Heitor Augusto, enviado especial
a Fortaleza
Sala cheia para a primeira noite do Cine Ceará – Festival
Ibero Americano de Cinema, festival que acontece até 4 de agosto. Em
terça-feira (28/07) quente com ar condicionado funcionando a todo vapor, o
Cine São Luiz recebeu convidados para assistir a segunda parte do projeto do
norte-americano Steven Soderbergh (Treze Homens e um Outro Segredo)
sobre o revolucionário Ernesto “Che” Guevara.
Apesar do bom público, Che: A Guerrilha
teve recepção morna. Palmas curtas e sem muito entusiasmo, diferente da
reação à homenagem que antecedeu à exibição, concedida a Luiz Carlos
Gutierrez, codinome Fisín, que auxiliou Guevara a sair do Congo, chegar à
Europa e entrar na Bolívia, sem que fosse descoberto.
Podemos levantar hipóteses, sem que saibamos ao certo o
que faltou entre o público e o filme. Há de se registrar que é uma produção
bem filmada, com planos e construções de cenas impactantes, que nos faz
sentir o peso da derrota iminente na empreitada de Guevara na Bolívia. A
performance do porto-riquenho Benicio Del Toro (Coisas que Perdemos Pelo
Caminho) como o revolucionário argentino é digna. Então, o que falta?
Soderbergh é um diretor que quando erra a mão (leia-se
Confissões de Uma Garota de Programa), estraga o filme. Quando acerta (Traffic
e Sexo, Mentiras e Videotape), faz algo poderoso. Che: A
Guerrilha não é nem um, nem outro. Está no meio do caminho.
Apesar de falar de um combate, tem pouca ação, que se deve
à natureza da guerrilha (esconder-se e mover-se). Ou seja, a culpa não é
necessariamente de Soderbergh. O período de Guevara na Bolívia não comporta
traços de filme de ação como os episódios na Sierra Maestra, na derrubada de
Fulgencio Batista e na instalação de um governo comunista, como ocorre em
Che: O Argentino, a primeira parte do projeto.
“Vou passar pela Bolívia sem disparar um tiro sequer”,
brinca um dos personagens. Ele tem razão: a última tentativa revolucionária
de Che não avançou a ponto de levar confrontos para áreas urbanas. Foi
esmagada pelo governo boliviano, auxiliado pelo know how e
armamentos norte-americanos, após 341 dias de ação nas matas e povoados
bolivianos.
Che: A Guerrilha,
que chega aos cinemas brasileiros em 18 de setembro, é um filme sobre a
derrota. Talvez por isso não arranque aplausos, pois sabemos que no fim das
duas horas e 15 minutos de projeção a vitória não virá.
Um dos sentimentos mais tristes do cinema é a derrota do
herói de um filme, ainda mais quando ele é real e não apenas
cinematográfico.
(©
UOL
Cinema)
Cine Ceará com as cores de Cuba
Festival abre com segunda parte de ‘Che’ e mostra dedicada à produção da ilha
Daniel Schenker
DE FORTALEZA, ESPECIAL PARA O JORNAL DO BRASIL
Para amenizar a falta de filmes brasileiros inéditos – a exceção é o
documentário Pequeno burguês – Filosofia de vida, de Edu Mansur – a 19ª edição
do Cine Ceará investe na produção ibero-americana. A programação inclui o
mexicano Coração do tempo, de Alberto Cortés; o peruano O prêmio, de Alberto
Chicho Durant, o argentino Haroldo Conti – Homo viator, de Miguel Mato, e o
cubano Os deuses quebrados, de Ernesto Daranas Serrano. O filme de abertura será
o inédito Che – Guerrilha, segunda parte do projeto capitaneado pelo cineasta
Steven Soderbergh que estará à frente da mostra Che – Olhares no tempo, composta
por 13 filmes centrados na imagem do guerrilheiro. A mostra vai contar com as
presenças de Fernando Birri (diretor de Mi hijo el Che, em 1985), Héctor Cruz
(que assinou Kordavision, em 2005), Douglas Duarte (responsável por Personal
Che, de 2007) e Luis Carlos Gutierrez (o dentista, hoje com 90 anos, que alterou
o rosto de Che para as guerrilhas no Congo e na Bolívia). Completa programação a
seleção intitulada Cinema de animação cubano: 30 anos dos estúdios do Instituto
Cubano de Arte e Indústria Cinematográficas (ICAIC), composta por 30 curtas e um
longa-metragem realizados entre 1960 e 2009. O predomínio de Cuba não é
ocasional. Afinal, Wolney Oliveira, diretor do Cine Ceará, se formou na Escola
Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños.
