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Caetano estrila

23/07/2009

 

 

Foto: Mastrangelo Reino - 14.jul.2009/Folha Imagem
O músico Caetano Veloso, na pre-estreia de "Coração Vagabundo" em São Paulo
 
Tema de "Coração Vagabundo", que estreia na sexta, o músico critica a cobertura da Folha sobre o uso da Lei Rouanet para sua turnê, afirma que o jornal quis tratá-lo como "misto de Sarney e Dado Dolabella" e revela saudades da "alegria física" da juventude

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Caetano Veloso tem medo da morte, mas menos do que tinha "quando era mais moço e mais narcisista". Aos 66, ele tem "saudades do equilíbrio e da elasticidade do corpo, da força dos cabelos, o jato de urina forte, as ereções firmes, a alegria física da juventude".

Caetano Veloso odeia "a hipocrisia" e teme "o fanatismo". Ele acha que "dadas as revelações da personalidade pragmática do político Lula", a adesão de seu amigo e também músico Gilberto Gil ao governo, como ministro da Cultura (2003-2008) "não teve o caráter negativo" que ele temia.

Tudo isso o cantor e compositor baiano contou à Folha, numa entrevista a propósito de "Coração Vagabundo", documentário a seu respeito, que chega aos cinemas nesta sexta. O diretor do filme, Fernando Grostein de Andrade, diz que sua intenção era realizar "não uma biografia, mas uma passagem pela vida de Caetano".

Com orçamento em torno de R$ 700 mil, considerado baixo pelos parâmetros brasileiros, "Coração Vagabundo" contou com patrocínio de empresas que tiveram incentivo fiscal para realizar o investimento no filme. O incentivo é proporcionado pelas leis federais de incentivo à cultura, das quais quase todos os filmes produzidos no Brasil lançam mão.

Quando fala no tema da subvenção estatal ao fazer artístico, representada sobretudo pela Lei Rouanet, que movimenta cerca de R$ 1 bilhão por ano, Caetano Veloso engrossa o discurso e critica a Folha, certo jornalismo "travestido de investigativo" e a coluna "Mônica Bergamo" nesta entrevista, que preferiu fazer por e-mail.

A polêmica sobre o uso da Lei Rouanet envolvendo o nome de Caetano tem origem na revelação feita pela Folha de que a turnê de seu mais novo álbum, "Zii e Zie", só pôde recorrer a patrocínio com benefício desse mecanismo de renúncia fiscal depois que o ministro da Cultura, Juca Ferreira, interveio em decisão da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC).

A comissão analisa os projetos submetidos à Lei Rouanet e avaliou, originalmente, que a turnê de Caetano era comercialmente viável, podendo prescindir do incentivo. O orçamento era de R$ 2 milhões.

Caetano julga a cobertura da Folha "uma pobreza". Por um lado, ele estrila. Por outro, não se cansa de ter esperança de um dia "melhorar mais", como afirma a seguir.
 

 

FOLHA - Na última vez em que falou à Folha sobre a Lei Rouanet, você deixou clara a sua impressão de não estar sendo devidamente compreendido. Poderia dizer qual é sua opinião sobre o subsídio estatal à produção artística e que avaliação faz do principal mecanismo em prática no Brasil -a Lei Rouanet?

