Em seus quase 30 anos como carregador de bagagem no Aeroporto
Internacional John F. Kennedy em Nova York, Darren Hoggard passava os dias mais
tranquilos observando as cenas nas paredes do terminal da American Airlines.
Em uma parede, pioneiros com chapéus e rostos angulosos, cavalgando na direção
da luz do sol do oeste, seguidos por carroças cobertas, tendo como fundo as
planícies verdes e marrons. Em outra parede, dezenas de pessoas, fantasiadas de
vermelho, azul e amarelo, dançavam e tocavam instrumentos em uma celebração
caótica. "Se você ficar olhando por bastante tempo, é possível ir para casa e
sonhar a respeito", disse Haggard, 49 anos.E então, ao
que parecia, as pinturas deixariam de existir, programadas para demolição em
2007 juntamente com o restante do terminal. A notícia atingiu tão duramente
Hoggard a ponto de uma passageira lhe perguntar qual era o problema. "Eu estou
apenas triste porque na próxima semana tudo isso poderá desaparecer", ele disse
à mulher.
Coincidentemente, Beatrice Esteve, a tal passageira, conhecia o autor dos
murais, o argentino naturalizado brasileiro Hector Julio Paride Bernabó, mais
conhecido como Carybé. O artista visitava a casa de Beatrice quando ela era
criança e bebia uísque com seu pai. Ela prometeu fazer o que pudesse para ajudar
Hoggard. E fez. Desde o final de junho, os murais estão adornando as paredes do
novo terminal sul do Aeroporto Internacional de Miami, depois de milhões de
dólares de gastos no transporte e na restauração.
A longa viagem transcorreu desta forma: Após Beatrice
conversar com Hoggard, ela telefonou para seu amigo Gilberto Sá, que também
conheceu Carybé e sua família. Sá fazia parte do conselho diretor da construtora
Odebrecht, que estava construindo os terminais do Aeroporto Internacional de
Miami. Sá, por sua vez, contatou Gilberto Neves, que chefia a operação americana
da Odebrecht, com sede em Miami. "Certifique-se de que não será simplesmente
jogados no lixo", Neves lembrou de Sá ter dito.
A American Airlines não queria destruir os murais, mas Neves disse que a
companhia aérea não conseguia encontrar um comprador devido à dificuldade de
remoção das telas. Quando os trabalhadores tentaram remover os murais das
paredes do terminal, as telas começaram a rasgar. "Nós achamos literalmente que
apenas as enrolaríamos", disse Neves.
Mas os murais tinham valor. Carybé venceu um concurso da American Airlines nos
anos 50 para pintá-los, superando vários artistas importantes da época. Ele
recebeu US$ 60 mil por "Alegria e Festival das Américas" e "Descoberta e
Colonização do Oeste". Ele morreu em 1997.
Para serem removidos os murais, as paredes tiveram que ser recortadas juntamente
com eles. Portas tiveram que ser removidas para retirada das 12 placas do
terminal, cada uma com cerca de 5 m X 2,5 m. Cada placa pesava três toneladas
após ser reforçada com aço para apoio.
O processo de restauração artística também não foi fácil, e todo o procedimento
custou à construtora mais de US$ 2 milhões, mais de dez vezes o que Neves
estimou originalmente ao conselho, apesar de ele não gostar de discutir o
assunto. "Para começar, como atribuir um preço à arte?", disse Neves.
Tradução: George El Khouri Andolfato