Ricardo Schott
Quando a música popular brasileira vivia um
caso de amor com as ondas radiofônicas, Raimundo Fagner era um menino
crescendo em Orós, interior do Ceará – época em que chegou a participar de
concursos para cantores infantis em Fortaleza. A mitologia do "cantor de
rádio" é algo bastante forte para o intérprete de músicas como Noturno e
Revelação até hoje. Tanto que fez questão de homenagear o veículo que mudou
sua vida em seu 31º disco, Uma canção no rádio (Som Livre). Mesmo que
reconheça a necessidade de uns puxões de orelha em quem controla as peças da
máquina.
– O disco e a música-título (feita por ele
com Zeca Baleiro) homenageiam as ondas do rádio, os radialistas. Talvez para
os donos das emissoras seja uma homenagem menos indicada – ironiza o cantor,
que reconhece ainda não ter conversado sobre o assunto jabá com a gravadora
que escolheu para lançar o novo disco. – Nunca falei. De modo geral, sempre
soube que eu era moeda de troca em rádios e programas de TV, não é de hoje
isso. Mas mesmo com o jabá, quem manda no rádio é o ouvinte. Trata-se de um
segmento importante e que está depauperado hoje. E sempre toquei muito.
Sempre quis fazer música popular, para todo mundo cantar, mesmo quando fiz
discos mais anticomerciais..
Entre Ceará e Rio
Apesar do título do disco, na era do mp3,
sugerir algo até retrô, Uma canção no rádio é marcado pela busca de
renovação – o que inclui uma sonoridade mais dançante em algumas faixas, uma
balada de inspiração beatle (A voz do silêncio, feita com o antigo parceiro
Fausto Nilo) e uma mudança nos quadros. Músicos de pegada mais pop, como
Dadi (baixo) e Adal Fonseca (bateria) passaram pelo estúdio Corredor 5, no
Leblon, onde parte das bases foram gravadas. E para onde Fagner foi levado
pelo pesquisador musical Marcelo Fróes, que o apresentou a Clemente
Magalhães, dono do estúdio e produtor de Uma canção no rádio.
– Ele participou do projeto Álbum branco
(com versões do célebre disco dos Beatles) e me pediu para apresentar um dos
produtores novos com os quais havia trabalhado. Quando o levei no Corredor
5, ele já foi logo gravando uma demo – diz Fróes, que pretende ter o cantor
cearense no projeto Beatles 69, com mais regravações do quarteto de
Liverpool, a sair este ano. – Botamos o Fagner para cantar The long and
winding road.
Clemente foi responsável por outro sinal
de mudança no repertório: colocou Gabriel O Pensador para fazer um rap em
Martelo, espécie de reggae-forró com letra de protesto contra a violência.
Algo que Fagner diz ter feito pouco.
– Achamos que ele seria ótimo para passar
o clima de violência e de impunidade que o Brasil está vivendo. Quisemos
colocar uma visão mais formal e outra mais "na lata" sobre o assunto, bem
diferente – afirma o cantor, que percebia a necessidade de novidades em seu
som há algum tempo. – Encontrei uma turma muito boa junto com o Clemente,
tanto que gravava os vocais no meu estúdio em Fortaleza e mandava para eles
completarem as bases no Corredor 5.
Além de retornar com parcerias antigas e
de iniciar uma nova associação com Chico César (com quem fez Farinha comer),
o cantor lançou em Uma canção no rádio o compositor Oliveira do Ceará. Aos
52 anos, estreia na discografia de Fagner dividindo Martelo com Gabriel e
apresentando duas composições próprias, Amor infinito e Regra do amor. Seu
debute solo pode virar a próxima produção de Fagner, que pretende lançá-lo.
Até isso acontecer, trabalha como servente numa faculdade no Ceará.
– Antes tinha tido poucas músicas
gravadas. Falcão, o humorista, ficou com uma – diz Oliveira, que agora
espera ser descoberto por outros cantores da MPB – Vamos ver o que acontece
agora depois do disco do Fagner. Por enquanto já foi ótimo ser gravado por
um ídolo meu.
Entre Fortaleza (2007) e seu disco novo, o
cantor ainda lançou a versão DVD do álbum ao vivo que lançou em 2000, e que
saiu pela Sony Music. Houve a possibilidade de Fagner voltar a lançar discos
inéditos pela gravadora que marcou sua carreira, mas as negociações não o
satisfizeram e ele permaneceu na Som Livre, que durante anos trabalhou
músicas suas nas trilhas sonoras das novelas globais. O cantor espera que,
como no passado, o novo disco renda mais hits para a sua carreira, o que não
aconteceu no CD anterior.
– Tive uma perda de família quando fiz
Fortaleza, era um momento melancólico da minha vida, saiu um disco para
baixo – admite. – Também não forcei a barra para que tudo desse certo com
ele.
Apesar da fama de brigão e de ser um
artista de declarações polêmicas, Fagner dá a entender que hoje, perto dos
60 anos, que completa dia 13 de outubro, poucas coisas podem irritá-lo. Seu
lado de militante da música, desenvolvido em encontros de artistas pelo
Brasil afora, por exemplo, está aposentado temporariamente.
– Eu estou sempre ligado, mas hoje só me
meto quando a coisa é séria. – afirma o cantor, dando uma pista do que o
afastou. – O grande problema é que tem muito artista consciente no Brasil
que não sabe fazer as coisas. E ainda tem o pessoal que é inconsciente
mesmo, que é inútil. São os que aceitam qualquer migalha.