CAETANO VELOSO - Uma moça entrou na fila de fãs no camarim e, ao chegar junto de mim, pediu para fazer duas perguntas. De cara, não percebi que era uma jornalista. Quando entendi isso, eu a encaminhei para a assessora de imprensa. Eu tinha uma fila grande para atender. Julguei que a assessora fosse dispensá-la.
Mas ela reapareceu depois, dizendo agora que faria uma pergunta só. Respondi rindo que sim, que fizéssemos logo para nos livrarmos. Era sobre a Lei Rouanet. Não sou bom nesses assuntos e já tinha lido na Folha sugestões de que eu estaria usando dinheiro público indevidamente. Ora, eu não pleiteei nada junto à comissão que se encarrega de julgar esses pedidos. O produtor que me contratou é que pleiteia. Como a comissão não aprovou, sob o pretexto de que uma turnê minha se sustenta sem isso, o jornal achou que havia um caso aí.
Em entrevista à revista "Cult", eu tinha dito que nunca pensava em Lei Rouanet quando tratava de música popular e que só me pronunciei a respeito por causa do cinema: eu havia me manifestado contra o projeto da Ancinav. A música popular, eu dizia, não me parece precisar de incentivos além dos que já tem. Continuo pensando assim (embora pudesse perfeitamente ter mudado de ideia).
Pois bem, a moça não só não fez uma única pergunta como na terceira de umas cinco punha na minha boca frases que eu não disse. Ela tinha sido enviada por Mônica Bergamo, que mantém uma página de fofocas meio "sociais", meio políticas (ou meio de autoridades, meio de celebridades) e o fito era nitidamente me tratar como se eu fosse um misto de Sarney com Dado Dolabella.
Ao fim da quarta resposta, disse-lhe que fosse embora. Ela perguntou triunfante: "Você está me mandando embora?". Respondi que estava e insisti para que fosse logo. Depois a Bergamo foi para o rádio gritar meu nome com aquela voz de taquara rachada, competindo em demagogia e má-fé com [o jornalista Ricardo] Boechat.
Claro que não ouvi isso na hora: uma amiga me mandou por e-mail em MP3. Havia um desejo ridículo de criar um caso em que eu aparecesse como um cara que não merece respeito.
Li artigos de outros na Folha (e cartas de leitores) meio eufóricos com isso. Uma pobreza.
Mas um conhecido me escreveu o seguinte: "Não sei se você sabe, mas o papel de imprensa onde eles destilam o veneninho goza de 100% de isenção fiscal. Será que os próprios repórteres sabem disto? Estamos falando de dezenas e dezenas de milhões de reais em incentivos fiscais, não só federais (0% de PIS, Cofins, imposto de importação etc...) mas também estaduais, já que papel de imprensa também não paga um centavo de ICMS. E a isenção é dada a todo mundo, não só ao jornal do AfroReggae mas também a enormes corporações como a Folha, cujo faturamento está na casa do bilhão. A isenção de impostos do papel de imprensa é provavelmente a forma mais antiga de incentivo fiscal à cultura no Brasil. Acho que vem dos anos 50. Não sou contra ela. Ao contrário, sou muito a favor, tanto para os jornais quanto para os teus shows. Só sou contra a hipocrisiazinha vingativa -e boba- travestida de jornalismo investigativo."
É um aspecto a ser pensado por mim e por você, Silvana.
O ministro da cultura disse que achava desequilibrada a decisão da comissão (no meu caso como no de Bethânia e no de Fernanda Montenegro). Se não fosse assim, o produtor da minha turnê que se virasse para fazê-la seguir ou a suspendesse. Eu não ligo a mínima. O ministro quer mudar a lei. Seja como for, hoje todos a usam.
Mas eu não peço isso a ninguém. Conversei depois com Maurício Pessoa (o produtor contratante) e ele me disse que, sem isso, não teríamos espetáculos como o de Juazeiro do Norte, em que os ingressos custavam R$ 30. Mas eu não faço essas contas. Por mim, os ingressos todos dos meus shows deveriam ser menos caros porque o público que tem muito dinheiro é, em geral, muito careta -e eu não sou careta. Muitas pessoas que se identificam com o que faço não podem, em certas cidades, ir ver o meu show. Quem quer que me contrate deverá, contando ou não com isenção fiscal, tentar resolver essa questão, que me interessa. O resto -os casos jornalísticos de excitação por tentar destruir reputações- não me interessa.

(© Folha de S. Paulo)

 


"Odeio a cultura do desprezo no Brasil"

Cantor desaprova tendência a desvalorizar tudo o que "ganha corpo" no país e diz que EUA precisam entender Lulu Santos

Músico comenta relação com a espiritualidade e diz que, recentemente, passou a ser "programaticamente antirreligioso"

DA REPORTAGEM LOCAL

Nessa parte da entrevista, Caetano Veloso fala sobre a velhice, a morte, a religião e "um idiota" que desqualificou seu canto. (SILVANA ARANTES)

 

FOLHA - Se a velhice traz a conclusão de que "o pior já passou", como diz no filme, o que foi o seu pior?
CAETANO - Não é bem uma conclusão. É a constatação de que não se pode pôr tudo na conta da velhice. Alguns podem viver o pior de suas vidas aos 17, ou aos 35, ou aos 42, e atravessar a velhice com alegria e paz.
No filme, não falava de mim. Sou um cara que tem saudades da juventude -não do tempo em que fui jovem, mas da juventude em si, do equilíbrio e da elasticidade do corpo, da força dos cabelos, o jato de urina forte, as ereções firmes, a alegria física da juventude.
Mas não sou burro e sei que não é impossível alguém ter, no cômputo geral, mais alegria na velhice. Reconheço que há vários aspectos da minha vida que melhoraram -e ainda desejo melhorar mais. Algumas coisas, no entanto, não podem deixar de decair com a idade.

 

FOLHA - Você fala no filme de seu enterro. Teme a morte ou morrer?
CAETANO - Tenho medo das duas coisas. Mas tinha mais quando era mais moço e mais narcisista.