– Sou da primeira geração da escola. Comecei a estudar em 1986 e terminei em
1990 – conta Oliveira, que, em Cuba, realizou um filme, O invasor marciano,
evocado em seu recente longa, A ilha da morte, exibido nos cinemas há poucos
meses.
A mostra promovida pelo Cine Ceará descortina diante do espectador um novo
panorama do cinema cubano, normalmente lembrado por cineastas importantes como
Tomás Gutiérrez Alea (1928-1996) e Juan Carlos Tabío.
– Cuba é uma pequena ilha, mas uma potência em termos culturais. Há grandes
diretores cubanos que permanecem pouco conhecidos no Brasil, como Fernando
Pérez, Humberto Solás (1941-2008) e Santiago Álvarez (1919-1998).
Entre os longas brasileiros estão produções selecionadas para outros
festivais, como Se nada mais der certo, de José Eduardo Belmonte (vencedor da
última edição do Festival do Rio), que reúne personagens em fim de linha,
representantes de uma classe média falida, que, diante do desespero, acabam
formando uma espécie de família substituta; À deriva, de Heitor Dhalia (exibido
no Festival de Cannes e escolhido para a abertura do de Paulínia), registro da
perda da inocência de uma adolescente diante da desestruturação familiar durante
um verão em Búzios; e O homem que engarrafava nuvens, de Lírio Ferreira (também
atração do Festival do Rio), documentário no qual a atriz Denise Dumont revisita
o relacionamento com o pai, o músico Humberto Teixeira.
– Um festival como o de Paulínia atrai muitos filmes inéditos porque ofereceu
mais de R$ 600 mil em prêmios, além de acenar com possibilidades de produção na
região – destaca Wolney Oliveira.
Novidade brasileira do festival, Pequeno burguês traça um painel da
trajetória do músico Martinho da Vila e foi produzido pelo Canal Brasil e pela
gravadora MZA.
– Martinho e eu chegamos à conclusão de que o filme deveria passar a
impressão de que somos amigos de infância. Cabia a ele ser simplesmente Martinho
José Ferreira, o filho de Seu Josué e de Dona Teresa, e eu não poderia agir como
diretor ou jornalista – comenta o diretor Edu Mansur. – Para tanto, eu e minha
equipe passamos finais de semana no sítio dele em Duas Barras, assistimos a
shows, fomos a festas, pescamos juntos, viajamos para Portugal e Espanha e ainda
tivemos tempo para falar sobre assuntos pessoais e de carreira.
A seleção de curtas-metragens em competição também merece atenção, a julgar
pela inclusão de trabalhos elogiados como Superbarroco, de Renata Pinheiro, e Os
sapatos de Aristeu, de Renê Guerra, e/ou aguardados, como Leituras cariocas, de
Consuelo Lins, e A montanha mágica, de Petrus Cariry.
– A ideia do filme surgiu a partir de uma falsa memória. Na verdade, nós não
temos certeza de como aconteceram determinados fatos na nossa vida – teoriza
Cariry, louvado por seu filme anterior, O grão. – O cérebro tende a fantasiar
lembranças de acordo com o desejo do inconsciente. Quais são as fronteiras entre
verdade e imaginação? Eu não sei. Um filme ficcional pode ter mais verdade do
que um documentário que supostamente trabalha com procedimentos do cinema
direto, e vice-versa. A montanha mágica tenta ficar no meio desta fronteira.
