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O acadêmico pernambucano Marcos Vilaça
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O acadêmico Marcos Vilaça tem obra destacada em
mostra na ABL
Membro da Academia Brasileira de Letras desde 1985, o advogado,
jornalista, professor, ensaísta e poeta Marcos Vinicios Rodrigues Vilaça
ganha uma exposição no Centro Cultural Brasil, na ABL, em
comemoração de seus 70 anos de vida, completados no dia 30 de junho. Autor
de obras fundamentais para a compreensão do país, como Coronel, coronéis
(1965), Nordeste brasileiro, (1968); Nordeste: secos & molhados (1972),
Vilaça terá sua trajetória pessoal e profissional dividida em oito módulos,
que vão de sua infância em Limoeiro, em Pernambuco, até sua atuação na ABL,
passando pelos 50 anos prestados à administração pública.
Três de seus confrades – o presidente Cícero Sandroni, Arnaldo Niskier e
Moacyr Scliar – destacam, abaixo, suas qualidades intelectuais e a
importância de sua obra, ricamente ilustrada com centenas de documentos e
imagens da exposição 70 anos de Marcos Vilaça, aberta ao público de segunda
a sexta-feira, das 10h às 17hs, até o dia 31 de agosto, com entrada franca.
(©
JB Online)
Aos 70 anos, sempre jovem
Moacyr Scliar
ESCRITOR E MEMBRO DA ABL
O adjetivo "provecto" costuma ser usado para quem chega aos 70 anos, mas
certamente não se aplica ao ministro Marcos Vinicios Rodrigues Vilaça, que
em 30 de junho último ingressou na categoria dos septuagenários. E não se
aplica porque, como comprovarão todos que o conhecem, Vilaça é um exemplo de
dinamismo e de bom humor, qualidades às quais alia enorme talento e cultura.
O que se traduz numa carreira verdadeiramente impressionante. Pernambucano
de Nazaré da Mata e orgulhoso de sua origem, Vilaça formou-se em Direito
pela Universidade Federal de Pernambuco, cursou o mestrado na mesma
universidade, e dela foi professor, nas cadeiras de direito internacional
público e direito administrativo, lecionando também em outras instituições.
A par disto desenvolveu intensa atividade no serviço público brasileiro,
tanto na área cultural como na administração propriamente dita: foi diretor
da Caixa Econômica Federal, presidente da Fundação Liga Brasileira de
Assistência, Secretário do Ministério da Cultura, presidente do Pró-Memória,
presidente da Funarte; mais recentemente foi membro (e, em 1995, presidente)
do Tribunal de Contas da União, cargo no qual se aposentou. De sua
competência e de seus méritos dão testemunho numerosos prêmios e
condecorações.
É autor de numerosas obras, das quais se destaca Coronel, coronéis –
Apogeu e declínio do coronelismo no Nordeste (1965), escrito em colaboração
com Roberto Cavalcanti de Albuquerque, hoje um clássico entre os livros que
interpretam o Brasil. Na primeira parte o livro relata a história do
coronelismo no Nordeste. A segunda parte, que se inscreve na categoria de
estudo de casos, retrata a vida de quatro coronéis nordestinos. Retratos
muito reveladores: sobretudo entre os anos 30 e 60, os coronéis detinham de
fato o poder no interior do Brasil, indicando juízes e delegados, conduzindo
a atividade econômica e até resolvendo questões familiares, numa versão
cabocla do patriarcado. O livro, erudito mas redigido em linguagem
acessível, teve grande repercussão. Elogiado por figuras respeitadas como
Gilberto Freyre, Barbosa Lima Sobrinho e Alberto da Costa e Silva (que
escreveu o prefácio da quarta edição), foi traduzido para vários idiomas,
espanhol, francês, italiano, inglês.
Em abril de 1985, Marcos Vilaça foi eleito para a Cadeira nº 26 da
Academia Brasileira de Letras e, em 2005, tornou-se presidente da
instituição. Em sua gestão deu prosseguimento ao processo de abertura
cultural da ABL. Pessoas da população participaram então em numerosas
atividades, caracterizando uma nova fase da Academia e do Brasil como um
todo. O que corresponde ao perfil do próprio Vilaça, homem afetuoso,
dadivoso, muito voltado para a vida de família: casado com Maria do Carmo
Duarte Vilaça, tem três filhos: Marcantônio (precocemente morto em 2000, ele
é muito lembrado nas várias homenagens que a família e instituições têm
prestado a seu talento artístico), Rodrigo Otaviano e Taciana Cecília.