 

FOLHA - Numa cena, você se preocupa com sua voz. Como lidou com a perda vocal de Gilberto Gil? O filme revela sua recusa à maquiagem para a TV, por receio de "ficar com cara de político babaca". Que impacto teve em sua relação com Gil a decisão dele de ser ministro da Cultura?
CAETANO - Gostaria de ter podido persuadir Gil a poupar mais a garganta. Embora a voz brilhante e extensa que ele tinha fosse linda, a força de Gil está na musicalidade, no modo como toca o violão, como intui a rítmica de uma frase, como revela a consciência imediata das relações entre as notas. Isso não depende de voz limpa.
Quanto ao ministério, é sabido que eu lhe disse: "Lula já é um símbolo: você será o Lula do Lula". No fim, achei que ele foi mesmo um Lula do Lula. Só que isso, dadas as revelações da personalidade pragmática do político Lula, não teve o caráter negativo que eu temia.

 

FOLHA - Em "Coração Vagabundo" você diz que "a pobreza termina resultando espiritualmente". Trata-se de um pensamento religioso de alguém que se diz antirreligioso?
CAETANO - Não. Essa nossa carne cuja existência percebemos é um fato espiritual o tempo todo. Já fui antirreligioso; depois, fui contra essa posição, que me parecia uma repressão da religiosidade. Passei a ser mais programaticamente antirreligioso, porque odeio hipocrisia e temo o fanatismo.

 

FOLHA - Em cena no Japão você fala da consciência de ser "racialmente suspeito'; em NY, diz-se distinto de quem nasceu acreditando estar no mundo. Hoje sente-se mais estrangeiro no lugar do que no momento?
CAETANO - Sempre estrangeiro. Sou um brasileiro brasileirista. Gosto de São Paulo porque é diferente do Brasil de Vargas e da Rádio Nacional. Mas odeio a cultura do desprezo a tudo o que ganhou ou ganha corpo no Brasil (inclusive Vargas e Rádio Nacional). Outro dia li um idiota desqualificando meu canto em "Zii e Zie" porque supostamente pareceria com Cauby Peixoto e Ângela Maria. Mas eu penso que os EUA só se salvarão quando entenderem Chico Buarque e Lulu Santos.

(© Folha de S. Paulo)


Leia mais da entrevista do cantor Caetano Veloso

SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo

Os trechos a seguir da entrevista de Caetano Veloso ao caderno Ilustrada, da Folha de S.Paulo, estão disponíveis apenas aqui, na Folha Online.

Folha - Você menciona sua "obra comportamental" em seu blog como parte do conjunto de sua carreira e de seu impacto na música popular brasileira. Você situa a cena de nudez de "Coração Vagabundo" como parte dessa "obra comportamental"? Se sim, ela não seria demasiadamente pudica? A propósito desse tema, você poderia dar sua opinião sobre a análise do ator Pedro Cardoso de que a nudez no cinema e na TV deixou de ser um ato de transgressão e se tornou uma expressão subliminar de pornografia para vender produtos ruins?

Caetano Veloso - Não decidi posar nu para o filme. Foi um acaso que o diretor achou engraçado mas pensou que a produtora fosse querer cortar. Ela não quis cortar. Eu nem opinei. Não ligo. Não acho nem pudico nem safado aquilo. Há uma foto em que apareço nu, feita pela Vânia Toledo, que pode se ver num número recente da revista TPM. É um nu muito mais nu do que esse do filme.

Quando vi "Hair", em 1969, em Londres, as pessoas ficarem nuas em cena era um acontecimento. Depois passou a ser mais comum. Mesmo assim, nunca deixou de provocar algum nervosismo. Liga-se a nudez ao sexo. E sexo não é uma coisa entre as outras. Um ginecologista não deixa de achar o corpo da mulher excitante só porque vê dezenas de mulheres nuas todos os dias.

As coisas que Pedro Cardoso disse têm fundamento. Lembro de Marcuse falando em dessublimação repressiva. Quando eu era garoto detestava a revista "Playboy". Aquilo não ajudou na construção da minha heterossexualidade. Mas há também algo com que não me identifico no papo de Pedro: parece que há um desejo de voltar atrás, uma reverência por um suposto passado mais moral, mais saudável e mais justo. Eu não acredito nisso.

