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O poeta pernambucano Manuel Bandeira |
Bolívar Torres
PARATY - Um artista polifônico, que experimentou todos os estilos poéticos.
Assim é Manuel Bandeira na visão do documentalista e pesquisador Edson Nery da
Fonseca, que disseca sua vida e sua obra em Alumbramentos e perplexidades. No
ano em que a Flip homenageia o poeta pernambucano, o livro ganha uma nova
reedição, com lançamento previsto para sexta-feira, na Casa Jornal do Brasil. O
título remete a duas palavras significativas da cosmovisão banderiana, que
traduzem sua posição diante da doença, da existência e das campanhas na vida
pública do país.
– Manuel Bandeira é o mais completo poeta brasileiro – afirma Fonseca. – Foi
ao mesmo tempo romântico, parnasiano, simbolista, modernista e concretista. Além
de tudo, foi um grande tradutor e prosador, escreveu ensaios de muita erudição.
Expressou em seus poemas sentimentos diferentes e contraditórios, como alegria e
tristeza, felicidade e infelicidade, euforia e melancolia, misticismo e
erotismo, crença a descrença. Passeou por diversos gêneros, desde baladas,
rondós e redondilhas a madrigais e sonetos, elegias, noturnos, canções e
acalantos.
Fonseca descobriu Bandeira por intermédio de Gilberto Freyre, quando este
pediu ao conterrâneo para que participasse de uma coletânea de autores
nordestinos (na qual entraria um dos poemas mais famosos de Bandeira, Evocação
ao Recife). Mais tarde, em 1946, quando foi estudar no Rio, visitou o poeta para
que lhe explicasse o significado de alguns poemas mais herméticos. Durante
muitos anos, continuaram trocando correspondência. Algumas destas cartas são
reproduzidas em Alumbramentos e perplexidades.
No livro, que vem acompanhado por um CD com poemas lidos pelo próprio
Fonseca, o pesquisador analisa a familiaridade de Bandeira com o epigrama – uma
composição poética curta (geralmente quadrilhas) muitas vezes usadas para a
sátira. Participativo (apoiou, por exemplo, a candidatura do Brigadeiro Eduardo
Gomes à presidência da República) e combativo, costumava escrever epigramas para
seus desafetos.
– Como poeta, foi engajado, mas também lírico – observa Fonseca. – Apesar de
tuberculoso, conseguiu sobreviver mais de 80 anos, participando sempre da vida
política do Brasil.
A pesquisa de Fonseca resultou numa contribuição inédita. Levantando todas as
músicas inspiradas em Bandeira, concluiu que se trata do poeta mais musicado no
mundo.
– Seus poemas foram musicados por diversos compositores, como Radamés
Gnatalli e Villa-Lobos – diz Fonseca. – Com Villa-Lobos, tentou até criar uma
canção brasileira para comemorar aniversário, para que não se cantasse aquela
horrorosa versão de Parabéns para você. Era uma canção muito bonita, mas lembro
de ver pilhas e pilhas da gravação apodrecendo. Foi muito mal divulgado.
Em relação às parcerias com Villa-Lobos, Bandeira costumava dizer que não
sabia exatamente qual era a contribuição de cada artista nas obras. Ambos
realizaram ainda uma canção de Natal, que também teve consequências negativas.
– O Partido Comunista acusou Bandeira de ter feito a música para receber uma
comitiva americana, o que é um absurdo. Ele ficou muito chateado e nunca mais
falou com nenhum artista do partido.
(©
JB Online)
Diversidade cultural inspira a Flip
Em sua sétima edição, evento, que começa hoje, reúne críticos, cineastas,
artistas plásticos, músicos e, claro, escritores
Ubiratan Brasil
O número de escritores diminuiu (de 41 do ano passado para 34) e o orçamento
previsto (R$ 5,9 milhões, captados por meio de leis de renúncia fiscal) foi
fechado à custa de muito suor, por conta da crise econômica mundial - há um
mês, nem todos os patrocinadores haviam confirmado sua participação. Mesmo
assim, a 7ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, começa hoje com
a imagem intacta: continua como o principal evento de literatura do País,
tanto pela qualidade de programação como pelo interesse de público.
