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Samba é rock e também noise

29/07/2009

 

 

Foto: JC Imagem
Mundo Livre e Jorge Benjor
 

Mundo Livre S/A mostra perfeita sintonia em noite de comemoração dos 25 anos de carreira. Di Melo e Ben Jor completaram a festa

Fabiana Moraes
fmoraes@jc.com.br

“Eu sou imorrível.” A frase proferida por Di Melo no início de sua apresentação na Esplanada Guadalajara no sábado, noite de encerramento da 19 edição do Festival de Inverno de Garanhuns, não poderia ter sido mais feliz: aquele ilustre desconhecido do público fez um ótimo show, segurando o povo na rua mesmo debaixo da chuva fininha que caiu durante quase toda a noite. Di, cuja apresentação foi gravada para compor um documentário que está sendo realizado sobre a sua vida, mostrou que continua destilando altas concentrações de uma bem-vinda doidice e espontaneidade. As duas últimas foram continuadas no melhor show do encerramento, o da Mundo Livre S/A (o que dizer de uma música chamada Estela – a fumaça do pagé Miti Subitxxy?), mas, infelizmente, correram do palco na apresentação de Jorge Ben Jor, que continua a subestimar a si mesmo num show que mescla competência e talento com burocracia.

Di Melo, que fez show ontem no Burburinho e foi anunciado como um dos caras do “samba rock”, abriu (e fechou) sua apresentação com Se o mundo se acabasse em mel, música que mostra a completa sintonia entre artistas vitais na produção musical dos 70, como Tim Maia, Ben, Jards Macalé. Interessante ver que, mesmo sendo desconhecido do grande público, o pernambucano (“Sou mais conhecido lá fora, acabei de voltar da Holanda”, disse ele mais cedo) possuía um time de fãs que pedia a música Kilariô. A faixa que abre o disco 1975 foi tocada já no fim da performance que durou pouco mais de uma hora, levando até os jovens com cara de fãs de Akon dançarem. Em A vida em seus métodos diz calma, mais gente dançando e aplaudindo o rapaz que promete ser a sensação do verão recifense/olindense. Quem vai ser o primeiro a dizer que já ouvia Di Melo em sua casa desde pequenininho, lá no Varadouro?

O funk e o samba de Melo foram entradas luxuosas e perfeitas para a apresentação da Mundo Livre S/A, que fez um show mais pesado, com os músicos numa sintonia incrível, resultado dos 25 anos de união e 15 anos do lançamento do primeiro álbum, Samba esquema noite, comemorados na Guadalajara. Bolo de ameixa, Freeworld e Musa da Ilha Grande foram apresentadas com duas doses a mais de baixo, bateria e guitarra, fazendo o povo bater cabeça em vez de balançar os quadris. A nova Ela é indie, pura ironia Zeroquatro, soava ainda mais engraçada quando víamos as fãs sub-19, o tênis All Star adequadamente sujo de lama, gritando perto do palco. Desta vez, a polícia pegou mais leve, deixou o povo dançar (as filas para entrar na praça eram grandes por conta da necessária revista realizada pelos PMs).

O Maestro Forró e Otto acompanharam a banda na festa de 25 anos, ainda mais significativa pela presença do grão-vizir Jorge, entidade celebrada abertamente pela Mundo Livre (Meu esquema, “jorgíssima”, é um exemplo). “Era 1974, ouvi aquele disco... o Tábua de esmeraldas... peguei um violãozinho... e nunca mais parei”, dizia Fred, que tocou Mexe mexe duas vezes naquela noite: uma com a ML e outra com o próprio dono da Tábua, que convidou o fã ilustre para o palco durante a sua apresentação.

Foi um dos melhores momentos do show de Ben Jor, que há 10 anos tocava no Festival de Inverno e travava seu primeiro contato com os artistas manguebit. “Tive a honra de conhecer o movimento naquela época”, falou, enquanto era acompanhado por Fred, o sorriso aberto e a cara de maravilhamento. Foi com uma música do Tábua de esmeralda que Ben iniciou sua performance, a belíssima Eu vou torcer. Era um sinal de que, talvez, ele e a banda do Zé Pretinho (afiada e afinada) trouxessem algo diferenciado a Garanhuns. Mas não.

O show seguiu com uma série de hits “tocou, cantou, pulou”, como Santa Clara clareou, Ive Brussel e Salve simpatia e, já no final do show, Filho maravilha, com a participação do hiperativo Otto. As músicas eram apresentadas em formato pout-pourri, outra fórmula gasta adotada há uns dois milênios por Ben Jor. Fogos, celebração, “chove, chuva”: ninguém pode dizer que o homem não sabe levantar uma multidão, mas é incômodo, bem incômodo, esse modo start-stop adotado pelo grão-vizir em seus shows há mais de uma década. Mas não vamos parar de torcer pela paz, pelas moças bonitas e pela quebra do piloto automático do homem.