(©
JB Online)
O intelectual inenarrável
Cícero Sandroni
ESCRITOR E PRESIDENTE DA ABL
Marcos Vinicios Vilaça é um dos poucos
personagens da vida pública brasileira a quem se pode aplicar o adjetivo de
inenarrável. Dos seus primeiros 70 anos de vida, meio século foi dedicado à
causa da administração nos níveis municipal, estadual e federal, dedicado e
competente, sem esquecer jamais a vocação do escritor, do sociólogo e do
memorialista, cuja obra se encontra em vasta bibliografia, referência
indispensável para quem quiser conhecer e entender o Brasil. Desta
combinação do administrador público e o pensador cujas idéias abrangem um
largo espectro do conhecimento humano, surge um brasileiro autêntico, de
fundas raízes pernambucanas, mas à vontade em qualquer lugar do mundo, capaz
de estabelecer relações cordiais com chefes de estado ou pessoas comuns,
escritores laureados ou iniciantes, sempre acompanhado por Maria do Carmo,
estrela condutora de seus passos, companheira infatigável em suas andanças
pelo planeta.
Ao saudá-lo, na Academia Brasileira de
Letras, quando assumi a presidência, sucedendo-o, citei Vieira: "Sabei
cristãos sabei, príncipes, sabei, ministros, que se vos há de pedir estreita
conta do que fizestes; mas muito mais estreita do que deixastes de fazer.
Pelo que fizeram, se hão de condenar muitos, pelo que não fizeram, todos".
Marcos Vinicios Vilaça fez, mas não está
entre aqueles que se hão de condenar, porque fez, fez muito e fez bem.
Jamais hesitou diante do que deveria ser feito, mesmo quando os recursos
prometidos não chegavam a tempo e à hora. Não se omitiu. E não permitiu
omissões.
No pensador revelado eficiente executivo da
área cultural vislumbra-se nele algo parecido com o dom da ubiquidade. Em
certo dia, no correr de 24 horas, Vilaça passou a manhã em Brasília, ao
meio-dia desembarcou no Rio de Janeiro, seguiu às cinco da tarde para o seu
Recife e antes da meia-noite embarcou para Lisboa. Não posso dizer, a
exemplo do poeta, meninos, eu vi, pois não seguia os seus passos e nem
conseguiria, se assim quisesse; mas pude acompanhá-lo pelo celular. E assim,
de Brasília, do Recife, da Europa, França, Bahia, e literalmente para lá de
Marrakesh, no Marrocos, nos comunicávamos para colocar em dia as nossas
agendas e os trabalhos administrativos culturais da Academia.
A vida de Marcos Vinicios Vilaça está
marcada pela presença suave e amorosa de Maria do Carmo, baronesa do
Limoeiro, título nobiliárquico que recebeu de Odilo Costa, filho, consagrado
em belíssimo soneto. Maria do Carmo agrega, com sua açucarada
pernambucanidade, uma ternura especial ao relacionamento do casal, e do
casal e da família Vilaça com os amigos. E mesmo nas horas difíceis, as
horas das tristezas inesquecíveis, eles se fortalecem mutuamente; e com essa
força, dão o exemplo do amor e da esperança aos que com eles convivem.
(©
JB Online)
Um estilo original
Arnaldo Niskier
ESCRITOR E MEMBRO DA ABL
Autor do clássico Coronel, coronéis, Marcos
Vilaça confere à sua vasta obra de escritor a marca da sólida multiplicidade
intelectual que constitui uma das principais características de sua
personalidade multifacetada e criativa. Empreendedor, a um só tempo,
sociólogo, jurista, professor, escritor, jornalista, ministro e
administrador-inovador, membro de diversas entidades, como a Academia
Brasileira de Letras, das Ciências de Lisboa, Presidente Honorário da
Academia Pernambucana de Letras, entre outros reconhecimentos
institucionais, num total de mais de duas centenas de honrarias, nacionais e
internacionais, Vilaça, ao produzir textos literários ou de caráter
técnico-cientíifico, não descura da precisão e do apuroestilístico.
Cito um exemplo, entre alguns dos mais
recentes. Para além da portaria é um título instigante. Explico: pode ser
interpretado a partir de duas dinâmicas distintas. De dentro para fora ou de
fora para dentro. Aí reside, em parte, a sua originalidade, tão cobrada dos
bons escritores brasileiros.