  Divulgação  
Caetano Veloso em cena de "Coração Vagabundo" gravada no Japão; documentário estreia nesta sexta

Folha - Em sua passagem mais introspectiva no filme, você diz que a melancolia daquele momento tem a ver com coisas "da vida íntima, das quais não se fala". Pensei imediatamente em canções como "O Quereres", "Branquinha", "Não Enche", em que temos a impressão de ter acesso à sua intimidade afetiva. Pensei ainda até que ponto seria uma construção deliberada (e talvez distante da verdade mais íntima) a imagem pública que se construiu de sua relação com Paula Lavigne, a quem se atribui o papel de uma mulher dominadora e empresária sagaz e implacável. Você estabelece um limite de exposição da intimidade a que se permite em sua obra --tanto a artística quanto a comportamental? Qual é esse limite?

Caetano - "Branquinha" é uma canção conscientemente feita sobre e para Paulinha Lavigne. "O Quereres" foi conscientemente escrita sobre e para Cristina Mandarino. 'Não Enche" foi escrita contra as mulheres que prendem os homens. Paulinha era minha mulher na época, e, como respondi a um entrevistador na época, é claro que a música era, portanto, primeiramente para ela.

Mas a imagem pública que possa haver do que foi nosso casamento nunca pode ter nada a ver com o que se passava na intimidade. Paulinha é muito generosa, inteligente e engraçada. Nosso vínculo tinha aspectos que só eu e ela sabemos.

Não preciso traçar uma linha nítida entre o que se expõe e o que fica escondido. Muito do que é íntimo não dá para expor: a gente não tem nem como comunicar - e as pessoas não entenderiam. Mas lembro de que, quando escrevi "Verdade Tropical", tomei a decisão de revelar o máximo sobre mim sem entregar nada secreto ou delicado de pessoas com quem me relacionei a partir da infância.

Folha - Quando afirma que só viveria em Madri ou em Nova York, se tivesse que morar fora do Brasil, você acrescenta que essas são as cidades que os terroristas atacaram. Que relação exatamente você fez entre a sua escolha por essas cidades e o fato de terem sido alvo do terrorismo. Por que excluiu da lista Londres, em que você já viveu exilado e que também sofreu ataques terroristas recentes?

Caetano - Londres já estava fora da lista pois não era uma das cidades que eu escolheria para morar. O fato de as minhas duas escolhidas terem sido escolhidas também pelos terroristas para serem atacadas me veio à cabeça porque os fatos eram ainda recentes e porque comentando isso eu estava dando mostras de quanto me magoaram aqueles ataques.
Outro dia vi, sozinho no cinema, "Jean Charles". Chorei muito. Em primeiro lugar, Londres aparece linda como eu nunca achei: sente-se que o diretor (como seu personagem) experimenta deslumbramento diante de Londres. A roda gigante parece que é mais bonita do que a Torre Eiffel. Eu nunca senti isso em Londres.

Noto que a cidade hoje tem muito mais essas características parisienses de cidade central do mundo do que quando eu morei lá, mas não chega a me parecer um lugar uno e grandioso. Amo em Londres as virtudes algo melancólicas dos detalhes de civilidade relaxada: os bancos dos parques, os tipos dos letreiros, as marcas brancas no preto do asfalto. Quando eu morava lá não havia imigrantes brasileiros do tipo que há hoje. Tudo o que se passa entre a cidade e os personagens de Selton Mello, Vanessa Giacomo e Luiz Miranda me emocionou muito fortemente.

*

Abaixo, você lê a versão integral das respostas que estão condensadas no caderno Ilustrada de hoje.

Folha - Você fala da perspectiva de seu enterro. Não ficou claro para mim se você tem medo da morte ou de morrer. Tem?

Caetano Veloso - Tenho medo das duas coisas. Mas tinha mais quando era mais moço e mais narcisista. Não lembro de ter falado sobre isso no filme. Falei de enterro só porque lembrei que antes queria ser cremado mas agora já pensava em ser enterrado em Santo Amaro. Para ser sincero, neste momento não penso nem uma coisa nem outra. Aquilo foi ali no Japão.

Folha - Em dado momento do filme, você revela preocupação com a voz. Poderia comentar como repercutiu em você o processo de perda vocal de Gilberto Gil? Considerando que uma das coisas que o filme revela é sua recusa à maquiagem para a TV, por receio de "ficar com cara de político babaca", gostaria de saber qual foi o impacto da decisão de Gil de assumir o Ministério da Cultura na relação de vocês dois.

