Foto: Divulgação
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Waldick Soriano era um ícone do gênero brega |
Luiz Carlos Merten
Estranho é o cinema. Podemos ver um filme que nos desagrada,
mesmo que o personagem seja um dos nossos ídolos. Ou, pelo contrário, podemos
curtir, e muito, um filme que "fala" de alguém que não admiramos. É um pouco o
caso deste Waldick - Sempre no Meu Coração.
A atriz Patricia Pillar, em sua estreia no documentário, filma o cantor Waldick
Soriano no ocaso da vida - e o faz com infinita delicadeza. A imagem é
implacável. Vemos que Waldick está doente. Ao mesmo tempo, temos um vislumbre de
sua vida complicada. Noite, bebida, mulheres, problemas com o filho. Há aí uma
exposição que, em momento algum, soa gratuita. Pelo contrário: ela revela o
personagem. Não porque mostre seu ângulo melhor, mas porque coloca em
perspectiva a sua humanidade. Mais uma vez: sem forçar a barra jamais.
Porque Patricia evita também o outro lado da coisa: tomar um personagem cheio de
arestas e, para santificá-lo, aplainar tudo o que não cabe no lugar-comum do bom
comportamento. Está cheio de filmes assim por aí, nos quais todo mundo é
bonzinho, não tem defeitos e, se os tem, servem apenas para melhor realçar suas
verdadeiras qualidades. Com Waldick não há isso. Ele é machista, ostenta suas
opiniões sem qualquer pudor e nem sem importa com o que possam pensar do que diz
e faz. A câmera registra. E, ao registrar, exibe a contradição de que é tecido
um ser humano. Qualquer um. Do anônimo ao cantor de sucesso que ele foi.
Serviço
Waldick, Sempre no Meu Co-ração (Brasil/2008, 58 min.) - Documentário. Dir.
Patrícia Pillar. Livre. Cotação: Bom
(©
Estadão)
Uma vida ''imensa'', por Patricia Pillar
Atriz assina Waldick Soriano - Sempre em Meu Coração,
resgatando a tragicidade do artista 'brega' que morreu em 2008
Luiz Carlos Merten
Patricia Pillar admite que há tempos vinha desenvolvendo o
desejo de passar à direção de cinema. "Selton Melo, Matheus Nachtergaele,
Malu Mader, todos fizeram os filmes deles, surgidos quase ao mesmo tempo. Eu
também queria e era uma consequência natural de estar atuando há tanto
tempo. Para mim, atuar integra o esforço de contar uma história e ela sempre
me interessou como um todo. O desejo havia - a surpresa, até para mim, foi
estrear com um documentário. Achei que seria com uma ficção."
Mas esse documentário faz sentido. Waldick Soriano - Sempre em Meu Coração
tenta dar conta de uma vida imensa, com lances do mais puro folhetim. O
garoto pobre do Nordeste trabalha nas funções mais humildes até ter chance
de virar cantor e, mesmo aí, apesar do seu imenso sucesso, ainda tem
problemas para ser aceito pelo público mais sofisticado e intelectual. É
'brega'. "A vida do Waldick tem lances da mais pura ficção. Comecei a
colecionar seus discos, conhecia a obra de cor. De repente, percebi que não
importa a música, mal ele começava a cantar eu já ia desenrolando a letra.
Ao mesmo tempo, me incomodava a discriminação. Essas histórias de pessoas
colocadas à margem mexem comigo. Isso estimulou meu desejo de fazer alguma
coisa com ele."
Mas, no início, não era um filme e sim um show, que Patricia dirigiu para
que Waldick voltasse a cantar com grande orquestra. "Waldick não se
encaixava no modelo vozeirão de Nelson Gonçalves e também não tinha o
registro delicado de João Gilberto, mas tinha uma bela voz. Cantava com
sentimento. Grandes maestros como Guerra Peixe orquestraram para ele e a
ideia do show surgiu daí." A própria Patricia dirigiu o show num cinema de
Fortaleza, posteriormente lançado em DVD. Ontem, ela voltou à capital do
Ceará para a pré-estreia de Sempre em Meu Coração. "Já fizemos pré-estreias
em Caetité, no interior da Bahia, onde ele nasceu, e depois no Rio, em São
Paulo e Salvador. Quis encerrar aqui, antes do lançamento, como
agradecimento à cidade que nos acolheu tão bem", disse a atriz e diretora
numa entrevista por telefone, ontem.