No primeiro caso, mantido o estilo de
unidade na diversidade, Vilaça percorre os mistérios da alma generosa e
comenta a riqueza do que sedimentou em sua personalidade, graças ao convívio
com inúmeros membros da ABL, como Josué Montello, Manuel Bandeira, Ariano
Suassuna, José Mindlin e José Lins do Rego, sem hierarquia quanto ao valor
literário de cada um dos imortais citados. No segundo caso, este livro
situa-se no amplo espaço da vitoriosa vida pública de quem exerceu, de forma
competente e desvelada, os cargos de Secretário Nacional de Cultura, diretor
da Caixa Econômica Federal e Ministro do Tribunal de Contas da União, para
ficar somente em três das suas principais missões. Alguns artigos aqui
publicados se referem a essas atividades, como a registrar o que é preciso
fazer para fortalecer a enfraquecida memória nacional.
Outra constante, nesta obra, é a defesa da
língua portuguesa. Nas muitas viagens feitas a Portugal, sempre em companhia
da sua amada musa Maria do Carmo, Vilaça costurou, como se costuma afirmar,
o Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa, hoje felizmente
aprovado pela comunidade lusófona. Se fosse analisar esta obra sob a ótica
das antigas e indispensáveis antologias, pois não deixa de ser uma atraente
seleta de artigos, marcada pelo "espírito do tempo", daria razão ao escritor
Alberto de Oliveira quando citou, em 1924, "o influxo emocional das coisas
nossas e da alma do país, na observação dos costumes e linguajar da nossa
gente e nas descrições de cenários da natureza". Marcos Vinicios Vilaça
enquadra-se perfeitamente na descrição do "príncipe dos poetas brasileiros"
– e realiza, assim, um trabalho marcado pelo que chamamos de padrão
qualitativo. Os textos têm critério e modernidade, inserindo-se, pois, no
chamado cânone literário.
(©
JB Online)
MARCOS VILAÇA:
Entrevista
O acadêmico fala da importância da
língua para a cultura de um país e explica o papel da Academia Brasileira de
Letras, da qual é o atual presidente
Marcos
Vinícios Rodrigues Vilaça nasceu em Nazaré da Mata, em Pernambuco, no dia 30
de junho de 1939. Formado em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em 1962, tornou-se,
três anos depois, o primeiro ocupante da cadeira de número 35 da Academia
Pernambucana de Letras. Autor de vasta bibliografia, conquistou alguns dos
mais importantes prêmios literários do país - como o Prêmio Joaquim Nabuco,
em 1961, por Em Torno da Sociologia do Caminhão (Editora Tempo Brasileiro).
Exerceu também funções públicas, tanto em seu estado quanto no governo
federal, além de ser membro de conselhos deliberativos de instituições
jurídicas e artísticas, destacando-se a participação no Conselho Diretor da
Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais - órgão ligado ao Ministério da
Educação - em três ocasiões, a mais recente delas de 1984 a 1990. Ministro
do Tribunal de Contas da União desde 1998 e sétimo ocupante da cadeira de
número 26 da Academia Brasileira de Letras (ABL), Vilaça é o atual
presidente da casa - eleito em dezembro de 2005. Em entrevista à Revista E,
o jornalista, poeta e ensaísta falou sobre os braços de atuação da ABL e
ressaltou a importância e o poder da língua para a construção de uma cultura
sólida.
Qual é a importância de uma instituição como a Academia Brasileira de
Letras? E o que ela faz de fato?
Bom, vou tentar responder. A Academia tem, sob o ponto de vista estatutário,
o compromisso de defender a língua portuguesa e a cultura nacional.