Caetano - Eu gostaria de ter podido persuadir Gil a poupar mais a garganta. Mas, embora a voz brilhante e extensa que ele tinha fosse linda, a força de Gil está na musicalidade --que se expressa no modo como ele toca o violão, como ele intui a rítmica de uma frase, como ele revela a consciência imediata das relações entre as notas. Isso não depende de voz limpa. Quanto ao ministério, Gil me chamou para conversar quando recebeu o convite de Lula. Fui muito cuidadoso com ele, que estava honrado e excitado com a oportunidade, mas terminei por aconselhá-lo a não aceitar. É sabido que eu lhe disse: "Lula já é um símbolo: você vai ser o Lula do Lula". Mas ele queria aceitar. E no fim das contas eu achei que ele foi mesmo um Lula do Lula, só que isso, dadas as revelações da personalidade pragmática do político Lula, não teve o caráter negativo que eu temia. Gil trouxe visibilidade ao ministério da cultura, alargou e aprofundou a visibilidade do governo Lula (um governo estrela mundial), teve seu nome e sua gestão citados no livro do Lessig, o criador do Creative Commons, abriu o debate sobre direitos na era da reprodutibilidade digital e da difusão virtual. E já deixou o cargo.

(© Folha Online)


Caetano Veloso critica a Folha e fala sobre documentário

 
SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo

Caetano Veloso tem medo da morte, mas menos do que tinha "quando era mais moço e mais narcisista". Aos 66, ele tem "saudades do equilíbrio e da elasticidade do corpo, da força dos cabelos, o jato de urina forte, as ereções firmes, a alegria física da juventude".

Reprodução
Documentário "Coração Vagabundo", que mostra turnê de Caetano Veloso pelos EUA e Japão, estreia nesta sexta-feira em São Paulo

Caetano Veloso odeia "a hipocrisia" e teme "o fanatismo". Ele acha que "dadas as revelações da personalidade pragmática do político Lula", a adesão de seu amigo e também músico Gilberto Gil ao governo, como ministro da Cultura (2003-2008) "não teve o caráter negativo" que ele temia.

Tudo isso o cantor e compositor baiano contou à Folha, numa entrevista a propósito de "Coração Vagabundo", documentário a seu respeito, que chega aos cinemas nesta sexta-feira (24). O diretor do filme, Fernando Grostein de Andrade, diz que sua intenção era realizar "não uma biografia, mas uma passagem pela vida de Caetano".

Com orçamento em torno de R$ 700 mil, considerado baixo pelos parâmetros brasileiros, "Coração Vagabundo" contou com patrocínio de empresas que tiveram incentivo fiscal para realizar o investimento no filme. O incentivo é proporcionado pelas leis federais de incentivo à cultura, das quais quase todos os filmes produzidos no Brasil lançam mão.

Quando fala no tema da subvenção estatal ao fazer artístico, representada sobretudo pela Lei Rouanet, que movimenta cerca de R$ 1 bilhão por ano, Caetano Veloso engrossa o discurso e critica a Folha, certo jornalismo "travestido de investigativo" e a coluna "Mônica Bergamo" nesta entrevista, que preferiu fazer por e-mail.

A polêmica sobre o uso da Lei Rouanet envolvendo o nome de Caetano tem origem na revelação feita pela Folha de que a turnê de seu mais novo álbum, "Zii e Zie", só pôde recorrer a patrocínio com benefício desse mecanismo de renúncia fiscal depois que o ministro da Cultura, Juca Ferreira, interveio em decisão da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC).

A comissão analisa os projetos submetidos à Lei Rouanet e avaliou, originalmente, que a turnê de Caetano era comercialmente viável, podendo prescindir do incentivo. O orçamento era de R$ 2 milhões.

Caetano julga a cobertura da Folha "uma pobreza". Por um lado, ele estrila. Por outro, não se cansa de ter esperança de um dia "melhorar mais", como afirma a seguir.

Folha - Na última vez em que falou à Folha sobre a Lei Rouanet, você deixou clara a sua impressão de não estar sendo devidamente compreendido. Poderia dizer qual é sua opinião sobre o subsídio estatal à produção artística e que avaliação faz do principal mecanismo em prática no Brasil --a Lei Rouanet?

Caetano Veloso - Uma moça entrou na fila de fãs no camarim e, ao chegar junto de mim, pediu para fazer duas perguntas [leia mais sobre o caso aqui ]. De cara, não percebi que era uma jornalista. Quando entendi isso, eu a encaminhei para a assessora de imprensa. Eu tinha uma fila grande para atender. Julguei que a assessora fosse dispensá-la.

Mas ela reapareceu depois, dizendo agora que faria uma pergunta só. Respondi rindo que sim, que fizéssemos logo para nos livrarmos. Era sobre a Lei Rouanet. Não sou bom nesses assuntos e já tinha lido na Folha sugestões de que eu estaria usando dinheiro público indevidamente. Ora, eu não pleiteei nada junto à comissão que se encarrega de julgar esses pedidos. O produtor que me contratou é que pleiteia. Como a comissão não aprovou, sob o pretexto de que uma turnê minha se sustenta sem isso, o jornal achou que havia um caso aí.