(©
JB Online)
Curta um curta cearense
Os números espantam. Números que denunciam a representatividade e
importância alcançadas ao longo dos anos pelo Cine Ceará. Foram mais de 400
curtas-metragens inscritos. 489 para ser mais preciso. Deste verdadeiro mar
de material audiovisual, 15 trabalhos foram selecionados e disputam os
prêmios de melhor curta; direção; fotografia; edição; roteiro; som; direção
de arte; ator; e atriz. Deste montante, quatro recebem um olhar especial:
são representantes do Ceará.
As temáticas são bem diversas e apresentam a pluralidade de olhares do
audiovisual cearense atual, bem como a multiplicidade de formatos e
linguagens. Três são ficções, um é documentário. Em comum, além de serem
representantes do Ceará, os quatro trabalhos buscam novas narratividades,
experimentação de linguagens e uma fuga do convencional. Nada de histórias
lineares com começo, meio e fim bem definidos. A ordem dos quatro trabalhos
é a inovação.
Uma característica da “nova” e da “velha” geração do audiovisual cearense.
Petrus Cariry e Armando Praça, diretores de “A Montanha Mágica” e “A Mulher
Biônica”, respectivamente, são veteranos no Cine Ceará, já tiveram trabalhos
anteriores exibidos e premiados no evento. Mas nem por isso deixam de ser da
“nova” geração, injetando idéias e propostas à boa e velha sétima arte.
Guto Parente e Gracielly Dias (diretores, respectivamente, de “Passos no
Silêncio” e “Selos”), esses sim, podem dizer de boca cheia que são novatos.
Estão participando do Cine Ceará pela primeira vez, já na Mostra
Competitiva. Ambos são frutos da primeira turma da Escola de Audiovisual de
Fortaleza. Bons frutos. “Selos” foi realizado, inclusive, como trabalho de
conclusão da Escola, narrando a história de Odilonzinho, garoto que tem
interesse por selos, mas não sabe de onde eles vêm.
Lembranças e memórias
Se os festivais de cinema são um dos poucos meios de divulgação de
curtas-metragens - o circuito comercial, as emissoras de tevê e o mercado de
DVDs geralmente viram a cara para o formato - , o público cearense tem, a
partir de hoje à noite, uma chance única: conferir esses trabalhos e se ver
na tela grande do Cine São Luiz. Afinal, de certa forma, as temáticas e as
equipes dos quatro curtas são locais e direcionam as câmeras para nossa
região, sem necessariamente apelar para regionalismos.
“A Mulher Biônica”, de Armando Praça, narra a história de uma mulher, Marta,
que é uma espécie de esteio de uma família, sempre se deparando com as
dificuldades do cotidiano. “O curta é sobre como ela reage a tudo, com uma
lucidez e violência excessivas”, conta o diretor. Baseado no conto “Crime de
Alface”, do escritor gaúcho Caio Fernando de Abreu, o curta gira em torno de
um dia e duas lembranças na vida de Marta.
“A narrativa do filme não é muito bem desenhada. A edição traz elipses e tem
muita coisa não dita, que o filme não fornece”, acredita Armando. “Mas o
filme é bem próximo da nossa realidade e, durante o processo de adaptação,
ele ganhou uma carga muito cearense”, revela. Culpa da proximidade entre as
atrizes (dos nove personagens do filme, sete são mulheres), que trouxe ao
curta uma maneira de falar e uma forma de reagir a certas coisas bem
cearense.