Compete-lhe essa presença de modo muito particular. Mas, afinal de contas, o
que é a defesa da língua? É organizar o dicionário, é participar dos acordos
internacionais que visem a disciplinar o uso da língua, é a aceitação
referente a neologismos [emprego de palavras novas, derivadas ou formadas de
outras já existentes, na mesma língua ou não] e também a incorporação de
termos novos. Tudo isso passa pela Academia e sem o endosso dela, sob o
ponto de vista legal, esse tipo de coisa [essas alterações e proposições]
não existe. Sem o parecer da Academia não há como fazer uma lei no Brasil
sobre esses assuntos específicos. Ora, como é que a Academia atua nesses
casos? Por exemplo, nós temos o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa
[obra que registra a forma oficial de escrever as palavras no português
falado e escrito no Brasil contemporaneamente], exclusivamente com palavras
em português - senão, não é vernáculo. A Academia está preparando um
dicionário, para sair em breve, destinado a estudantes. Para isso, conta com
uma equipe de 20 lexicógrafos [profissionais que elaboram dicionários,
dicionaristas] que estão trabalhando nesse projeto. E há também aqueles
dicionários que são feitos com a participação da Academia - como o Aurélio,
o Houaiss etc. A Academia se faz presente nos assuntos ligados à Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) [composta de Brasil, Portugal,
Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, e por
Macau, Timor Leste e Goa], a qual define acordos ortográficos. Há pouco
tempo, esteve aqui o secretário-executivo da CPLP, o embaixador de Cabo
Verde Luís Fonseca. A intenção de sua vinda era para justamente buscar a
participação da Academia para mobilizar o governo brasileiro em torno da
inclusão dos países que ainda não aderiram ao acordo [Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa, assinado em 1990 pelos países da CPLP, mas que até agora
não entrou em vigor por não ter sido ratificado pela maioria desses países]
e também para aqueles trabalhos que chamamos de atualização do acordo - que
também já tem assinaturas parciais. Esse acordo demorou muito para ser
feito, agora já precisa de uma certa atualização.
E qual a posição da Academia, ela é
favorável a essa unificação?
É favorável à unificação e é favorável também ao entendimento de que a
língua é um ser vivo. A língua não pode ser imobilizada, não existe isso,
ela está em permanente processo de mutação. Agora, a Academia não entende
mutação como desorganização, não queremos desorganizar a língua. Não é isso.
Mas sim aceitar a língua no seu processo de evolução. Esse é um capítulo no
qual reconhecemos que há interesses muito fortes de editoras e de
professores, ou seja, há interesses comerciais para que permaneça essa
situação. No entanto, há convicções, do ponto de vista técnico ou
gramatical, que têm de ser conciliadas. Tem de se encontrar um modo comum de
operação. A Academia está ciente dessa diversidade e luta, como é do
temperamento brasileiro, por confluências. Depois de simplificar o capítulo
língua com isso que disse, é preciso ajuntar logo a seguir o fato de que a
Academia entrou firme no processo da internet. Hoje, nós temos um portal
dinâmico, o qual a Universidade de Salamanca [na Espanha], por exemplo,
considera um dos dois melhores portais brasileiros. O outro é o da
Biblioteca Nacional. Salamanca considera o portal da Academia como fonte de
pesquisa e referência. Isso há pouco mais de um ano e meio não existia.
E o que levou a Academia à internet?
Nos dias de hoje não se pode deixar de ter intimidade com a internet. Por
exemplo, todos os nossos seminários, conferências, atos de posse dos
acadêmicos, enfim, tudo que acontece para o público aqui na Academia está
on-line nos dias de hoje. Recentemente, tivemos um seminário aqui sobre a
favelização nos grandes centros urbanos e o processo de interação da
Academia com essa questão foi forte. Entre outros participantes, tivemos o
acadêmico Hélio Jaguaribe, o Paulo Lins - homem da Cidade de Deus [no Rio de
Janeiro] - e a Aspásia Camargo - falando do ponto de vista sociológico. E
isso foi on-line. Outro exemplo são as posses dos acadêmicos, que hoje são
mais acompanhadas no sistema on-line do que de pessoas aqui presentes.
Ademais, não estamos mais usando somente o auditório para esses atos,
estamos pondo telões em outros espaços da Academia porque o público que
participa desses acontecimentos não cabe no salão. Esse portal inaugura
proximamente outra etapa que será A Academia Responde. Nós vamos acolher
perguntas sobre a língua, e um grupo de lexicógrafos - conduzidos por Sérgio
Pachá [lexicógrafo-chefe da ABL] e pelo acadêmico Evanildo Bechara, que é um
dos melhores especialistas do mundo em matéria de língua portuguesa - irá
supervisionar as respostas. O portal da Academia, que antes era visto por 30
ou 50 pessoas por mês, hoje é visto por centenas de milhares mensalmente.
Ouve-se, muitas vezes, que a Academia se
exime de fazer edições consolidadas de, por exemplo, Machado de Assis.