Em entrevista à revista "Cult", eu tinha dito que nunca pensava em Lei Rouanet quando tratava de música popular e que só me pronunciei a respeito por causa do cinema: eu havia me manifestado contra o projeto da Ancinav. A música popular, eu dizia, não me parece precisar de incentivos além dos que já tem. Continuo pensando assim (embora pudesse perfeitamente ter mudado de ideia).

Pois bem, a moça não só não fez uma única pergunta como na terceira de umas cinco punha na minha boca frases que eu não disse. Ela tinha sido enviada por Mônica Bergamo, que mantém uma página de fofocas meio "sociais", meio políticas (ou meio de autoridades, meio de celebridades) e o fito era nitidamente me tratar como se eu fosse um misto de Sarney com Dado Dolabella.

Ao fim da quarta resposta, disse-lhe que fosse embora. Ela perguntou triunfante: "Você está me mandando embora?". Respondi que estava e insisti para que fosse logo. Depois a Bergamo foi para o rádio gritar meu nome com aquela voz de taquara rachada, competindo em demagogia e má-fé com [o jornalista Ricardo] Boechat.

Claro que não ouvi isso na hora: uma amiga me mandou por e-mail em MP3. Havia um desejo ridículo de criar um caso em que eu aparecesse como um cara que não merece respeito. Li artigos de outros na Folha (e cartas de leitores) meio eufóricos com isso. Uma pobreza.

Mas um conhecido me escreveu o seguinte: "Não sei se você sabe, mas o papel de imprensa onde eles destilam o veneninho goza de 100% de isenção fiscal. Será que os próprios repórteres sabem disto? Estamos falando de dezenas e dezenas de milhões de reais em incentivos fiscais, não só federais (0% de PIS, Cofins, imposto de importação etc...) mas também estaduais, já que papel de imprensa também não paga um centavo de ICMS. E a isenção é dada a todo mundo, não só ao jornal do AfroReggae mas também a enormes corporações como a Folha, cujo faturamento está na casa do bilhão. A isenção de impostos do papel de imprensa é provavelmente a forma mais antiga de incentivo fiscal à cultura no Brasil. Acho que vem dos anos 50. Não sou contra ela. Ao contrário, sou muito a favor, tanto para os jornais quanto para os teus shows. Só sou contra a hipocrisiazinha vingativa --e boba-- travestida de jornalismo investigativo."

É um aspecto a ser pensado por mim e por você, Silvana. O ministro da cultura disse que achava desequilibrada a decisão da comissão (no meu caso como no de Bethânia e no de Fernanda Montenegro). Se não fosse assim, o produtor da minha turnê que se virasse para fazê-la seguir ou a suspendesse. Eu não ligo a mínima. O ministro quer mudar a lei. Seja como for, hoje todos a usam.

Mas eu não peço isso a ninguém. Conversei depois com Maurício Pessoa (o produtor contratante) e ele me disse que, sem isso, não teríamos espetáculos como o de Juazeiro do Norte, em que os ingressos custavam R$ 30. Mas eu não faço essas contas. Por mim, os ingressos todos dos meus shows deveriam ser menos caros porque o público que tem muito dinheiro é, em geral, muito careta --e eu não sou careta. Muitas pessoas que se identificam com o que faço não podem, em certas cidades, ir ver o meu show. Quem quer que me contrate deverá, contando ou não com isenção fiscal, tentar resolver essa questão, que me interessa. O resto --os casos jornalísticos de excitação por tentar destruir reputações-- não me interessa.

  Editoria de Arte/Folha de S.Paulo  

(© Folha Online)


"O que é bonito tem de ser mostrado", diz ex de Caetano sobre cena do cantor nu

Na pré-estreia de "Coração Vagabundo", documentário de Fernando Grostein Andrade sobre Caetano Veloso, o cantor afirmou que não palpitou no corte das 57 horas originais de gravação, nem na cena em que aparece nu.

A ex-mulher de Caetano, Paula Lavigne, também deixou claro que não interferiu na edição. "Fui a primeira a dizer que não era pra cortar a cena! Ainda mais porque Caetano é bem dotado. O que é bonito tem de ser mostrado!", disse Lavigne ao repórter da Folha Paulo Sampaio, em reportagem publicada na coluna Mônica Bergamo desta quinta-feira (16).