A relação de proximidade de “A Montanha Mágica” é mais evidente. Único
documentário cearense em exibição na Mostra Competitiva, o filme de Petrus
Cariry é bem pessoal e remete a uma das figuras mais emblemáticas do Estado:
Patativa do Assaré. “A idéia do curta surgiu a partir de ecos da memória da
minha infância, do fragmento de uma imagem do Patativa do Assaré brincando
comigo em um parque de diversões”, explica Petrus. “Na minha memória, aquele
momento tinha acontecido com meu pai [o cineasta Rosemberg Cariry], mas um
vídeo em super-8 me mostrou que tinha sido com o Patativa”.
“O filme é, então, sobre falsas memórias, sobre o que é verdade e
imaginação”, discorre. Para isso, Petrus Cariry parte de uma tênue linha que
separa o documentário da ficção e constrói uma narrativa pessoal e em
primeira pessoa. “Esse é o meu filme mais pessoal. Fiz a narração em off e
também apareço em dois momentos”, afirma. “‘A Montanha Mágica’ é um
documentário experimental e faz uso de dois tempos: a minha infância e o
tempo presente. É um trabalho de várias camadas e traz várias leituras e
subtextos”, destaca.
Olhar cearense
O mesmo pode ser dito de “Passos no Silêncio”, de Guto Parente, que
participa pela primeira vez do Cine Ceará. “Fico muito feliz com a
possibilidade de ter meu filme exibido no Cine São Luiz, que tem um valor
histórico para Fortaleza”, começa Guto. “Também é bom estar participando do
Cine Ceará, que tem uma longa estrada de formação de público, sempre com as
sessões cheias e com acesso gratuito”, elogia. Sobre a primeira participação
no festival, Guto não esconde o frio na barriga e a ansiedade. “Espero que o
público embarque na viagem e na proposta do filme”.
“‘Passos no Silêncio’ não é um filme muito convencional”, adianta o diretor.
“É um trabalho mais sensorial e idéia surgiu a partir de um acontecimento
pessoal. Na época, namorava a atriz do filme [Thaïs Dahas], como ela fala
alemão, pedi para ela traduzir um poema de Goethe. O processo de tradução
foi difícil e apresentou várias possibilidades”, relata. “O filme fala então
do processo tradução. Um aluno pede a uma professora que traduza um poema.
Surge daí um processo de descoberta e imersão interior da professora, que
precisa desvendar o texto”.
Além dos quatro curtas selecionados para a Mostra Competitiva, outros 52
curtas-metragens cearenses serão exibidos na Mostra Olhar no Ceará, que em
2009 completa 10 anos. A mostra exibe filmes realizados por cearenses que
não entraram na Competitiva. As exibições começam hoje e prosseguem até o
próximo dia 02 de agosto, às 14h, com reprise às 16h, na sala 1 do Espaço
Unibanco, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Mais olhares sobre o
Ceará em pílulas cinematográficas cujas imagens e sons comprovam o
crescimento da produção local.
MAIS INFORMAÇÕES
19º Cine Ceará. Mostra Competitiva Brasileira de Curtas-Metragens, de hoje
até próximo dia 03, a partir de 19h30, no Centro Cultural Sesc Luiz
Severiano Ribeiro. Entrada mediante apresentação das credenciais, trocadas
por um quilo de alimento não-perecível. Confira todos os curtas selecionados
e programação completa da mostra em
www.cineceara.com.br
CURTAS CEARENSES
HOJE – 19h30
Selos, de Gracielly Dias, 2008, ficção, 15min
A Mulher Biônica, 2008, ficção, 19 min
QUINTA – 19h30
Passos no Silêncio, 2008, ficção, 17 min
SEXTA – 19h30
A Montanha Mágica, 2009, documentário, 13 min
Mais informações:
19º Cine Ceará. Mostra Competitiva Brasileira de Curtas-Metragens, de hoje
até o próximo dia 3, a partir de 19h30, no Centro Cultural Sesc Luiz
Severiano Ribeiro. Entrada mediante apresentação das credenciais, trocadas
por um quilo de alimento não-perecível. Confira todos os curtas selecionados
e programação completa da mostra em www.cineceara.com.br
(©
Diário do Nordeste)
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