Então, há edições de Dom Casmurro de todo jeito, com modificações do texto,
nem sempre de atualização ortográfica. Em contrapartida, a Academia Francesa
de Letras é citada, por exemplo, como entidade muito mais dedicada a
consolidar a obra do país. O que você acha disso?
Eu acho que é preciso considerar que a Academia Francesa de Letras, desde
sua fundação, sempre teve recursos - porque teve dotações do setor público.
A Academia Brasileira de Letras não tem, e não quer, recursos
governamentais. Nós nos cosemos das próprias linhas, e essas linhas não são
muito fartas, mas hoje já permitem que a Academia, por exemplo, seja uma
editora de porte médio. Posso citar a co-edição que fizemos do livro do
Antonio Candido, as nossas edições estão crescendo. E vamos fazer em 2008,
centenário da morte do Machado [de Assis], a edição completa de suas obras.
No entanto, não vamos editar porque não dispomos de meios para isso, mas,
uma vez recebendo a solicitação de uma editora, encontraremos uma forma de
compatibilizar nossa participação. Agora, não é só com Machado que esse tipo
de coisa acontece. O problema está nas obras do Jorge Amado, do João Ubaldo
[Ribeiro], do Graciliano Ramos, esse problema de distorção de edições que
você encontra entre os antigos e os modernos. É um problema que está sempre
presente. Mas, voltando às coisas da Academia, mantemos uma cátedra de
assuntos brasileiros na Universidade de Oxford. Pouca gente sabe disso. Já
estiveram por lá José Murilo de Carvalho, Ana Maria Machado e Sergio Paulo
Rouanet. No próximo ano, certamente, estará o Ivan Junqueira.
Não há uma compreensão desses organismos
de poder ligados à cultura no Brasil no âmbito internacional? Nós somos
muito tímidos nisso?
Muito tímidos. E, depois, veja que, quando a Real Academia Espanhola fez o
dicionário da língua espanhola, o fez com a 17 academias de países que falam
espanhol. Aqui, nós trabalhamos sozinhos. Portugal escreve de um jeito e não
aceita implantação - assina, mas não aceita o acordo ortográfico. Com a
pacificação e o crescimento em Angola, e o mesmo acontecendo em Moçambique,
daqui a pouco os problemas não serão somente em Portugal, estarão também em
Angola e Moçambique. Este último é um país com uma vertente para a
comunidade britânica muito forte. Daqui a pouco, o português começará a
sofrer pressão, e aí acontecerá como em certas áreas da Ásia onde se falava
português, mas hoje não se fala mais.
E uma das soluções para arrumar isso
seria a implementação do tal acordo?
Claro. Quando [Antonio de] Nebrija escreveu a gramática castelhana, que é
uma das mais antigas do mundo, a fez como um exercício de poder. Língua é
poder. Eu entendo a língua como uma questão de segurança nacional, não é
essa coisa meramente passageira de a gente falar, conversar, torcer por
futebol e cantar samba. Não é só isso, a língua é um mecanismo de poder.
Quando o Tribunal de Contas da União, por exemplo, faz cursos para técnicos
de tribunais de contas de países hispano-americanos, sabemos que as aulas
estão sendo dadas em português, mas estamos passando também o sentimento da
brasilidade, e isso é exercício de poder. É preciso que a língua seja
entendida assim. Agora, não é só nisso que a Academia está presente, estamos
tratando de manter viva a memória: aqui nós temos um programa de concertos
musicais e também fizemos um ciclo sobre os primeiros presidentes. Essa
preocupação é constante e a imortalidade está nisso, temos o compromisso de
manter viva, bulindo, flamejante, a memória dos que nos antecederam. Antes,
dizia-se que a Academia era uma coisa isolada, elitista etc. Mas estamos
mostrando que somos voltados para as humanidades, não só para as letras
literárias, digamos assim. Aqui nós tivemos, por exemplo, o ingresso recente
do cineasta Nelson Pereira dos Santos. E fazemos o seminário Brasil, Brasis,
que consiste em uma sessão por mês tratando de temas pouco ortodoxos para
uma academia de letras. Nós já tratamos de literatura e moda, de literatura
e culinária, de literatura e arquitetura, de literatura e crescimento
econômico e desenvolvimento social. Ainda neste ano discutiremos futebol,
mídia, o folhetim e a novela. Ou seja, a Academia é para as humanidades. Ela
é situada em um tempo e em um espaço - é uma academia brasileira e está
situada no século 21, com seu desenvolvimento em internet etc.
