Foto: Divulgação
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Joaquim Nabuco em retrato do período como embaixador nos EUA |
Evento destaca pluralidade do pensamento do intelectual
Em 2010, ano do centenário de sua morte, ABL fará ciclo de conferências; e
dossiê feito por especialistas internacionais será lançado
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Para se pensar num político brasileiro que faça jus à expressão "homem público",
que seja um ativo intelectual e que sobreponha os valores universais aos
objetivos individuais, é preciso, salvo poucas exceções, recorrer ao passado.
Preferencialmente, a Joaquim Nabuco.Quando se completam
os 160 anos de seu nascimento, será inaugurada no Museu Histórico Nacional, no
Rio, a exposição "Joaquim Nabuco: Brasileiro, Cidadão do Mundo".
É o ponto de partida de uma série de eventos e lançamentos
motivados por outra data: o centenário de morte de Nabuco, em 17 de janeiro de
2010.
Em comum entre as iniciativas, a busca de dar conta dos vários
adjetivos que Nabuco recebeu ao longo da vida: abolicionista, monarquista,
diplomata a serviço da República, jornalista, escritor, sedutor...
"Nabuco são muitos", resume a cientista política Helena Severo, curadora da
exposição que começa no Rio e, que se depender dela, chega a São Paulo em
janeiro de 2010.
Um dos tantos é o político que, quatro vezes eleito deputado,
tinha uma visão "universalista", como ressalta o historiador José Murilo de
Carvalho. A liberdade dos escravos, sua maior bandeira, não poderia ser
contestada em nome da suposta soberania do país.
"Ele não aceitava os protestos dos escravistas brasileiros
contra a interferência britânica pela abolição. Não podemos ser nacionais,
autenticamente brasileiros, se não incorporarmos valores da civilização", afirma
Carvalho.
Para Nabuco, não bastava o fim da escravidão. "Era só o início
do processo. Havia toda a tarefa de incorporar os escravos libertos na
comunidade", diz o historiador. Seria uma tarefa de cem anos, especulava Nabuco,
mas o tempo já se passou e ela não foi concluída.
A sua frase mais famosa ajuda a explicar tamanha demora: "A
escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do
Brasil". Se um recém-liberto comprava um escravo para si, é porque já estava
enraizada na cultura nacional uma certa "fraqueza do sentimento do direito
civil", como diz Carvalho. Ou seja, a liberdade individual está acima do bem
público, princípio perverso que a classe política brasileira comprova dia a dia.
"Prefiram uma carreira obscura de trabalho honesto a acumular
riqueza fazendo ouro dos sofrimentos inexprimíveis de outros homens", escreveu
ele, crítico da "classe única" que dirigia o país "só se preocupando dos seus
interesses de classe, de manter o jugo férreo dos seus monopólios desumanos e
atentatórios da civilização universal". E recomendava: "A missão do governo é
fazer por política o que a revolução faria pela força".
"Quando é vista como perversa, desviante e desnecessária, há
um grande risco para a democracia", diz Helena Severo, ressaltando a importância
de Nabuco nos dias de hoje.
Outras lembranças
A Academia Brasileira de Letras, da qual Nabuco foi fundador e
o primeiro secretário-geral, prevê para 2010 um ciclo de conferências, uma
página específica na internet e publicações, como conta o acadêmico Marcos
Vilaça, pernambucano como o homenageado. Ele também conversa com o MEC e o
Congresso sobre reedições populares dos três principais livros de Nabuco: "O
Abolicionismo", "Um Estadista do Império", e "Minha Formação".
A socióloga Angela Alonso, autora do livro sobre Nabuco da
coleção "Perfis Brasileiros", da Companhia das Letras, está organizando com
Kenneth David Jackson, da Universidade Yale, o dossiê "Nabuco e a República",
com textos de especialistas de vários países.
"Joaquim Nabuco: Conferências", que a editora Bem-Te-Vi lança
até o início do próximo ano, também reúne autores de diversas origens, em
conferências feitas em Yale (em 2008) e Wisconsin (2009).
O lado sedutor de Nabuco, que lhe valeu na juventude o apelido de "Quincas, o
Belo", está mais claro em "Os Mundos de Eufrásia", biografia romanceada de
Eufrásia Teixeira Leite, grande amor com quem Nabuco teve idas e vindas mas não
se casou, escrita por Claudia Lage e já lançada pela Record.
(©
Folha de S. Paulo)
Frases
A missão do governo é fazer por política o que a revolução faria pela
força
JOAQUIM NABUCO
[Nabuco] não aceitava os protestos dos
escravistas brasileiros contra a interferência britânica pela abolição.
Não podemos ser autenticamente brasileiros se não incorporarmos valores da
civilização
JOSÉ MURILO DE CARVALHO
historiador
(©
Folha de S. Paulo)
Exposição usa recursos visuais
para atrair crianças
DA SUCURSAL DO RIO
O público entrará na exposição "Joaquim Nabuco:
Brasileiro, Cidadão do Mundo" passando por um canavial cenográfico, e verá mais
à frente o próprio Nabuco, em tamanho natural, dizendo algumas de suas frases
mais famosas, selecionadas pelo historiador Evaldo Cabral de Mello. Lançar mão
de recursos visuais contemporâneos para contar a vida de um homem morto há cem
anos é uma aposta para atrair crianças e adolescentes, alvo mais desejado pela
curadora Helena Severo.
"No Rio, as [crianças] da zona sul já ouviram
falar dele, mas só porque é nome de rua em Copacabana", diz ela. De olho nesse
público, ela procurou ser didática. O primeiro módulo trata de "infância e
formação", depois chega-se ao "abolicionista e pensador", fala-se do "diplomata
e cidadão do mundo", e o percurso termina com a participação na Academia
Brasileira de Letras e um conjunto de peças como manuscritos, edições originais
de livros e um autógrafo que Machado de Assis lhe dedicou em "Memorial de
Aires".
Marcello Dantas e sua equipe partiram de uma foto
do rosto de Nabuco para criar uma animação em que ele parece estar falando ao
público no teatro Santa Isabel, em Recife. A voz é do ator Othon Bastos. Na
última sala, há outro trabalho de Dantas: um painel em que frases do intelectual
se movem. A cenografia é do arquiteto Chicô Gouvêa, que ampliou fotos de época
de cidades em que o intelectual viveu, entre as quais Recife, São Paulo, Londres
e Nova York.
Um retrato dele pintado quando tinha oito anos,
um busto feito pelo escultor Rodolfo Bernardelli, uma escrivaninha em que
trabalhou e a estatueta de madona que o acompanhou nos últimos anos de vida,
após a reconversão ao catolicismo, estão na exposição. A família de Nabuco foi a
principal cedente de material. Numa vitrine também se verá o documento original
da Lei Áurea. Os apelos visuais não significam, para Helena Severo, que a mostra
não inspire reflexões.
Para cada setor há um texto específico. Os
autores são Humberto França, da Fundação Joaquim Nabuco, o cientista político
Francisco Weffort, o diplomata Rubens Ricupero e o escritor Eduardo Portella, da
ABL. (LFV)
JOAQUIM NABUCO: BRASILEIRO, CIDADÃO DO MUNDO
Quando: ter. a sex., das 10h às 17h30; sáb. e dom., das 14h às 18h; até
4/10
Onde: Museu Histórico Nacional (pça. Marechal Âncora, s/nº;
0/xx/21/2550-9220)
Quanto: R$ 6 (ter. a sáb.); entrada franca (dom.)
Classificação: livre
(©
Folha de S. Paulo)
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