(© JC Online)

 

 


Uma celebração poderosa


Jorge du Peixe, vocalista da Nação Zumbi

Nação Zumbi comemora os 15 anos do álbum Da lama ao caos com um show vigoroso recheado de convidados

Fabiana Moraes
fmoraes@jc.com.br

Foi bonita a festa dos 15 anos da mocinha Da lama ao caos. Os convidados para puxar a fitinha do bolo da debutante foram Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes, B Negão, Fred Zero Quatro e Otto, que, orgulhosos, compartilharam a festa com aqueles que lotaram a Esplanada Guadalajara na noite de quinta-feira. Todas as faixas do disco foram tocadas na apresentação realizada dentro o Festival de Inverno de Garanhuns, inclusive aquelas pouco executadas nos shows, como Risoflora (Arnaldo Antunes cantou com Jorge du Peixe, mas a voz dele simplesmente não era ouvida).

A performance poderosa da banda teve um significado especial, mais forte ainda por conta da data do lançamento do CD que provocaria a famosa ebulição no cenário musical nacional. Durante estes 15 anos, o movimento manguebeat saiu de um lugar contestatório, que reclamava atenção para o que acontecia em terras locais (fosse ela habitada pelo delinquente ou o caboclo de lança) para torna-se verdadeira instituição absorvida pelo próprio poder governamental. A cristalização do movimento (o oxímoro não poderia ser mais irônico) passou a causar desconforto e, consequentemente, recusa pela geração que sucedeu os mangueboys.

Mas aí a banda começa a tocar Banditismo por uma questão de classe (um título de música que por si só já mostrava o discurso chute-na-caixa-dos-peitos da Nação) e você lembra por que aqueles jovens senhores foram e são tão fundamentais no cenário artístico nacional. Esquecemos o malungo e o caranguejo estampados nas decorações de Carnaval e o discurso muitas vezes elitizado travestido de “multicultural” que caracteriza os setores culturais do município e do Estado.

O incidente com a banda Anjos do Forró, que subiu no palco Cultura Popular levando um forró-brega eletrônico para logo ser convidada a sair, é só uma pequena amostra. Jazz, música erudita, rock, coco, ciranda, reggae podem entrar, enquanto as moças rebolativas do forró à base de teclado ficam de fora. Se o palco “cultura popular” não abarca a Anjos do Forró, para onde a banda deveria seguir? A curadoria do Palco Forró também não parece contemplar esse tipo de música: lá estão Ivan Ferraz, o Matuto Cantador e Chá de Zabumba, por exemplo. Resta saber o que difere Aurinha do Coco e a Anjos no sentido do “popular”. Mas voltemos à nossa debutante.

Com o público na mão, a Nação mostrou da melhor forma – realizando um show poderoso – que ultrapassa o institucional, mantendo ainda o sangue do “maloqueiro”, termo utilizado por Du Peixe ao ver o palco tomado por músicos e convidados felicíssimos. Lembramos que a hoje gasta palavra “periferia” tinha um sentido único até o começo da década de 90, quando Seattle parecia bem mais próxima do que Muribeca – e a Nação, para quem goste ou não, foi um dos principais instrumentos para uma certa mudança de olhar o nosso entorno.

BNegão ao seu lado cantando Samba makossa (gravada pelo Planet Hemp, banda da qual participou) foi um dos bons momentos de junção de estilos e discursos, enquanto Salustiano song mostra, sempre, o som único da guitarra de Lúcio Maia – aliás, ver Maia e Scandurra no palco é um verdadeiro luxo. Zero Quatro cantou Computadores fazem arte, letra de sua autoria, também entrando no palco no longo bis que foi composto pelo hino Quando a maré encher, da Eddie. Nesse momento, a polícia, que não conseguiu diferir briga de dança, começou baixar porrada nos garotos que iniciaram uma roda de pogo. Du Peixe, numa ótima atitude, parou o show e chamou atenção dos PMs. “Calma, calma, o pessoal tá só dançando”.

Importante dizer que o evento está bastante policiado: quem entra na Esplanada, por exemplo, recebe até um “baculejo”. Mas não havia necessidade da intervenção ostensiva, o que só tornou o ambiente tenso. Exageros de poder à parte, a Nação deixou o palco, após tocar ainda músicas de outros trabalhos, como Manguetown e A alma e a fome, como uma banda madura e competente que, antes de servir como ícone em eventos do poder público, faz música, boa música. E as milhares de pessoas ali celebrando o Da lama ao caos mostra que a relação público-banda não precisa de intermediadores para acontecer.

(© JC Online)


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