"O propósito sempre foi o de buscar a diversificação, evitando que a Flip se
transformasse em uma reunião de acadêmicos", comenta Flávio Moura, curador
do evento desde o ano passado, justificando a eclética programação deste ano
- além de figuras renomadas da literatura (como o professor Davi Arrigucci
Jr., que faz hoje a conferência de abertura sobre Manuel Bandeira, ou o
português António Lobo Antunes), também estarão na Tenda dos Autores
quadrinistas (como o premiado Rafael Grampá), cineasta (Domingos Oliveira),
biólogo evolucionista (Richard Dawkins), artista plástico (Sophie Calle),
crítico de arte (Catherine Millet) e jornalistas (Gay Talese, Zuenir
Ventura).
A diversidade, no entender de Moura, se justifica pelo fato de que a
literatura não serve como único parâmetro como medida do valor da produção
de conhecimento atual. Nesse raciocínio, justifica-se, portanto, a volta do
músico, cantor e escritor Chico Buarque de Holanda que, neste ano, lançou o
romance Leite Derramado (Companhia das Letras), e cuja mesa, ao lado do
escritor e colunista do Caderno 2 Milton Hatoum, transformou-se na mais
disputada do evento.
Assim, evitando ser um evento congelado no tempo e fechado, a Flip
inspira-se na atualidade para conseguir uma conexão mais imediata com seu
público. Os 20 anos do massacre da Praça da Paz Celestial, na China, por
exemplo, motiva a obra Pequim em Coma (Record), de Ma Jian.
O crescimento da Flip é um dos assuntos recorrentes a cada edição. A
primeira, realizada em 2003, ocupou a Casa de Cultura de Paraty. A
capacidade para 178 espectadores, no entanto, logo se revelou pequena,
solucionada no ano seguinte com a construção da Tenda dos Autores que, desde
então, se mantém com uma média de 550 assentos. "E, para garantir o conforto
do público e também dos convidados, esse número não cresce, apesar da
procura ser cada vez maior", explica Moura.
A solução foi diversificar o entorno, ou seja, incrementar os eventos
paralelos que, inicialmente tímidos, agora ocupam posição de destaque
durante os cinco dias literários. É o caso da programação do Flip-Etc. que,
neste ano, passa a se chamar Flip - Casa da Cultura. A partir de amanhã, o
tradicional espaço de Paraty será ocupado por importantes discussões como a
do centenário de morte de Euclides da Cunha, mesa promovida pelo Estado
(leia abaixo).
Também lá, o público terá a chance de conversar com franceses como David
Foekinos e Ollivier Pourriol (amanhã). Ou ainda acompanhar discussões sobre
o cinema, como no encontro de Pedro Buarque de Holanda com Rita Buzzar ou no
debate sobre o papel dos roteiristas na atualidade, eventos programado para
sexta-feira.
O trabalho com as crianças continua ativo na Flipinha, que desenvolve uma
programação educativa na formação de leitores - neste ano, Ruth Rocha
comemora seus 40 anos de carreira em atividades com seu público infantil. E,
para saciar aqueles leitores intermediários, que já deixaram a infância mas
ainda não atingiram a maturidade, foi criada a FlipZona, com oficinas de
produção e edição de áudio e vídeo, caracterização teatral, entre outros
eventos.
Para o próximo ano, alguns patrocinadores prometem aumentar sua ação. Como o
Itaú que, depois da fusão com o Unibanco, tornou-se também incentivador -
pelo seu projeto Itaubrasil, vai distribuir gratuitamente, via online, mais
de 30 obras literárias que já caíram em domínio público.
(©
Estadão, 01.07.2009)
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