Foto: JC Imagem
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Mundo Livre e Jorge Benjor |
Mundo
Livre S/A mostra perfeita sintonia em noite de comemoração dos 25 anos
de carreira. Di Melo e Ben Jor completaram a festa
Fabiana Moraes
fmoraes@jc.com.br
“Eu sou
imorrível.” A frase proferida por Di Melo no início de sua apresentação
na Esplanada Guadalajara no sábado, noite de encerramento da 19 edição
do Festival de Inverno de Garanhuns, não poderia ter sido mais feliz:
aquele ilustre desconhecido do público fez um ótimo show, segurando o
povo na rua mesmo debaixo da chuva fininha que caiu durante quase toda a
noite. Di, cuja apresentação foi gravada para compor um documentário que
está sendo realizado sobre a sua vida, mostrou que continua destilando
altas concentrações de uma bem-vinda doidice e espontaneidade. As duas
últimas foram continuadas no melhor show do encerramento, o da Mundo
Livre S/A (o que dizer de uma música chamada Estela – a fumaça do pagé
Miti Subitxxy?), mas, infelizmente, correram do palco na apresentação de
Jorge Ben Jor, que continua a subestimar a si mesmo num show que mescla
competência e talento com burocracia.
Di Melo,
que fez show ontem no Burburinho e foi anunciado como um dos caras do
“samba rock”, abriu (e fechou) sua apresentação com Se o mundo se
acabasse em mel, música que mostra a completa sintonia entre artistas
vitais na produção musical dos 70, como Tim Maia, Ben, Jards Macalé.
Interessante ver que, mesmo sendo desconhecido do grande público, o
pernambucano (“Sou mais conhecido lá fora, acabei de voltar da Holanda”,
disse ele mais cedo) possuía um time de fãs que pedia a música Kilariô.
A faixa que abre o disco 1975 foi tocada já no fim da performance que
durou pouco mais de uma hora, levando até os jovens com cara de fãs de
Akon dançarem. Em A vida em seus métodos diz calma, mais gente dançando
e aplaudindo o rapaz que promete ser a sensação do verão
recifense/olindense. Quem vai ser o primeiro a dizer que já ouvia Di
Melo em sua casa desde pequenininho, lá no Varadouro?
O funk e
o samba de Melo foram entradas luxuosas e perfeitas para a apresentação
da Mundo Livre S/A, que fez um show mais pesado, com os músicos numa
sintonia incrível, resultado dos 25 anos de união e 15 anos do
lançamento do primeiro álbum, Samba esquema noite, comemorados na
Guadalajara. Bolo de ameixa, Freeworld e Musa da Ilha Grande foram
apresentadas com duas doses a mais de baixo, bateria e guitarra, fazendo
o povo bater cabeça em vez de balançar os quadris. A nova Ela é indie,
pura ironia Zeroquatro, soava ainda mais engraçada quando víamos as fãs
sub-19, o tênis All Star adequadamente sujo de lama, gritando perto do
palco. Desta vez, a polícia pegou mais leve, deixou o povo dançar (as
filas para entrar na praça eram grandes por conta da necessária revista
realizada pelos PMs).
O Maestro
Forró e Otto acompanharam a banda na festa de 25 anos, ainda mais
significativa pela presença do grão-vizir Jorge, entidade celebrada
abertamente pela Mundo Livre (Meu esquema, “jorgíssima”, é um exemplo).
“Era 1974, ouvi aquele disco... o Tábua de esmeraldas... peguei um
violãozinho... e nunca mais parei”, dizia Fred, que tocou Mexe mexe duas
vezes naquela noite: uma com a ML e outra com o próprio dono da Tábua,
que convidou o fã ilustre para o palco durante a sua apresentação.
Foi um
dos melhores momentos do show de Ben Jor, que há 10 anos tocava no
Festival de Inverno e travava seu primeiro contato com os artistas
manguebit. “Tive a honra de conhecer o movimento naquela época”, falou,
enquanto era acompanhado por Fred, o sorriso aberto e a cara de
maravilhamento. Foi com uma música do Tábua de esmeralda que Ben iniciou
sua performance, a belíssima Eu vou torcer. Era um sinal de que, talvez,
ele e a banda do Zé Pretinho (afiada e afinada) trouxessem algo
diferenciado a Garanhuns. Mas não.
O show
seguiu com uma série de hits “tocou, cantou, pulou”, como Santa Clara
clareou, Ive Brussel e Salve simpatia e, já no final do show, Filho
maravilha, com a participação do hiperativo Otto. As músicas eram
apresentadas em formato pout-pourri, outra fórmula gasta adotada há uns
dois milênios por Ben Jor. Fogos, celebração, “chove, chuva”: ninguém
pode dizer que o homem não sabe levantar uma multidão, mas é incômodo,
bem incômodo, esse modo start-stop adotado pelo grão-vizir em seus shows
há mais de uma década. Mas não vamos parar de torcer pela paz, pelas
moças bonitas e pela quebra do piloto automático do homem.
