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Fagner garante que fez disco para tocar em rádios de norte a sul
do Brasil |
Ailton Magioli - EM
Cultura
A escolha de um produtor jovem (Clemente Magalhães, indicado por Marcelo
Froes) não foi em vão. Preparando-se para comemorar 60 anos em outubro,
Raimundo Fagner lança o CD Uma canção no rádio, com o qual flerta com
sonoridades contemporâneas, paralelamente às eternas canções nas quais se
tornou um especialista. “Quis mudar de timbre, ao mesmo tempo em que buscava
gente que estava trabalhando com coisas mais atuais”, justifica o cantor
cearense, que, além de um tango eletrônico (Muito amor, de São Beto, que ele
já havia gravado em 2001 e regravado, ao vivo, no disco Me leve),
aventura-se no rap (Martelo, de Oliveira do Ceará, que ganhou novos versos e
vocais de Gabriel, o Pensador). No novo disco, volta a compor com Zeca
Baleiro (a faixa que batiza o CD, que tem por subtítulo Filme antigo e,
curiosamente, é aberta na voz do parceiro convidado), além de estrear
dobradinha com Chico César (Farinha comer).
De Fortaleza, o álbum anterior, mais denso, feito sob o clima de perdas
familiares, ao novo lançamento, Fagner não esconde que vem passando por
mudanças. “A vida dá para a gente chances de superar as perdas, com calma,
paciência, consciência e ajuda”, afirma. “Caí de cabeça naquilo que eu mais
gosto de fazer”, resume o cantor, salientando que Uma canção no rádio
representa bem os momentos que ele viveu, além do que vive atualmente, mais
suave. O sugestivo título do CD é a deixa para saber a relação de Raimundo
Fagner com o veículo. “Além de ser dono de rádio, eu toco bastante no Brasil
inteiro, apesar de eu não escutar muito”, garante o artista.
“Os novos veículos de comunicação estão aí, mas o rádio continua sendo o
mais importante”, detecta o cantor. Ele salienta que, mesmo cheio de vícios
(o jabá entre outros tantos), o rádio não se vai recusar a tocar aquilo que
o público quer ouvir. Bem segmentado, Uma canção no rádio, de acordo com o
cantor, tem chances de circular muito bem pelo dial. A começar de Sonetos,
de Domer, cujo curioso batismo de Domervil, segundo recorda Fagner, acabou
gerando o novo pseudônimo para evitar que o compositor maranhense fosse
confundido com nome de remédio. “Descobri uma fita de Domer há anos, de quem
gravei Certeza, em 2001. Agora ele me mandou essa, mais romântica, que já
está tocando no rádio”, comemora. “Há também Me dá meu coração, de Accioly
Neto, e Flor de mamulengo, de Luiz Fidélis, que já estão tocando muito no
Nordeste, onde eu estou fazendo shows”, comenta.
DUAS LINHAS
“São as minhas duas linhas de trabalho: a coisa do Nordeste, mais
ritmada, e a romântica. O próprio tango que abre o disco contribui para
torná-lo mais radiofônico”, reconhece o cantor. Originalmente, a militante
Martelo, de Oliveira do Ceará, era um baião. “Depois ele fez uma leitura
dela mais cancioneira, que eu não gostei. Pedi para ser uma coisa mais
alegre, até para contrapor com o discurso, que é pesado. Finalmente, ela
caiu nesse formato, que acabou se adequando ao rap do Gabriel, o Pensador”,
explica Fagner. A despeito do discurso que diz que o rap é a negação da
canção, Fagner garante que ele não vai morrer nunca. “Qualquer música pode
ser boa, desde que tenha conteúdo”, ensina.
Depois de se tornar parceiro de Zeca Baleiro exatamente pela qualidade
poética do compositor, ele garante que o paraibano Chico César, com quem
estreia parceria neste disco, se iguala ao maranhense. “Chico é um poeta
maravilhoso, ele fez uma letra profunda para Comer farinha, de quem tem
conhecimento da causa.”, antecipa. Parceiro inaugural de carreira, Fausto
Nilo assina com ele a balada A voz do silêncio.
