seu trabalho tem “alguma assinatura”, como a própria definiu na hora dos agradecimentos - o que torna a escolha da música de abertura ainda mais cheia de significado.

“Uma intérprete não pode receber um prêmio sozinha”, disse Bethânia, para depois lembrar gente importante em sua bem-sucedida trajetória de quatro décadas: Nara Leão, sua antecessora no espetáculo Opinião, os diretores Augusto Boal, Fauzi Arap e Bibi Ferreira, o maestro Jaime Alem, com quem trabalha desde os anos 80, os compositores que gravou. “Minha mãe está muito feliz. A Bahia também está feliz. Esse prêmio é dos mestres e dos aprendizes, como eu.”

Apresentada pela atriz Renata Sorrah como “várias”, a cantora que “nunca se recostou no trono de ‘Abelha Rainha’” e que “sempre fez o que quis” lembrou diferentes fases de sua carreira.

Para uma platéia de convidados, seus e da Shell, cantou bastante o irmão, Caetano Veloso (que não compareceu porque estava em estúdio, segundo outro irmão, Roberto, representante da família): O Nome da Cidade, O Quereres, Drama, Não-Identificado (surpreendeu o público, acostumado a ouvi-la na voz de Gal Costa), Reconvexo, Motriz, Céu de Santo Amaro.

Cantou Roberto Mendes, compositor de sua Santo Amaro natal muito presente em seus discos (Yá Yá Massemba, Iluminada, Vila do Adeus - errou a letra, desculpou-se e seguiu adiante -, Dentro do Mar Tem Rio), Gonzaguinha (Não Dá Mais pra Segurar, O que é o que é, clímax da noite), Chico Buarque (Rosa dos Ventos, Sonho Impossível, Olhos nos Olhos, Minha História), Dorival Caymmi (João Valentão; Doce, de Roque Ferreira, é linda homenagem ao compositor que morrem recentemente, de autoria de Roque Ferreira), entre outros compositores que fizeram sua história.

Como de costume, entremeou canções e textos (Pessoa, Vinicius de Moraes). Apresentou uma inédita, Feito na Bahia, também de Roque Ferreira, que poderia ter sido composta para ela: “Já vim predestinada a cantar assim”, conta um verso. “Sou iluminada”, diz outro. Mais uma vez, tropeçou na letra - “é a primeira vez que eu canto”, justificou, emocionada.

A mãe, dona Canô, de 100 anos, ficou em casa. “Ela está andando de bengala, e é muito vaidosa...”, disse Roberto Veloso. “Estamos todos orgulhosíssimos com o prêmio.” Na platéia, poucos artistas e muitos fãs. “Viemos da Argentina, da Bahia, de São Paulo. É um dia inesquecível na vida dela e na nossa”, disse a baiana Neide de Jesus, que, durante o bis, jogou pétalas de flores sobre Bethânia.

(© Estadão)

 


Bethânia recebe Shell e lembra Caymmi

Cerimônia de entrega do prêmio teve show da cantora

CAIO JOBIM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO 

Coube a Maria Bethânia ser a primeira intérprete a receber o Prêmio Shell de Música em sua 28ª edição -até o ano passado, apenas compositores eram elegíveis. Ao recebê-lo no palco do Vivo Rio, anteontem à noite, declarou-se comovida por terem reconhecido em seu trabalho "alguma criatividade, alguma assinatura".

Embora o Shell seja um prêmio que leva em conta o conjunto da obra, não há dúvida de que o momento atual da carreira da cantora foi decisivo para a escolha dos jurados. Desde que trocou a Sony BMG pela Biscoito Fino, em 2002, Bethânia se embrenhou em uma viagem pelas musicalidades do Brasil remoto -interiorano, caipira, sertanejo, litorâneo-, onde foi buscar canções novas, esquecidas, desconhecidas ou à margem de uma MPB predominantemente urbana.

"Brasileirinho" (2004) é, ao mesmo tempo, ponto de partida e síntese desse rumo. Foi com uma música dele que Bethânia abriu o show de celebração à conquista do prêmio. Embora seja recente, "Yáyá Massemba", de seu conterrâneo Roberto Mendes e do poeta Capinam, soa como um samba ancestral, embalado pelo "batuque das ondas no porão de um navio negreiro".

Retrospectiva

A apresentação incluiu uma retrospectiva de sucessos de sua carreira. Do irmão Caetano Veloso, Bethânia cantou "O Nome da Cidade", "O Quereres", "Não Identificado" e "Reconvexo"; de Chico Buarque, "Olhos nos Olhos" e "Minha História". Não faltaram "Explode Coração", de Gonzaguinha, e "Ronda", de Paulo Vanzolini, ambas de "Álibi" (1978), o primeiro disco de uma cantora brasileira a vender mais de 1 milhão de cópias.

"Uma cantora não pode receber um prêmio sozinha. Para tudo o que fiz, tudo o que faço, tenho que contar com inúmeras pessoas, inúmeros artistas", disse nos agradecimentos, que se estenderam a seus pais, Zeca e Dona Canô, e aos professores de seu colégio em Santo Amaro da Purificação, na Bahia. "Escola pública", fez questão de ressaltar, lembrando que, nos seus tempos de estudante, "era a melhor que tinha".

Dorival Caymmi, morto no mês passado aos 94 anos, foi lembrado em suíte instrumental que uniu "Temporal" e "Sargaço Mar", seguida de interpretação de "João Valentão". Em "Doce", de Roque Ferreira, Bethânia cantou: "Toda palavra linda que a Bahia tem, de santo, comida e amor, foi o canto de Caymmi que embelezou".

(© Folha de S. Paulo)

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