(©
JC Online)
Uma celebração poderosa
Jorge du Peixe, vocalista da Nação Zumbi
Nação Zumbi
comemora os 15 anos do álbum Da lama ao caos com um show vigoroso recheado
de convidados
Fabiana Moraes
fmoraes@jc.com.br
Foi bonita a
festa dos 15 anos da mocinha Da lama ao caos. Os convidados para puxar a
fitinha do bolo da debutante foram Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes, B
Negão, Fred Zero Quatro e Otto, que, orgulhosos, compartilharam a festa com
aqueles que lotaram a Esplanada Guadalajara na noite de quinta-feira. Todas
as faixas do disco foram tocadas na apresentação realizada dentro o Festival
de Inverno de Garanhuns, inclusive aquelas pouco executadas nos shows, como
Risoflora (Arnaldo Antunes cantou com Jorge du Peixe, mas a voz dele
simplesmente não era ouvida).
A performance
poderosa da banda teve um significado especial, mais forte ainda por conta
da data do lançamento do CD que provocaria a famosa ebulição no cenário
musical nacional. Durante estes 15 anos, o movimento manguebeat saiu de um
lugar contestatório, que reclamava atenção para o que acontecia em terras
locais (fosse ela habitada pelo delinquente ou o caboclo de lança) para
torna-se verdadeira instituição absorvida pelo próprio poder governamental.
A cristalização do movimento (o oxímoro não poderia ser mais irônico) passou
a causar desconforto e, consequentemente, recusa pela geração que sucedeu os
mangueboys.
Mas aí a
banda começa a tocar Banditismo por uma questão de classe (um título de
música que por si só já mostrava o discurso chute-na-caixa-dos-peitos da
Nação) e você lembra por que aqueles jovens senhores foram e são tão
fundamentais no cenário artístico nacional. Esquecemos o malungo e o
caranguejo estampados nas decorações de Carnaval e o discurso muitas vezes
elitizado travestido de “multicultural” que caracteriza os setores culturais
do município e do Estado.
O incidente
com a banda Anjos do Forró, que subiu no palco Cultura Popular levando um
forró-brega eletrônico para logo ser convidada a sair, é só uma pequena
amostra. Jazz, música erudita, rock, coco, ciranda, reggae podem entrar,
enquanto as moças rebolativas do forró à base de teclado ficam de fora. Se o
palco “cultura popular” não abarca a Anjos do Forró, para onde a banda
deveria seguir? A curadoria do Palco Forró também não parece contemplar esse
tipo de música: lá estão Ivan Ferraz, o Matuto Cantador e Chá de Zabumba,
por exemplo. Resta saber o que difere Aurinha do Coco e a Anjos no sentido
do “popular”. Mas voltemos à nossa debutante.
Com o público
na mão, a Nação mostrou da melhor forma – realizando um show poderoso – que
ultrapassa o institucional, mantendo ainda o sangue do “maloqueiro”, termo
utilizado por Du Peixe ao ver o palco tomado por músicos e convidados
felicíssimos. Lembramos que a hoje gasta palavra “periferia” tinha um
sentido único até o começo da década de 90, quando Seattle parecia bem mais
próxima do que Muribeca – e a Nação, para quem goste ou não, foi um dos
principais instrumentos para uma certa mudança de olhar o nosso entorno.
BNegão ao seu
lado cantando Samba makossa (gravada pelo Planet Hemp, banda da qual
participou) foi um dos bons momentos de junção de estilos e discursos,
enquanto Salustiano song mostra, sempre, o som único da guitarra de Lúcio
Maia – aliás, ver Maia e Scandurra no palco é um verdadeiro luxo. Zero
Quatro cantou Computadores fazem arte, letra de sua autoria, também entrando
no palco no longo bis que foi composto pelo hino Quando a maré encher, da
Eddie. Nesse momento, a polícia, que não conseguiu diferir briga de dança,
começou baixar porrada nos garotos que iniciaram uma roda de pogo. Du Peixe,
numa ótima atitude, parou o show e chamou atenção dos PMs. “Calma, calma, o
pessoal tá só dançando”.
Importante
dizer que o evento está bastante policiado: quem entra na Esplanada, por
exemplo, recebe até um “baculejo”. Mas não havia necessidade da intervenção
ostensiva, o que só tornou o ambiente tenso. Exageros de poder à parte, a
Nação deixou o palco, após tocar ainda músicas de outros trabalhos, como
Manguetown e A alma e a fome, como uma banda madura e competente que, antes
de servir como ícone em eventos do poder público, faz música, boa música. E
as milhares de pessoas ali celebrando o Da lama ao caos mostra que a relação
público-banda não precisa de intermediadores para acontecer.
(©
JC Online)
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