A posição da Academia em relação à
língua portuguesa dentro de um contexto geopolítico é algo pouco ventilado
na imprensa e pouco discutido nos organismos governamentais, não?
Acho que o governo se preocupa muito com coisas menos profundas, e a
imprensa, meu caro, é muito preocupada com o escândalo. E isso é um processo
que se retroalimenta. É preciso que a imprensa se volte para alimentar
aquilo que produz. E o que produz pensamento é um grupo como esse que existe
nesta casa [a ABL]. Aqui se produz pensamento, aqui se produz reflexão, e é
preciso que a imprensa veja que também existe esse outro mundo. Um mundo que
faz e não que desfaz e mata.
Foi inaugurado, em São Paulo, o Museu da
Língua Portuguesa - com a participação da Academia - e que é um sucesso. Há
também programas de televisão só sobre o português e colunistas nos jornais
que falam sobre a língua. Isso é uma coisa recente. Como você analisa o
fenômeno?
Acho isso ótimo, e a Academia estimula esse tipo de coisa. Tive longas
conversas com o presidente Cavaco Silva [Aníbal António Cavaco Silva,
presidente de Portugal] já por duas vezes e o estimulei o máximo que pude
para que ele também faça em Portugal um museu da língua. Não para repetir o
museu de São Paulo, mas para fazer sob outros ângulos. É preciso fazer isso.
Quer ver uma coisa? Já viu um quadro chamado Soletrando no programa do
Luciano Huck, na TV Globo, no sábado? É uma coisa interessantíssima, e a
Academia está interessada em colaborar com isso. Estamos procurando permear
esses espaços exatamente para dar essa consciência do que significa poder
nacional por meio da língua.
A Academia reúne alguns intelectuais
extremamente capacitados. Não poderia, por exemplo, contribuir com políticas
públicas na área de educação?
Mas nós não estamos capitulados como entidade educacional. Nós não somos uma
universidade, por exemplo. Atuamos dentro de um espaço em que é possível
atuar. Envolver-nos na questão da educação está além de nossas forças, é uma
coisa ambiciosa demais. Se for para fazer malfeito, é melhor ficarmos
quietos.
O cantor Roberto Carlos ganhou na
Justiça e o livro Roberto Carlos em Detalhes, de Paulo César Araújo, foi
recolhido. Qual é a posição da Academia sobre a censura?
A Academia é contra a censura. Mas se ele se sentiu agredido moralmente é a
Justiça que decide se o livro deve ser recolhido ou não. Aí é uma outra
questão, já não é um caso de censura. Porque o sujeito não pode ter
liberdade para agredir. Agora, censura no sentido mais genérico, de censurar
a arte, não pode.
As últimas "aquisições" de acadêmicos
têm sido variadas. Há o Nelson Pereira dos Santos, que é cineasta, e o
bibliófilo José Mindlin...
Tem o Celso Lafer, que é um filósofo; o Domício Proença, que é um lingüista
e lexicógrafo. Então, veja que são quatro linhas distintas.
Isso é uma coisa pensada pelos próprios
acadêmicos veteranos?
O processo de escolha é daqueles que se inscrevem, daqueles que querem ser
acadêmicos. É claro que às vezes nos sensibilizamos mais por uma
candidatura. Nesses casos, adotamos determinada pessoa não por um juízo de
mérito, mas por um juízo de circunstância. Por exemplo, o Lafer tinha tudo
para ser acadêmico em qualquer momento e em qualquer cadeira. Mas a cadeira
onde esteve Miguel Reale fica muito própria para ele. Então, a Academia é um
conjunto que envolve homem, obra e circunstância - e isso não é o presidente
que está falando, é simplesmente o Marcos Vilaça, o homem. Porque precisamos
de gente digna para estar conosco para sempre, não é só quando está vivo,
não. Mário Quintana não foi acadêmico porque as circunstâncias não o
favoreceram. Aí dirão que Quintana não está, mas Bandeira e João Cabral
estão. Interpretar a Academia somente pela ausência de determinada pessoa
não é justo, tem-se de interpretá-la por quem está nela. Mário Quintana não
está, mas porque perdeu a eleição para o maior cronista da imprensa
brasileira do século 20: Carlos Castelo Branco. Outro tipo de maluquice que
ouvimos: "José Sarney é acadêmico porque foi presidente da República". Não é
nada disso! Ele foi acadêmico muito antes de ser presidente. Esse tipo de
crítica apressada me magoa muito.