Ao repórter, o diretor diz acreditar que Caetano e Paula não deixariam passar a cena de nudez. "Então pensei em dar uma de espertinho e exibi-la no final do filme, entre as imagens de bastidores", afirma Andrade.

(© Folha Online)


PAINEL DO LEITOR

Caetano Veloso

"Coerente com a noção de intocabilidade que costumeiramente se autoatribui, Caetano vem se mostrar ofendido a propósito do uso da Lei Rouanet. Não deveria, pois efetivamente lançou mão da lei para subsidiar sua turnê, beneficiando-se de sinal verde propiciado por escalão superior do MinC, já que o pleito havia sido analisado por escalão técnico do ministério e, por sua evidente distorção em face do espírito da lei, julgado não procedente.
Interessante o cantor fazer alusão a um possível "lado Sarney" em sua própria pessoa, lado que se beneficia de benesses do poder público e, ao mesmo tempo, mete a boca na imprensa, tentando desqualificá-la por ter cumprido sua função; lado que diz que alguém recorreu ao MinC para obter os ditos recursos.
Seria bom então ele perguntar a esse alguém o que foi prometido ao MinC em termos de democratizar o bem cultural, conforme o espírito da lei (um dos seus pilares), no caso atropelada. Ingressos a R$ 30 em Juazeiro do Norte: primeiro, é caro, dada a isenção fiscal; segundo, é insuficiente (aliás, uma "pobreza" de retorno) para justificar ter-lhe o poder público aberto as burras."

BOLÍVAR SILVA (São Paulo, SP)

 

"Caetano Veloso ganha respeito quando estrila. Perde quando espinafra as pessoas com rancor.
Taquara rachada, Caetano, é "zê", como sempre alcunhou o público classe "A". Achar normal que sua produtora receba os beneplácitos de uma lei que tira do seu, do meu, dos nossos suados impostos é que é sair do tom, desafinar. Coloquei seus discos em quarentena lá em casa."

LUCAS PACHECO (São Paulo, SP)
 

"Caetano, você é lindo, aliás, está bem mais bonito hoje, aos 66 anos, do que com 30, mas o que o jornal fez foi elucidar como, num país dos espertos e com uma política cultural inexistente aos mais necessitados, deixar que captasse R$ 2 milhões para seu show não seria justo com as pessoas esperando de pires na mão por não serem Caetano."

MARCOS BARBOSA (Casa Branca, SP)
 

"Caetano põe a responsabilidade de captação de recursos de seus shows por meio da Lei Rouanet em seu produtor, ou seja, se há algo errado em financiar com dinheiro público um show que se sustenta por si próprio e dá lucros milionários, a culpa, efetivamente, não é dele.
Chama de careta quem paga R$ 200 para ver seus shows e "uma pobreza" as manifestações de leitores que ficam "meio eufóricos" com histórias tais. São declarações que impressionam, pois, além da alegada euforia, causam-nos choque, confirmando que nós, fãs, leitores, ilustres cidadãos, honestos trabalhadores e pagadores de impostos, somos muito mais que caretas, somos imbecis."

GERALDO SANCHES CARVALHO (São Paulo, SP)

(© Folha de S. Paulo, 23.07.2009)


Atualização em 24.07.2009:

'Coração Vagabundo' acompanha viagem musical de Caetano

Foto: Divulgação 

Documentário enfoca período de turnê do cantor pelo mundo

Melhores cenas do documentário mostram o músico cantando canções como 'Terra', com arranjos inovadores

SÃO PAULO - "Coração Vagabundo", um documentário que se propõe a ser "uma viagem musical com Caetano Veloso", abre com a tela em negro e um letreiro explicando que em 1968, o músico foi vaiado durante uma apresentação de "Proibido Proibir" num festival.  

No áudio, ouve-se o som original da época: o cantor discutindo com o público e dizendo que eles não entendiam nada. Sua voz é quase encoberta ao som de tantas vaias.

Dessa abertura, o diretor corta para o presente, quando, num quarto de hotel, Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano e produtora do filme, "chama" a câmera para segui-la e abre a porta do banheiro, onde o músico está nu, tomando banho. Certamente, o diretor Fernando Grostein Andrade queria que essa nudez fosse tanto real quanto metafórica para seu documentário, que estreia em São Paulo e no Rio. Mas não é bem isso o que se vê na tela.

Por mais que a câmera o acompanhe incessantemente durante a turnê americana e japonesa para a divulgação do disco "A Foreign Sound", o filme se ressente da falta de foco ao longo de seus 60 minutos. Ninguém espera que um documentário tão curto desvende a alma e a obra de seu retratado, mas um pouco mais de profundidade não faria mal algum a "Coração Vagabundo".