(©
UAI)
Um gogó a serviço de um cérebroFagner funde brilho e simplicidade no
recente CD Uma Canção no Rádio
José Nêumanne
Enquanto outros astros do cancioneiro
brasileiro se afundam na mesmice e relançam veles êxitos em roupagem
nova (nem tanto!) ou se escondem da inspiração em outras formas da
expressão, Raimundo Fagner lança o CD Uma Canção no Rádio para instigar,
provocar, agradar e, ao mesmo tempo, mostrar que um ídolo popular não se
equilibra apenas em cordas vocais, mas também em neurônios.
Recentemente, ele tinha trazido a lume um poeta maior de suas plagas, ao
musicar versos do também cearense Francisco Carvalho, cujo talento
supera em muito o desconhecimento de sua obra além de Fortaleza,
deixando claro que não se pode medir mérito literário só pelo
reconhecimento. E não faz muito tempo assim que ele gravou um CD em
total parceria com um colega compositor e intérprete, o maranhense Zeca
Baleiro, mostrando que estilos singulares podem bem se compor ao se
complementarem.
A safra 2009 da cepa de Fagner faz ressurgir a mesma parceria em versos,
melodia e voz na faixa que dá título e nobreza ao disco. Esta pode ser
definida sem favor nenhum como antológica, juntando-se ao que há de mais
precioso e especial na história de nosso cancioneiro amoroso: Uma Canção
no Rádio (Filme Antigo) destaca-se pelo brilho e pela simplicidade,
provando que uma coisa tem tudo a ver com a outra. "Penso, rio, sofro,
choro, deixo a vida pra depois"; "tenho um coração raso de razão" ou
"que o céu me roube a luz, mas me reste a voz na noite calada" são
versos que atingem o ápice da qualidade no topo da lírica brasileira.
Não se pense, contudo, que o novo CD de Fagner se limita a este ponto
culminante, pois, na verdade, não se trata de uma obra de altos e
baixos, mas, ao contrário, de uma produção que prova que compensa um
gogó de ouro recorrer a um cérebro de igual estofo.
O mesmo Fagner que mostrou ao público que lhe pede bis intermináveis
para Noturno e Canteiros com quantos acordes se canta a Espanha de
Rafael Alberti e que pôs o biscoito fino de Ferreira Gullar à mesa da
plebe agora traz de seu garimpo particular de artistas desconhecidos
prontos para a fama mais um que tem tudo para ocupar lugar de destaque
na indústria fonográfica brasileira - hoje anêmica em talentos
promissores. Oliveira do Ceará, humilde servente que assina três faixas
no CD do astro, aborda numa delas, Martelo (parceria com Adamor e
Gabriel o Pensador, que participa da gravação), a indignação e a
estupefação da Nação inteira pelo contexto em que todos nós - do palco e
da plateia - estamos inseridos.
O regional nordestino, é claro, faz-se presente na sapeca Flor do
Mamulengo, de Luiz Fidélis ("me apaixonei por um boneco e ele ?neco? de
se apaixonar"), e, sobretudo, em Me Dá Meu Coração, clássico do
pernambucano Accioly Neto, cuja obra mais uma vez ressuscita na voz do
"almuadem" (cantor de orações no Islã) de Orós. Desta vez com o auxílio
luxuoso da sonoridade de Clemente Magalhães, Leo Fernandes, Cláudio
Bezz, Alexandre Prol e Rick de La Torre, do Núcleo Criativo Corredor 5:
estes meninos do Rio contribuem de forma decisiva para a unidade, a
qualidade e a novidade do som do CD de Fagner.
José Nêumanne, jornalista e
escritor, é editorialista do Jornal da Tarde
(©
Estadão)
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