Em relação à questão regional, como ela
se articula dentro da Academia? Por exemplo, o peso do Sudeste.
Isso não pesa. É claro que existe um cuidado para que a Academia seja
brasileira, não seja carioca. Mas sempre teve um contingente maior de
pessoas nascidas no Rio de Janeiro porque, é claro, a Academia é nascida
aqui. E as participações variam: já houve oito pernambucanos, hoje somos
três, mas são 25 pernambucanos no total. Então, existem bancadas mais
fortes: Rio, São Paulo, Minas, Pernambuco e Bahia. Esses cinco estados
sempre têm um contingente grande.
Como você vê quando personalidades, algumas bem expressivas, se recusam a
se candidatar ou entrar na Academia?
Não acho nada demais. Há os que querem e os que não querem. Gilberto Freyre,
por exemplo, não quis; Carlos Drummond nunca desejou; Sérgio Buarque de
Holanda idem; e Antonio Candido não quer. E, olha aí, quando fomos buscar um
livro importante para consignar as comemorações dos 110 anos, editamos quem?
Antonio Candido, o qual não quer ser acadêmico. No entanto, não faltou
convite a ele. Ele não quer, mas nem por isso ficamos com preconceito.
Também fizemos homenagens aqui a Drummond, e faremos sempre. A mesma coisa
serve para Erico Verissimo. Sérgio Buarque de Holanda foi tema de seminário
para nós, no ano de aniversário de Raízes do Brasil [de 1936, uma das
principais obras de Buarque de Holanda, trata da herança histórico-cultural
que moldou o povo brasileiro]. Colocamos em pé de igualdade o Guimarães Rosa
e o Sérgio, um acadêmico e um não-acadêmico, e festejamos com igual
intensidade.
Levar a Academia ao povo, por assim
dizer, é uma vontade própria da casa ou é importante somente para alguns
membros?
Acho que é a vontade da Academia. Não vejo ninguém rejeitar isso. É claro
que alguns são mais entusiasmados do que outros, mas isso é normal. A
questão do entusiasmo é muito de momento. Por exemplo, nós desfilamos na
Mangueira porque o enredo era sobre a língua portuguesa. Então, está
explicado por que a Academia tinha de participar, dar palpites nos textos,
orientar quais eram as histórias da língua. Quer dizer, quando consultados,
prestamos essa assessoria para essa escola de samba. Mas não interferimos,
nós respondemos às questões que foram levantadas. Enfim, sabe quem foi o
acadêmico mais animado que estava no carro alegórico? Antonio Olinto, de 88
anos, era o mais animado entre todos nós, o maior "pé-de-samba".
Houve projetos de lei que queriam
retirar da língua portuguesa do Brasil expressões em outros idiomas. Qual a
sua posição sobre esse policiamento da língua?
Foi como eu disse: a língua é um ser vivo. Não dá para aplicar um
radicalismo dizendo que isso ou aquilo não pode. O português se socorre do
quê? Do latim, do grego. Então, por que hoje não pode se socorrer do inglês?
Já se socorreu tanto do francês! Em Portugal se usa rés-do-chão, aqui usamos
térreo. Em Pernambuco chamamos carpete de alcatifa, por causa da origem
árabe. Acho muito mais violento escrever "ki koisa", isso, sim, é erro de
português. Eu não poderia, então, conversar com meus netos porque eles dizem
deletar? Teria de dizer que eles têm de usar apagar, porque é o correto?
Pode ser deletar, sim, por que não poderia? O mesmo vale, por exemplo, para
check-up. Só porque é imortal [como são chamados os membros da ABL] acha que
não precisa mais fazer check-up? [risos]. No entanto, em alguns casos se
usam expressões em inglês por pura bobagem. Acho que temos de trabalhar,
fazer um convencimento, trabalhar a juventude e explicar que não precisa
disso. Por exemplo, a palavra sale [venda] está por toda parte. Outro dia
fui a uma livraria para o lançamento de um livro da Barbara Freitag e havia
várias expressões em inglês - sold out [esgotado] etc. Não precisa disso.
Você vai aqui à Barra [da Tijuca, no Rio de Janeiro] e é a Miami piorada -
não sei como se pode piorar Miami, mas eles conseguiram.
(©
Sesc SP)
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