O Caetano contestador, que bate boca com o público para defender sua música, está apenas na memória registrada na abertura do filme. Agora, "Coração Vagabundo" mostra que ele é um sujeito pacato, que sorri e interage com japoneses pelas ruas de Tóquio ou na porta de um templo budista.

A sombra do Caetano de 1968 é projetada muito discretamente, quando perguntado sobre uma polêmica envolvendo o músico Hermeto Pascoal e os elogios do baiano para a música norte-americana que, segundo ele, "é a melhor do mundo".

O que há de melhor em "Coração Vagabundo" são as cenas do show de Caetano, quando canta músicas como "Terra", com arranjos diferentes dos originais.

As apresentações em Nova York, Tóquio e Kyoto são cercadas de uma aura de glamour - mas não há um contraponto de como foi essa mesma turnê no Brasil. Nos bastidores, Caetano é tietado por brasileiros ilustres no estrangeiro, como Gisele Bündchen, e outros famosos no país, como a atriz Regina Casé.

A proposta declarada de Grostein Andrade era fazer um documentário intimista, um retrato quase em primeira pessoa do músico. Mas não se pode esquecer que a produtora do filme é a ex-mulher de Caetano, Paula Lavigne, e que o fim do casamento aconteceu durante as filmagens. A câmera flagra alguns episódios dessa separação, como o músico pedindo o telefone de Gisele Bündchen, numa possível brincadeira, embora comentários dela deem margem a dúvidas.

Entre os entrevistados, aparecem os fãs internacionais do músico, como David Byrne e o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, que passa mais tempo elogiando a produtora Paula Lavigne do que comentando sua relação com Caetano - que aparece numa cena de seu longa "Fale Com Ela" (2002).

Ao contrário de dois documentários recentes sobre músicos, "Loki - Arnaldo Baptista" e "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei", que se aprofundam em seus personagens, "Coração Vagabundo" é quase um filme institucional. Nele, o que vemos na tela é o Caetano Veloso que todos conhecem, sem muito acrescentar à imagem do mito que carrega e do qual parece não querer se despir.  (Por Alysson Oliveira, do Cineweb)

(© Estadão)


Atualização em 24.07.2009:

CINEMA/ESTREIAS

Crítica/"Coração Vagabundo"

Documentário traz Caetano quieto

RICARDO CALIL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Para o bem e para o mal, "Coração Vagabundo" é um documentário dirigido por um cineasta jovem. Muito jovem. Fernando Grostein Andrade tinha 22 anos quando acompanhou Caetano Veloso por 42 dias durante a turnê internacional do disco "A Foreign Sound", em 2004.

De positivo, o diretor demonstra um saudável despudor para registrar a intimidade de seu personagem, uma disposição para absorver como esponja, sem julgamento, o que o cantor tinha a oferecer. De problemático, mostra uma certa dificuldade para compreender o que é ou não relevante no belo material que captou.

"Coração Vagabundo" começa com uma cena em que Paula Lavigne, produtora do documentário e então mulher de Caetano, incentiva o câmera a filmar o cantor nu no banheiro, por uma fresta da porta.

Acreditar que o assunto -que retorna no final- mereça esse destaque é um pensamento juvenil. É apostar em um pequeno escândalo que já não escandaliza ninguém, apenas move a máquina de publicidade em torno do filme.

Há outros problemas, como estabelecer uma relação pouco clara entre o Caetano de 2004, consagrado no mundo todo, e o de 1968, vaiado por estudantes de esquerda na apresentação de "É Proibido Proibir", no Festival Internacional da Canção.

Por outro lado, existem muitas preciosidades. E nenhuma delas é maior do que o momento em que Caetano revela estar triste por questões pessoais e diz preferir não falar sobre o assunto. O artista que nunca se cansa de falar, que tem uma opinião sobre tudo, fica enfim em silêncio. Entrar na intimidade do personagem é isso, não o ato de olhar pelo buraco da fechadura.

Ou melhor: isso é revelar Caetano no raro momento em que ele deixa de ser um personagem de si mesmo. De resto, o filme talvez tenha menos música do que o desejável, mas tem o mérito de retratar um personagem que se transforma ao longo do filme: quase frívolo em suas declarações no começo; essencial em suas frases sobre amadurecimento ao final.

CORAÇÃO VAGABUNDO

Direção: Fernando Grostein Andrade
Produção: Brasil, 2008
Onde: a partir de hoje nos cines Bombril, TAM, Frei Caneca e circuito
Classificação: 10 anos
Avaliação: regular

(© Folha de S. Paulo)


VÍDEO

Trailer de "Coração Vagabundo"


 

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