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Mostra no Rio expõe os "vários" Nabucos

19/08/2009

 

 

Foto: Divulgação
Joaquim Nabuco em retrato do período como embaixador nos EUA
 
Evento destaca pluralidade do pensamento do intelectual

Em 2010, ano do centenário de sua morte, ABL fará ciclo de conferências; e dossiê feito por especialistas internacionais será lançado

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Para se pensar num político brasileiro que faça jus à expressão "homem público", que seja um ativo intelectual e que sobreponha os valores universais aos objetivos individuais, é preciso, salvo poucas exceções, recorrer ao passado. Preferencialmente, a Joaquim Nabuco.

Quando se completam os 160 anos de seu nascimento, será inaugurada no Museu Histórico Nacional, no Rio, a exposição "Joaquim Nabuco: Brasileiro, Cidadão do Mundo".

É o ponto de partida de uma série de eventos e lançamentos motivados por outra data: o centenário de morte de Nabuco, em 17 de janeiro de 2010.

Em comum entre as iniciativas, a busca de dar conta dos vários adjetivos que Nabuco recebeu ao longo da vida: abolicionista, monarquista, diplomata a serviço da República, jornalista, escritor, sedutor...
"Nabuco são muitos", resume a cientista política Helena Severo, curadora da exposição que começa no Rio e, que se depender dela, chega a São Paulo em janeiro de 2010.

Um dos tantos é o político que, quatro vezes eleito deputado, tinha uma visão "universalista", como ressalta o historiador José Murilo de Carvalho. A liberdade dos escravos, sua maior bandeira, não poderia ser contestada em nome da suposta soberania do país.

"Ele não aceitava os protestos dos escravistas brasileiros contra a interferência britânica pela abolição. Não podemos ser nacionais, autenticamente brasileiros, se não incorporarmos valores da civilização", afirma Carvalho.

Para Nabuco, não bastava o fim da escravidão. "Era só o início do processo. Havia toda a tarefa de incorporar os escravos libertos na comunidade", diz o historiador. Seria uma tarefa de cem anos, especulava Nabuco, mas o tempo já se passou e ela não foi concluída.

A sua frase mais famosa ajuda a explicar tamanha demora: "A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil". Se um recém-liberto comprava um escravo para si, é porque já estava enraizada na cultura nacional uma certa "fraqueza do sentimento do direito civil", como diz Carvalho. Ou seja, a liberdade individual está acima do bem público, princípio perverso que a classe política brasileira comprova dia a dia.

"Prefiram uma carreira obscura de trabalho honesto a acumular riqueza fazendo ouro dos sofrimentos inexprimíveis de outros homens", escreveu ele, crítico da "classe única" que dirigia o país "só se preocupando dos seus interesses de classe, de manter o jugo férreo dos seus monopólios desumanos e atentatórios da civilização universal". E recomendava: "A missão do governo é fazer por política o que a revolução faria pela força".

"Quando é vista como perversa, desviante e desnecessária, há um grande risco para a democracia", diz Helena Severo, ressaltando a importância de Nabuco nos dias de hoje.

Outras lembranças

A Academia Brasileira de Letras, da qual Nabuco foi fundador e o primeiro secretário-geral, prevê para 2010 um ciclo de conferências, uma página específica na internet e publicações, como conta o acadêmico Marcos Vilaça, pernambucano como o homenageado. Ele também conversa com o MEC e o Congresso sobre reedições populares dos três principais livros de Nabuco: "O Abolicionismo", "Um Estadista do Império", e "Minha Formação".

A socióloga Angela Alonso, autora do livro sobre Nabuco da coleção "Perfis Brasileiros", da Companhia das Letras, está organizando com Kenneth David Jackson, da Universidade Yale, o dossiê "Nabuco e a República", com textos de especialistas de vários países.

"Joaquim Nabuco: Conferências", que a editora Bem-Te-Vi lança até o início do próximo ano, também reúne autores de diversas origens, em conferências feitas em Yale (em 2008) e Wisconsin (2009).
O lado sedutor de Nabuco, que lhe valeu na juventude o apelido de "Quincas, o Belo", está mais claro em "Os Mundos de Eufrásia", biografia romanceada de Eufrásia Teixeira Leite, grande amor com quem Nabuco teve idas e vindas mas não se casou, escrita por Claudia Lage e já lançada pela Record.

(© Folha de S. Paulo)

 

 


Frases

A missão do governo é fazer por política o que a revolução faria pela força
JOAQUIM NABUCO

[Nabuco] não aceitava os protestos dos escravistas brasileiros contra a interferência britânica pela abolição.

Não podemos ser autenticamente brasileiros se não incorporarmos valores da civilização

JOSÉ MURILO DE CARVALHO
historiador

(© Folha de S. Paulo)


Exposição usa recursos visuais para atrair crianças

DA SUCURSAL DO RIO

O público entrará na exposição "Joaquim Nabuco: Brasileiro, Cidadão do Mundo" passando por um canavial cenográfico, e verá mais à frente o próprio Nabuco, em tamanho natural, dizendo algumas de suas frases mais famosas, selecionadas pelo historiador Evaldo Cabral de Mello. Lançar mão de recursos visuais contemporâneos para contar a vida de um homem morto há cem anos é uma aposta para atrair crianças e adolescentes, alvo mais desejado pela curadora Helena Severo.

"No Rio, as [crianças] da zona sul já ouviram falar dele, mas só porque é nome de rua em Copacabana", diz ela. De olho nesse público, ela procurou ser didática. O primeiro módulo trata de "infância e formação", depois chega-se ao "abolicionista e pensador", fala-se do "diplomata e cidadão do mundo", e o percurso termina com a participação na Academia Brasileira de Letras e um conjunto de peças como manuscritos, edições originais de livros e um autógrafo que Machado de Assis lhe dedicou em "Memorial de Aires".

Marcello Dantas e sua equipe partiram de uma foto do rosto de Nabuco para criar uma animação em que ele parece estar falando ao público no teatro Santa Isabel, em Recife. A voz é do ator Othon Bastos. Na última sala, há outro trabalho de Dantas: um painel em que frases do intelectual se movem. A cenografia é do arquiteto Chicô Gouvêa, que ampliou fotos de época de cidades em que o intelectual viveu, entre as quais Recife, São Paulo, Londres e Nova York.

Um retrato dele pintado quando tinha oito anos, um busto feito pelo escultor Rodolfo Bernardelli, uma escrivaninha em que trabalhou e a estatueta de madona que o acompanhou nos últimos anos de vida, após a reconversão ao catolicismo, estão na exposição. A família de Nabuco foi a principal cedente de material. Numa vitrine também se verá o documento original da Lei Áurea. Os apelos visuais não significam, para Helena Severo, que a mostra não inspire reflexões.

Para cada setor há um texto específico. Os autores são Humberto França, da Fundação Joaquim Nabuco, o cientista político Francisco Weffort, o diplomata Rubens Ricupero e o escritor Eduardo Portella, da ABL. (LFV)

JOAQUIM NABUCO: BRASILEIRO, CIDADÃO DO MUNDO

Quando: ter. a sex., das 10h às 17h30; sáb. e dom., das 14h às 18h; até 4/10
Onde: Museu Histórico Nacional (pça. Marechal Âncora, s/nº; 0/xx/21/2550-9220)
Quanto: R$ 6 (ter. a sáb.); entrada franca (dom.)
Classificação: livre

(© Folha de S. Paulo)


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