Patricia colheu, há pouco, o que talvez seja o maior sucesso de sua
carreira, na novela A Favorita, da Globo. O repórter provoca. Waldick
poderia ser a trilha da personagem que ela interpretava, a perversa Flora.
Em que sentido? Novela é melodrama e ele cantava aquelas músicas bregas, num
estilo derramado. Os críticos detestavam, como muitos ainda detestam o
melodrama. Ela concorda e lamenta o preconceito contra o artista popular.
Waldick viveu tanto que carregava uma tristeza, por tudo que sofreu, pelos
problemas com as mulheres e o filho. "Era uma vida tão de ficção que me
liberou para fazer o documentário."
(©
Estadão)
Documentário sobre Waldick Soriano coloca sertão baiano no mapa
MARCUS PRETO
Enviado especial a Caetité (BA)
Já era a quinta ou sexta pergunta que começava exatamente do mesmo jeito.
"Oi, Patrícia. Eu também gostaria de dizer, como cidadão caetiteense, que é
um orgulho para a nossa cidade poder contar aqui com a presença ilustre da
maior atriz brasileira dos tempos de agora. Uma das maiores. O que eu queria
saber era se..."
A dúvida era o de menos. O que importava de fato para aqueles
jornalistas, e isso eles deixavam escapar em cada tremida nervosa de voz,
era fazer o tal agradecimento.
Diretora do filme "Waldick Soriano - Sempre no Meu Coração", ela, "a
maior atriz brasileira dos tempos de agora", estava incluindo a desconhecida
Caetité no mapa do Brasil. Era mais ou menos isso o que eles queriam dizer.
Ver documentada em filme a história do filho mais famoso daquela terra fazia
com que cada um ali se sentisse também lembrado, representado, importante,
vivo. E isso fazia um bem danado para a autoestima da cidade toda.
Ricardo Prado/Divulgação |
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O documentário de Patrícia Pillar sobre o cantor
Waldick Soriano é projetado na tela redonda da Praça da Catedral, em
Caetité |
Era uma noite gelada de quinta-feira, 13 de agosto último. Estavam, os
jornalistas e Patrícia Pillar, em uma coletiva de imprensa no anfiteatro da
Casa Anísio Teixeira, no Centro de Caetité. Para chegar ali, a
atriz/diretora teve que viajar por quase 12 horas.
Primeiro, um voo do Rio, onde mora, a Salvador. Depois, outro, em avião
de 30 lugares, até Vitória da Conquista, interior da Bahia. Por fim,
enfrentou mais de quatro horas em uma van numa estrada tão esburacada que o
velocímetro não ultrapassava os 30 km/h.
A viagem sofrida tinha um sentido emocional. Depois de algumas exibições
em festivais e em canais de TV a cabo, seu filme sobre Waldick Soriano
(1933-2008) finalmente ganharia os cinemas --mas só os de São Paulo, Rio de
Janeiro, Salvador e Fortaleza. Nada mais justo que a cidade do documentado
fosse a escolhida para a pré-estreia, em sessão ao ar livre na Praça da
Catedral.
"Não sei quantas pessoas vieram, não. A gente estava cuidando aqui, mas
não conseguiu contar", (não) informava um policial, pouco antes da projeção.
Seu colega dava o palpite: "Pelo que eu vejo tem aqui umas 6.000 pessoas,
porque a praça está bem lotadona".
Se o chute dele estava mesmo certo, mais de 10% da cidade --Caetité tem
aproximadamente 50 mil habitantes-- haviam baixado ali para ver o filme. O
filme? "Patrícia, cadê você, eu vim aqui só pra te ver!"
Quem puxava o coro, que repercutia em toda a praça, era o grupo de meninas
que chegou bem cedo para ficar mais perto do palco. "A gente queria tirar
uma foto com a Flora, me leva lá?", pedia uma delas, mostrando a câmera
digital e cartazes com a foto da atriz, a quem quer que tivesse alguma pinta
de estar envolvido com o evento. Flora, no caso, é o nome da vilã
interpretada por Pillar na última novela das oito.
Depois de um pequeno discurso da diretora, que, tímida, resumiu sua
relação com Waldick e "os mistérios que rondaram nossos silêncios e eu nunca
quis quebrar", o vozeirão do cantor toma a praça, enquanto sua imagem surge
na tela --redonda-- lá no alto.
O coro foi murchando, as câmeras entraram nas bolsas, as fotos de Flora
foram para o chão. Caetité fez silêncio. Era hora de se assistir no cinema.
O jornalista MARCUS PRETO viajou a convite da
produção do filme
(©
Folha Online)
VÍDEO
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